Trabalhar em food safety é um desafio e tanto. Cada dia surge algo que nos tira do sério e nos faz buscar uma nova estratégia, uma abordagem diferente e até mesmo nos reinventar. O tema de hoje não é diferente e o desafio é o seguinte: quem nunca se deparou com um manipulador de alimentos que não executa de forma eficaz os hábitos de higiene pessoal? E para quem sobra a tarefa de colocar os pingos no is? Já sei, o tema é complexo, né, mas saber encarar conversas difíceis também faz parte da vida de quem trabalha com food safety.
Trabalhar com pessoas não é fácil, tratar temas delicados com elas é ainda mais desafiador e esse é o tipo de tarefa que poucos sabem desempenhar bem, mas não tem jeito, se temos que tratar do assunto, é melhor encarar com seriedade e cuidado, caso contrário podemos ter muito mais dor de cabeça lá na frente.
Pense um pouco, você já lidou com alguém que:
não troca as meias diariamente;
insiste em usar adornos;
usa perfume demais;
tem mau cheiro por não usar desodorante;
tem mau hálito;
se recusa a cortar as unhas ou fazer a barba;
sempre tem cabelo para fora da touca;
não lava as mãos após usar o banheiro;
se coça constantemente;
Se sim, você sabe como conversar com este manipulador sem o expor nem ridicularizá-lo?
A arte da comunicação é difícil e nem sempre aprendemos na faculdade ou em cursos. Muitas vezes podemos ter receio de dizer algo pela dificuldade em estabelecer uma conversa franca, mas delicada, e também por falhas ao avaliar o quanto alguns assuntos podem ser resolvidos por si mesmos ou precisam de nossa intervenção.
Algumas vezes, após concluir que o assunto deve ser colocado à mesa, podemos não identificar a forma mais assertiva de falar sobre higiene pessoal, já que se trata de assunto íntimo e portanto mais delicado. Assuntos se fazem delicados e difíceis de serem tocados quando houver fragilidade por parte de quem precisa, ou quer, mencionar ou por parte de quem se deseja falar. Sendo assim, assuntos que seriam muito tranquilos para algumas pessoas podem ser muito difíceis para outras.
Conversas delicadas sempre são muito desafiadoras para líderes ou supervisores. Antes de tudo, é preciso se preparar para ter argumentos sólidos e ser assertivo para realizar a abordagem com o manipulador, não esqueça que o assunto higiene pessoal é de foro íntimo da pessoa e nem sempre ela tem consciência que isto atrapalha o bom andamento do trabalho, além dos riscos aos alimentos. Este processo de preparação é complicado, mas é necessário para ter uma conversa mais fácil e precisa.
Tudo isso constitui um desafio para o qual não existe um passo-a-passo, essa é a verdade. Mas já que muita gente passou e passa por isso todos os dias, existem, sim, dicas e boas práticas que podem ajudar a encarar aquela conversa que você talvez já deveria ter tido, mas que vem evitando.
Para facilitar sua vida, resolvi reunir as dicas mais assertivas de alguns colegas:
- juntar ao kit alimentação um kit higiene com cartinha ou folder explicativo sobre os cuidados higiênicos e sua importância para o trabalho que executa;
- conversar com o grupo de manipuladores pode ser mais fácil e leve do que conversar com o manipulador de forma individual, porém esteja preparado para lidar com piadas ou indiretas durante o debate;
- rever o treinamento de BPF, refazer o mesmo com manipuladores da mesma área (para não chamar só aquela pessoa em separado) e dar ênfase aos procedimentos higiênicos que estão falhos;
- usar meios lúdicos de abordagem, usar vídeos, imagens, charges ou dinâmicas podem ajudar a tratar o assunto de forma mais leve;
- para casos mais específicos como a troca de meias, uso de adornos e unhas por cortar, fazer uma apresentação com placas de cultura e mostrar o crescimento bacteriano em torno destas sujidades pode ser um meio de convencimento. Lembre-se dos argumentos consistentes para que o grupo entenda os perigos que seu hábito inadequado pode causar aos produtos que fabricam;
- usar a técnica do “walk the talk” – fazer aquilo que prega e não ser pego por outros fazendo algo diferente daquilo que você prega também é uma boa dica. Por exemplo: se você é líder e chega na segunda-feira com unhas pintadas para trabalhar, mesmo que use luvas, sua equipe também pode achar que pode fazer o mesmo, entendeu?
De maneira geral tenha em mente que apesar da delicadeza do assunto, ele deve ser encarado de forma séria e precisa, pois empurrar o problema para baixo do tapete pode trazer consequências sérias. Nunca esqueça, no entanto, de se colocar no lugar do outro, pense como você se sentiria sendo abordado pela chefia sobre um tema delicado?
