Introdução
O frango brasileiro atingiu excelentes diferenciais sendo reconhecido internacionalmente e um dos produtos brasileiros mais concorridos do mercado mundial. Isto é possível devido à combinação da tecnologia de ambiência, genética, alimentação à base de milho e soja produzidos no Brasil, e o sistema de integração produtores – frigoríficos.
As práticas de bem estar animal (BEA) são um dos pilares da avicultura moderna, afinal o mundo está preocupado com as reais condições de criação destes animais. Entende-se que quanto melhores forem as condições de criação, melhor será o desempenho zootécnico dos animais. Mas e quanto à segurança de alimentos?
Bem-estar Animal
Em 1992 a FAWC (FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL) desenvolveu as chamadas “cinco liberdades”, sendo utilizadas como base para assegurar o bem estar dos animais.
- Livres de medo e angústia: Todos que manejem as aves necessitam ter conhecimentos básicos do comportamento animal para evitar o estresse das mesmas;
- Livres de dor, sofrimento e doenças: Os animais devem ser protegidos de injúrias e elementos que possam causar dor ou que atentem contra a saúde. O ambiente onde as aves são criadas deve ser manejado para promover boa saúde e estas devem receber atenção técnica rápida quando for necessário;
- Livres fome e sede: A dieta deve ser satisfatória, apropriada e segura. A competitividade durante a alimentação deverá ser minimizada pela oferta de espaços, suficiente para comer e beber. Os animais devem ter acesso à água potável e limpa;
- Livres de desconforto: O ambiente deve ser projetado considerando-se as necessidades das aves, de forma que seja fornecida proteção às mesmas, bem como prevenção de incômodos físicos e térmicos;
- Livres para expressar seu comportamento normal: Deve ser oferecido espaço suficiente e instalações apropriadas. As instalações não devem alterar a natureza das aves, sendo compatível com a saúde e o bem-estar das mesmas.
Do ponto de vista sanitário é possível avaliar o seguinte …
1 – Livres de medo e angústia
O momento da apanha tem grande influência sobre o aspecto qualitativo-sanitário da carne. Durante este momento é recomendada a construção de uma limitação de espaço para locomoção das aves a fim de que as mesmas não permaneçam agitadas e minimize por sua vez lesões e traumas (Figura 1).
Figura 1: Apanha de frangos manualmente. Observar a posição das caixas que limitam o espaço de locomoção das aves
Fonte: Arquivo Pessoal
O funcionário da apanha não pode capturá-las pelo pescoço, pernas ou asas. As aves devem ser pegas pelo dorso, usando as duas mãos e pressionando as asas contra o corpo (Figura 2). Os animais devem ser contidos de maneira confortável, evitando que os mesmos se debatam. A apanha pelo dorso oferece maior proteção, causa menos estresse e reduz os riscos de fraturas nas aves, resultando em uma menor condenação de carcaça.
Figura 2: Apanha pelo dorso (manejo correto)
Fonte: Google Imagens
As aves devem ser colocadas dentro das caixas de transporte da forma mais cuidadosa possível e isso requer um corpo técnico bem treinado. A densidade das caixas também deve ser considerada, pois caso contrário as aves sofrerão estresse térmico.
2 – Livres de dor, sofrimento e doenças
A criação das aves deve possuir condições que respeitem o ambiente ideal para seu desenvolvimento sem dor e sofrimento. Essas condições incluem, por exemplo, fornecer uma cama fofa e um galpão ausente de objetos perfuro-cortantes como pregos, cacos de vidro, arames a fim de evitar lesões das aves (Figura 3).
Figura 3: Arame dentro do galpão podendo propiciar dor e sofrimento às aves
Fonte: Arquivo Pessoal
3 – Livres de fome e sede
Os comedouros e bebedouros devem estar ajustados à altura da inserção cranial do peito dos animais a fim de que tenham condições de apreensão da comida e bebida. A água, por exemplo, deve ser fresca, com temperatura abaixo de 24 graus Celsius, hiperclorada e ausente de matéria orgânica. Temperaturas elevadas da água diminui sua ingesta e proporciona desidratação, queda de peso e imunidade dos animais.
Figura 4: Temperatura da água em 27,0 graus Celsius que propicia a diminuição da ingesta
Fonte: Arquivo Pessoal
4 – Livres de desconforto
Em relação ao calor, os pintos são animais pecilotérmicos, ou seja, não têm capacidade de regular a temperatura corporal própria, tendo a temperatura do corpo igual a do ambiente. Quando crescem, o sistema termorregular se desenvolve e passam a ser animais homeotérmicos, quando mantêm a temperatura do corpo constante, independente da temperatura do ambiente. Para os pintinhos, o ambiente quente é fundamental para a sobrevivência, eles devem ficar juntos e bem aquecidos (Figura 5).
