Presidente da ABEA responde: Engenheiro de Alimentos pode ser responsável técnico em entrepostos de carnes?

Entrevistei o presidente da ABEA, Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos, o Engenheiro Gumercindo Silva.
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Entrevistei o presidente da ABEA, Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos, o Engenheiro Gumercindo Silva. Conversamos sobre a atuação do engenheiro de alimentos como responsável técnico em entrepostos de carnes, com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Confira nossa troca de informações.

Em 2014 ingressei com um processo civil contra o Conselho de Medicina veterinária. Sou responsável técnica de um entreposto de carnes com registro no Conselho Regional de Química da 5ª região. Na época, a empresa havia sido multada em 6 mil reais pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária. A empresa é processadora de produtos cárneos cujas matérias-primas já chegam inspecionados pelo órgão regulamentador (SIF, CIPOA), embaladas e carimbadas, ou em peças inteiras encaminhadas para desossa. Como a empresa foi multada, entrei com processo no nome da empresa, porque ela estava sendo exigida a contratar um médico veterinário. Paguei as custas processuais e o advogado, pois a empresa fazia questão de continuar com o trabalho do engenheiro de alimentos. E como não está morto quem peleia, como se diz no sul, fui a luta e ganhamos.

O SIF, Sistema de Inspeção Federal, possui uma circular interna que aceita o Engenheiro de Alimentos como ART, mas, neste caso, o entreposto estava regulamentado pelo SIM,  Sistema de Inspeção Municipal, e o regulamento interno do MAPA não é aceito pelo Conselho de Medicina Veterinária, por serem fiscalizações de órgãos distintos.

Fui ousada e pedi ao advogado que questionasse no processo assim: todos os açougues possuem um Médico Veterinário? Porque  se no entreposto a principal atividade é fatiar peças de carne para bifes ou moer a carne que será distribuída para as cozinhas industriais, me parecem atividades muito parecidas.

Este raciocínio foi reconhecido, e ganhamos. Falo no plural porque é uma vitória nossa, uma vitória da Engenharia de Alimentos. O processo é público e você pode acessar no site da justiça federal, com o número: Nº 5006828-21.2013.404.0000/RS.

Uma parte do voto do Relator, Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, foi: “Ora, o fato da Agravante estar registrada junto ao Conselho Regional de Química demonstra que sua atividade principal não está relacionada à medicina veterinária. Logo, não está obrigada, por força de lei, a registrar-se junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária.”

Quero expressar claramente a opinião de que engenheiros de Alimentos não são aptos para fiscalizar abate animal, pois não temos formação técnica para avaliar as diversas doenças que podem afetar os animais, sendo esta uma atividade exclusiva do médico veterinário.

Vamos à conversa com Gumercindo Silva, o Guma:

Como você vê a atuação do engenheiro de alimentos como responsável técnico na manipulação e elaboração de produtos cárneos em entrepostos de carnes? 

A atuação do Engenheiro de Alimentos é totalmente relacionada a quaisquer atividades que possam ser desenvolvidas dentro de qualquer estabelecimento manipulador de carnes ou de derivados cárneos. A formação desse profissional atende a todos os requisitos técnicos e legais de nosso país e, inclusive, mundialmente para a garantia de que as pessoas possam se alimentar com saudabilidade e garantia da qualidade dos produtos que adquirirem. Assim, não há impedimentos técnicos, e nem, tampouco, legais em nível nacional, que possam impedir a atuação da Engenharia de Alimentos em favor da sociedade brasileira para o seu bem-estar e para a garantia (e melhoria) da qualidade dos produtos disponíveis ao cidadão, oferecendo segurança aos consumidores.

A lei do veterinário garante a atuação do mesmo no processamento de produtos cárneos?

A Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos entente sobre a lei 5517/68 (lei dos Veterinários) em seu art 5º, que diz: “É da competência privativa do médico veterinário o exercício das seguintes atividades e funções a cargo da União, dos Estados, dos Municípios, dos Territórios Federais, entidades autárquicas, paraestatais e de economia mista e particulares: a) a prática da clínica em todas as suas modalidades; … d) a padronização e a classificação dos produtos de origem animal; …. f) a inspeção e a fiscalização (grifo nosso) sob o ponto-de vista sanitário, higiênico e tecnológico dos matadouros, frigoríficos, fábricas de conservas de carne e de pescado, fábricas de banha e gorduras em que se empregam produtos de origem animal, usinas e fábricas de lacticínios, entrepostos de carne, leite, peixe, ovos, mel, cera, e demais derivados da indústria pecuária e, de um modo geral, quando possível, de todos os produtos de origem animal nos locais de produção, manipulação, armazenagem e comercialização; g) os exames periciais tecnológicos e sanitários dos subprodutos da indústria animal”.

