Após sete anos trabalhando na indústria de alimentos de origem animal (frigoríficos e laticínios), tive uma nova oportunidade profissional: Controle de Qualidade em uma indústria de ração ou “alimentação animal para animais de corte”, como o pessoal da área prefere. Confesso que foi desafiador e surpreendente sob dois contextos:
- Minha visão limitada de que apenas profissionais com formação específica (zootecnia, medicina veterinária, nutrição) poderiam atuar nesta área (sou tecnóloga em alimentos);
- A visão da segurança de alimentos sob a ótica do início de tudo dentro da cadeia de alimentos de origem animal.
Essa nova visão realmente mudou minha forma de pensar em segurança de alimentos dentro da indústria de alimentação humana. O leque da análise de perigos dentro do HACCP certamente é o mais impactante. Os perigos ligados à sanidade animal e aos contaminantes químicos relacionados a promotores de crescimento e antibióticos de uso terapêutico via ração ganham uma nova importância no sistema de gerenciamento e qualificação de fornecedores.
Todas as indústrias de produtos destinados à alimentação animal no Brasil são regulamentadas e fiscalizadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Todo estabelecimento que fabrica, fraciona, importa, exporta e comercializa rações, suplementos, premix, núcleos, alimentos para animais de corte e de companhia, ingredientes e aditivos para alimentação animal deve ser registrado no MAPA e atender a toda legislação vigente da área.
As duas principais legislações vigentes para indústrias de alimentação animal são:
- Instrução Normativa n°04/2007, MAPA – Requisitos básicos de Boas Práticas de Fabricação (BPF), a serem implementados a partir de Procedimentos Operacionais com princípios na prevenção da contaminação física, química e biológica dos alimentos produzidos. As BPF devem abranger todas as etapas do processo produtivo, desde a entrada dos ingredientes, estocagem, produção, estocagem de produto acabado e expedição, e considerar pessoas, equipamentos, instalações e edificações. Em 2008, venceu o prazo para implementação das BPF nestas indústrias, independentemente da utilização de medicamentos veterinários por elas.
- Instrução Normativa n°65/2006, MAPA – De implementação obrigatória para indústrias que desejam produzir alimentos para animais com a inclusão de produtos veterinários ao nível terapêutico (antibióticos). Os requisitos da norma exigem diversos controles específicos para produção e as BPF devem estar implementadas. Um procedimento de descontaminação da linha de produção deve ser descrito e validado. A norma só descreve os requisitos genéricos, os detalhes e instruções específicas para controles e validação do processo foram detalhados no Ofício Circular Nº 11/09 CPAA/DFIP/DAS, de 23 de abril de 2009.
Há cinco anos, quando me vi desafiada a implementar e operacionalizar (juntamente com a equipe) estas duas normas em uma indústria de alimentação animal, pude perceber o quanto inúmeros perigos carreados desse processo (bem mais que normalmente consideramos) podem impactar de forma direta a qualidade da matéria prima que chega para indústria de alimentação humana. Costumamos dizer que não existe milagre no processo que possa transformar matéria prima de má qualidade em produto que atenda nossas especificações de qualidade e segurança.
No Brasil, infelizmente, a maioria de nossas indústrias de alimentação animal não possui uma realidade de edificações, equipamentos e layout adequados a atender plenamente os requisitos da IN 04/2007. Em contrapartida, os fiscais agropecuários federais do MAPA vêm desde 2011 realizando um trabalho intensivo junto ao corpo técnico dessas indústrias, colaborando, orientando e fazendo valer as sanções fiscais pertinentes, a fim de mudar essa realidade.
O fato é que, enquanto as indústrias de alimentação humana estão a pleno vapor na implementação e execução de uma infinidade de normas internacionais cada vez mais rígidas, o início da cadeia, o ponto onde tudo começa e onde podemos eliminar ou reduzir a níveis aceitáveis perigos químicos, físicos e biológicos, ainda caminha a passos básicos para atender minimamente requisitos de Boas Práticas de Fabricação. A boa notícia é que este cenário está evoluindo muito, e a conscientização por parte da indústria de alimentação humana da importância dessa etapa dentro da cadeia certamente será fator propulsor para o alinhamento de ambas.
Ingrid Rienik de Oliveira Mengue Klaus
Tecnóloga em Alimentos
Pós graduanda em Gestão da Qualidade e Segurança de Alimentos
ingridmengue@hotmail.com
https://br.linkedin.com/in/ingrid-mengue-897b7864
Créditos de image: Buchi.
Michele Kochem
Olá Ingrid!
Muito interessante sua experiência, também me sinto desafiada por alguns momentos, mas confesso que gosto disso. Parabéns pelo comprometimento e responsabilidade pela qual conduz sua profissão!
Porém, apesar de perceber alguns pontos precários dentro da legislação de sua atividade, eu ainda lamento outras “leis” que são aplicadas a alguns tipos de estabelecimentos alimentícios, principalmente aqueles onde o alimento está pronto para consumo (lanchonetes, restaurantes, “casinhas” de hot dog…). Eu entendo que nesses estabelecimentos a legislação e os órgãos fiscalizadores deveriam ser mais rigorosos, afinal é o último ponto… depois dali não há mais chances de diminuir ou eliminar algum tipo de contaminação.
Eu até entendo que as pessoas precisam sobreviver, muitas vezes é o ganha pão da família inteira, vem de geração em geração, mas tem que ser entendido que manipular alimentos não é brincadeira. Ao mesmo tempo que vemos pessoas sérias e comprometidas, há outras pensando só no lucro e esperando para fazer alguma coisa quando um órgão determinar!
É só uma preocupação…
Ingrid Mengue Klaus
Muito obrigada pelos elogios Michele e pela riqueza do seu ponto de vista, a cadeia de Segurança dos Alimentos é tão grande e complexa, podemos iniciar todos os cuidados possíveis com aplicação das normas legais e internas para garantir o atendimento de especificação de qualidade e segurança de nossos produtos, porém isso tudo cai por terra quando lá na ponta em um dos momentos mais importantes, quando o produto vai ser manipulado/servido/consumido, as normas básicas são deixadas de lado ou mesmo são inexistentes, e realmente a situação se agrava muito principalmente nestes pontos de venda na rua, inclusive saiu um post não faz muito tempo aqui no blog sobre isso. Concordo com você a fiscalização realmente poderia ser mais efetiva e rigorosa, mas creio também que nós como profissionais da área também podemos contribuir de alguma forma, ontem mesmo fui a um food truck de pizza que inaugurou aqui na cidade e ao observar todo o procedimento do pessoal trabalhando, fui lá elogiar o lanche, realmente estava muito gostoso, aproveitei e pedi licença aos donos para dar duas sugestões de melhoria para eles diretamente relacionadas com prevenção de contaminação cruzada, achei que eles não iam gostar muito mas me agradeceram e gostaram muito das idéias, esperamos que realmente executem hehehe!!
Abraços Michele