Figura 5: Pintinhos em um ambiente confortável termicamente. Notar que estão comendo e bebendo e não estão nem muito amontoados (caracteriza frio) e nem muito espalhados (caracteriza calor)
Fonte: Arquivo Pessoal
5 – Livres para expressar seu comportamento normal
A densidade do galpão é algo a ser levado muito a sério, uma vez que repercute na produtividade das aves, além do aspecto sanitário (Figura 6). Elevada densidade proporciona estresse térmico e desenvolvimento de doenças como, por exemplo, aerossaculite (inflamação dos sacos aéreos).
Figura 6: A densidade segundo Diretiva Europeia é de 30kg/m2. Se forem cumpridas certas exigências, pode ir para 38 kg/m2
Fonte: Arquivo Pessoal.
Consequências
Em todos os casos de falhas de BEA, animais que não vêm a óbito, crescem em subdesenvolvimento, não atingindo seu potencial zootécnico máximo e por vezes, adoecendo em detrimento a baixa imunidade. Uma vez com baixa imunidade, o animal adquire doenças de importância à saúde animal ou humana.
Outra situação é que em virtude dos casos de arranhaduras de pele podem-se desenvolver patologias inflamatórias, associadas a microrganismos, como é o caso da celulite (Figura 7), que em análise bacteriológica demonstra a presença majoritária da bactéria E. coli.
Figura 7: Presença de placa caseosa subcutânea amarelada, isto é, celulite
Fonte: Arquivo Pessoal
A carne DFD (Dark, Firm, Dry) em frangos também está associada ao estresse físico ou emocional, que causa depleção do glicogênio muscular, interrupção da glicólise post-mortem e consequente elevação do pH final (em torno de 6,05). Esse pH é favorável ao crescimento microbiano.
De acordo com Banwart (1989) existem valores mínimos, máximos e ótimos de pH para multiplicação de alguns microrganismos, tais como:
[table id=20 /]
Levando-se em consideração fatores intrínsecos e extrínsecos dos alimentos para o desenvolvimento microbiano, carnes com condições anormais de pH, como produtos DFD, favorecem o desenvolvimento de microrganismos deteriorantes, diminuindo a vida de prateleira dos alimentos (shelf life), como de microrganismos patogênicos, atentando contra a vida do consumidor.
Conclusão
Respeitar o BEA não é somente uma questão humanitária ou simplesmente para atender à legislação vigente, mas também algo que tange à esfera da Segurança dos Alimentos.
Referências Bibliográficas
BANWART, G.J. Basic Food Microbiology. 2nd ed. Van Nostrand Reinhold New York, p. 371-392, 1989.
FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL–FAWC. Five Freedoms. 1992. Disponível em: https://www.gov.uk/government/groups/farm-animal-welfare-committee-fawc. Acesso em: 03 de outubro de 2016.
OIE. Organização mundial de saúde animal. Código sanitário dos animais terrestres. 2013. Disponível em: http://www.oie.int/international-standard-setting/terrestrial-code/access-online/. Acesso em: 03 de outubro de 2016.
Cíntia Malagutti
Show de matéria. Parabéns!
Humberto V. F. da Cunha
Obrigado Cíntia, abraços.
Ingrid Mengue Klaus
Muito bacana esse ponto de vista das práticas de BEA voltado para Segurança de Alimentos, parabéns.
Humberto V. F. da Cunha
Obrigado pelo feedback Ingrid.
Everton Santos
Muito interessante o assunto, parabéns !
Além dos dois benefícios do BEA (humanitário e sanitário) eu adicionaria o financeiro, visto que perda de carcaça é perda de dinheiro.
Aprendi muito com a postagem !
Humberto V. F. da Cunha
Agradecido pelo seu comentário, o fator financeiro é um agravante. Abraços Everton!
Isabel P Vieira
Humberto, nunca tinha parado para pensar nesses aspectos que você lista em seu artigo. cresci numa chácara e os animais sempre eram tratados com respeito, mas isso acontecia também porque eles faziam parte da rotina da casa. A discussão foi bem pertinente para mim.
Humberto Cunha
Olá Isabel. Obrigado por escrever dando esse feedback. Abraços.