Assim, entendemos que:

  • O uso do termo “competência privativa” remete à reserva de mercado, impedindo o desenvolvimento científico da sociedade brasileira, impedindo a livre concorrência entre os competentes no assunto, evitando o desenvolvimento tecnológico e científico por parte dos profissionais envolvidos nas atividades;
  • A lei faz referência clara que tal “competência privativa” dá-se apenas aos casos de atividades e funções a cargo da união, dos estados e dos municípios, ou seja, em funções ligadas à inspeção e fiscalização por parte dos governos, não havendo abertura para confusão sobre a Responsabilidade Técnica (RT) em empresas privadas, nem mesmo em prefeituras ou órgãos públicos quando se tratar de RT para produção e produtos, pois cabe esta ao profissional que adquirir em sua formação os conhecimentos sobre Engenharia, Tecnologia e Ciências dos Alimentos;
  • As leis do CFQ (2.800/56) e do CONFEA (5.194/66) convergem no sentido que as atividades de processamentos de alimentos são atividades que necessitam de conhecimentos tecnológicos das engenharias, das áreas tecnológicas e técnicas afins.

Quais são as principais atribuições do engenheiro de alimentos que diferenciam este profissional do medico veterinário no processamento de produtos cárneos?

Vamos nos atentar às atividades do Engenheiro de Alimentos na indústria cárnea: por ter sua profissão regulamentada em lei e suas atribuições conferidas pelo CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), o Engenheiro de Alimentos caracteriza-se como uma profissão de interesse social e humano, o que consideramos ser de Saúde Pública e tem as atribuições:

  • Supervisão, coordenação e orientação técnica;
  • Estudo, planejamento, projeto e especificações;
  • Estudo de viabilidade técnico-econômica;
  • Direção de obra e serviço;
  • Desempenho de cargo e função técnica;
  • Pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação técnica, extensão;
  • Padronização, mensuração e controle de qualidade;
  • Condução da equipe de instalação, montagem, operação, reparo e manutenção;
  • Execução de instalação, montagem e reparo;
  • Operação e montagem de equipamento, instalação e execução de desenho técnico;
  • Desenvolvimento de produtos e processos;
  • Analisar características físico-químicas, microbiológicas e sensoriais;
  • Controlar a qualidade dos produtos;
  • Classificar a matéria prima;
  • Realizar análises físico-químicas, microbiológicas e sensoriais;
  • Validar matéria prima;
  • Gerenciar processos de produção;
  • Definir padrões de procedimentos e volume de produção;
  • Implantar novas tecnologias;
  • Calibrar e aferir equipamentos;
  • Supervisionar controle integrado de pragas;
  • Supervisionar o tratamento de efluentes;
  • Definir o tratamento de efluentes;
  • Dimensionar equipamentos e linhas de produção;
  • Todas as atribuições garantidas por lei para a processamento de produtos de origem animal.

Como está regulamentada a profissão do engenheiro de alimentos sobre a atuação deste profissional em entrepostos de carnes?

A profissão foi regulamentada pela lei 5.194/66 e pela resolução CONFEA 218/73. Além das quais temos ainda a Classificação Brasileira de Ocupação, editada pelo Ministério do Trabalho de número 2222-05 para o Engenheiro de Alimentos, todas garantindo a atuação e responsabilidade técnica do Engenheiro de Alimentos nos entrepostos, além de empresas que manipulam e processam carnes e seus derivados.

Por que a sociedade sai perdendo com o não reconhecimento de uma categoria profissional?

Frequentemente vemos o cerceamento dos Profissionais da Engenharia de Alimentos em empresas que manipulam carnes e seus derivados, assim como leite. Vamos lembrar que a sociedade precisa ter produtos garantidos pelos melhores conhecimentos técnicos e científicos oferecidos no mercado, assim a atividade de cerceamento de um profissional reconhecido e garantido por leis, nada mais faz com que gerar confusão na sociedade e inversão de valores colocando interesses de categorias profissionais, e reserva de mercado em detrimento da saúde pública e do bem estar da Sociedade Brasileira.