Porém, se mesmo fazendo a abordagem coletiva você ainda não resolveu o problema, é hora de partir para uma conversa mais direta e pessoal, nesse caso é preciso mais preparo para a abordagem.
A seguir mais algumas dicas de gente que entende do assunto:
1. Falta de tato pode atrapalhar
Há pessoas que acreditam que nada deve ser ocultado, que tudo deve ser dito na hora em que lhe veio à mente, mas nem sempre isso traz bons resultados, o equilíbrio e jogo de cintura são primordiais nesse processo. Exageros podem trazer resultados diferentes do desejado. Não avaliar o momento e o modo adequado de desenvolver conversas difíceis pode ser tão prejudicial quanto ferir alguém por protelar demais em dizer algo importante ou não conseguir definir a importância e necessidade em mencionar algum assunto.
É importante deixar a pessoa confortável para falar e em algumas situações, não abandonar a pessoa com quem teve a conversa difícil, pois o fato de ser você quem esteve presente no momento de mencionar o assunto pode ser que seja importante um acompanhamento para que esta pessoa se sinta acolhida caso tenha dúvidas ou precise de apoio.
2. Deixe suas emoções de fora da conversa
Exercite a empatia, coloque-se no lugar do outro, veja se a falta de hábito adequado é cultural ou mera falta de informação. Humildade e generosidade ajudam no desenvolvimento do assunto, vá com calma e conduza a conversa de forma séria e em tom amigável.
Tenha em mente como você gostaria de ser tratado caso abordassem este assunto com você, mas também imagine qual o resultado você espera dessa conversa para que a pessoa não saia da sua sala arrasada.
3. Use uma forma direta de abordagem, mas sem ser agressivo
Comunique o manipulador sobre o que aconteceu, descreva a ele o impacto que este mau hábito tem sobre o processo e sobre os demais colaboradores, pergunte a ele se você pode conversar sobre este assunto. Pode ser que para ele este ponto ou aquele não tenha ficado claro durante o treinamento admissional ou periódico, deixe espaço para ele se expressar também.
É preciso proteger a conversa de tons acusatórios ou ditatoriais, ninguém gosta de participar de uma conversa que se inicia com conclusões e acusações.
Pedir licença antes de entrar no espaço íntimo da outra pessoa também é uma boa dica, já que ao tratamos da higiene pessoal da pessoa ela pode se sentir invadida, demonstre respeito e educação, sinalize que você está preocupado com aquela pessoa e permita que ela tenha espaço para expor seu ponto de vista.
4. Seja paciente
Para tratar temas como este, a pressa realmente se torna inimiga da perfeição, ser interrompido por outros colaboradores ou telefonemas neste momento pode piorar a abordagem.
Conduzir a conversa com cuidado não é garantia de que tudo ficará bem ao final, mas que um dialogo foi aberto para que se alcance uma boa solução dentro daquele cenário.
Conversas difíceis são…difíceis, não há como negar, mas mantenha a intenção de fazer ao outro aquilo que você gostaria que alguém fizesse por você, lembre de conversas difíceis que outras pessoas já tiveram com você e que você avaliou serem mal ou bem conduzidas.
Por fim, saiba que um líder não pode evitar assuntos delicados, mas pode sim fazê-lo de forma mais leve e solidária.
Boa sorte.
Material sobre higiene pessoal:
Josilene Sena
Excelente artigo, muito importante. Já me vi nesta situação e realmente é muito difícil abordá-lo.
Juliana Barbosa
Obrigada, espero auxiliar mais profissionais que passam por isso, afinal uma hora ou outra teremos que enfrentar esse desafio.
Eduarda M. B.
Excelente artigo! Divulguei para colegas. E me lembrei de um caso sobre a importância de deixar os treinamentos admissionais mais claros possíveis.
Um colaborador estava com cheiro ruim por não usar desodorante e o CQ recebeu reclamações. Depois descobrimos que no treinamento admissional falamos para não usar perfumes, desodorantes e cremes com cheiro. E ele parou de usar qaundo começou a trabalhar na empresa.
Quando fizemos uma capacitação periódica para abordar esse assunto de higiene pessoal, explicamos que era importante usar desodorante sem cheiro diariamente. E ele: “Nossa, não sabia!” rsrs
Juliana Barbosa
Obrigada apelos comentários. São esses “flashes” que as vezes passam batido nos treinamentos que queremos chamar atenção, as vezes achamos que estamos sendo muito claros e nem sempre atingimos de forma assertiva nossos colaboradores.