Sociedade justa e moderna é aquela que não tenta cercear os direitos e nem a adequação à atualidade técnica, científica e intelectual por mero receio profissional ou reserva de mercado.

Gumercindo é Engenheiro de Alimentos, Pós graduado em Gestão de Negócios em Serviço de Alimentação, consultor na empresa Expertise Consultoria e Qualidade, professor convidado nos cursos técnicos de Nutrição e Dietética e de Hotelaria do SENAC-SP, atual presidente da Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos (ABEA).

16 thoughts on

Presidente da ABEA responde: Engenheiro de Alimentos pode ser responsável técnico em entrepostos de carnes?

  • Michelly Piske

    Com seu texto subintende-se que a sociedade sai perdendo, pois os veterinários não são capazes de garantir a segurança alimentar. É isto?. Reconheço a capacidade do EA, mas não vamos usar isso como justificativa para desmerecer a capacidade dos MV. Minha opinião “do ponto de visto que o alimento de origem animal tem seu inicio lá no campo (Seja leite ou carne), futuros problemas dentro da indústria seriam prevenidos bem antes, com o conhecimento veterinário, certo?

  • Laura Emilia Carlos

    Estou com uma dúvida em relação ao beneficiamento do leite. Sou engenheira de alimentos e minha família está iniciando o envase do leite tipo A, temos um veterinário que acompanha a saúde do rebanho, porém trata-se de um negócio meu e não posso assinar como Responsável Técnica. Conforme preconiza a lei, o ART deve fornecer manual de BPF, plano APPCC, monitorar e garantir a qualidade do produto final ao consumidor, não acredito ser uma competência de Médico Veterinário. Gostaria de esclarecer essa dúvida, realmente esse tipo de processo não cabe ART de uma engenheiro de alimentos?

    • Adeilson C. Ferreira

      O Médico Veterinário é super capacitado pra atuar desde o campo até a mesa. Elaboração de Manuais e Planos e Programas de Autocontrole fazem parte da grade curricular de qualquer curso de Medicina Veterinária. Reconheço a competência dos Engenheiros de Alimentos. Por, outro lado problemas ligados diretamente a clínica ou manejo de produção de alimentos de origem animal, só cabe ao Veterinário, problemas esses que podem afetar a segurança do produto final, dessa forma intendo a responsabilidade do veterinário, não desmerecendo o E.A

  • Angela Busnello

    Prezada Michele, entrepostos de carnes recebem a carne totalmente fiscalizada pelo médico veterinário, ou seja, ela já chega inspecionada, e o SIF- Sistema de Inspeção Federal possui um regulamento interno pelo qual aprova a atuação de Engenheiros de Alimentos em entrepostos de carnes. Engenheiros de Alimentos são responsáveis pelo controle de processo produtivo, segurança de alimentos, desenvolvimento de programas de gestão , gestão de riscos, melhorias estruturais , desenvolvimento de formulações, entre outros.
    O médico veterinário é importantíssimo para a inspeção da sanidade animal(doenças), isto não é atribuição do engenheiro de alimentos.
    O Engenheiro de alimentos é responsável por cuidar de toda cadeia de alimentos, da segurança dos alimentos produzidos. Cuidamos de muitos processos, desde lá do começo, como você disse: do campo a mesa, esta é nossa responsabilidade junto a sociedade. Deixo como exemplos processos em que atuamos ativamente em toda cadeia produtiva, começando na gestão de fornecedores até a rastreabilidade final: grãos,vinhos, chocolates, cervejas, balas, cereais, pães , biscoitos, entre outros.
    Um abraço e estamos aqui para ajudar a esclarecer quando possível.

    • Michelly Piske

      Sim, ótima explicação

  • Michelly Piske

    Na grade curricular de um curso de veterinária existe todas as disciplinas referentes a “Tecnologia de alimentos de origem animal”, Microbiologia básica e aplicada as ciencias agrarias e de alimentos, higiene e inspeção de alimentos e outras 4 mais. Aprendem todas as ferramentas de de garantia logo no inicio do curso. Então, vejo que é um atribuição aos dois profissionais. Porém, em se tratando de alimentos de origem animal o veterinário seria, e é mais habilitado para tento. Planos e Manuais importantes sim, mas Fisiolgia, Anatomia de espécies, imunologia, histologia e outros tantos conhecimentos do curso de Veterinária são Imprescindiveis na rotina do controle de qualidade. Saber que está errado é facil. Saber porque está que é mais importante.

  • ULISSE SOUSA

    TEXTO DESMERECENDO A PROFISSÃO DO MEDICO VETERINÁRIO, TRISTE ISSO, E AINDA MAS POR ALGUÉM QUE APARENTEMENTE TEM UMA CAPACIDADE DE CONHECIMENTO SIGNIFICATIVA.

  • Cristiane Deuner

    Ólá, poderia me ajudar em uma dúvida? Sou Engenheria Agrícola, para eu ser RT de entreposto de carnes e produção de linguiças em embutidos teria de fazer a graduação de Engenharia de alimentos ou uma Pós na área de em Alimentos me permitiria ser RT?

    • Angela Busnello

      Prezada Cristiane, apenas o seu conselho de classe poderá informar se você pode assinar, liga lá e informe-se .
      Abraços

  • Altair Jose de Medeiros

    Bom Dia! Sou Médico Veterinário e Vejo a Questão Como Um Compromisso Coletivo de Vários Profissionais. Nada Melhor que a Interdisciplinaridade para Evoluir em Qualquer Processo Produtivo.
    Sou Responsável pelo Serviço de Inspeção Municipal e Tenho Tido Grandes Avanços com a Colaboração de Vários Profissionais (Químicos, EA e Zootecnistas)! Um Bom Profissional Não Necessita Tutela de Nenhum Conselho Profissional para Atuar!
    Parabéns ao Questionamento e Sucesso Aos Envolvidos!

    • Angela Busnello

      Parabéns pelo seu comentário Altair, nos do Food Safety também acreditamos na soma de vários profissionais e na competência de cada um para atender as variadas funções na indústria.
      Acreditamos que os conselhos devem apoiar o profissional no momento da liberação de uma AFT /ART, assim terminaria esta disputa entre conselhos, infelizmente os conselhos deixam ao profissional esta disputa no caso de responsável técnico.
      Abraços

  • Bruna Rostirola

    Sou Engenheira de Alimentos e estou vivenciando uma situação exatamente como essa, disputa entre conselhos é uma grande decepção.
    Recentemente o CRMV notificou uma das empresas que atuo como RT, uma fábrica de linguiças, onde a principal matéria prima já vem inspecionada pelo órgão competente, havendo apenas manipulação. Seu post foi muito esclarecedor.

  • Dani

    Muito interessante o debate. Sou Engenheira Agrônoma, Tecnóloga em Agroindústria e especialista em Segurança Alimentar e Agroecologia. Também atuo como RT em entrepostos de carnes e agroindústrias. Várias vezes precisei “provar” aos fiscais dos S.IM. e do CRMV que posso atuar. Ontem um dos estabelecimentos que atuo foi notificado também…. mas acredito que está na hora dos fiscais (de modo geral) saberem que existem outros profissionais que podem atuar, que são amparados pelos seus Conselhos, como no meu caso o CREA, que é tão competente como o CRMV! Os fiscais não deveriam notificar relatando que não tem o profissional “X”, apenas verificar se tem algum RT e qual formação e ART.
    Sempre consulto meu CONSELHO de Classe Profissional para verificar as atribuições. Mas estaria na hora deles terem nas fichas um item com:
    (x) existe RT, do Conselho de_____________, conforme Anotação de Responsabilidade Técnica n°_____.
    Que ai, se eles quiserem, eles mesmos verifiquem com o Conselho se este profissional está legal atuando e tudo mais… isso faria com que não fosse necessária toda burocracia que gera no processo de você ter que se justificar ao CRMV, como se eles fossem maiores que os outros Conselhos….
    Pra pensar….
    Reserva de mercado não pode ocorrer… mas claro que casa um deverá fazer aquilo que tem competência e atribuição, e respeitar isso.

  • mateus collazante marcello

    BOM DIA ! ESTOU COM UM PROJETO DE FABRICAÇÃO DE EMBUTIDOS. QUAL PROFISSIONAL DEVO PROCURAR AS PRIMEIRAS ORIENTAÇÕES…?

    • Manu

      Se vocë procurar um medico veterinario ele nao vai saber absolutamente nada

  • Rosane

    Olá!
    Estou com ideia de abrir um frigorífico de abate pequeno no qual vou produzir embutidos, a veterinário da prefeitura vai liberar a carcaça e ele comentou que eu tenho que contar um outro MV para responsável técnico, mas eu sou formada e. Eng de alimentos e não vou poder assinar, menos que a veterinário já tenha liberado as carcaças?
    Se puderem me ajudar agradeço.
    Rosane Schaeffer

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