Fraude é um assunto rico, já foi amplamente discutido aqui no blog, por isto vou trazer a minha vivência como perita e alguns aspectos importantes, merecedores de reflexão.
A fraude do leite foi um momento difícil, de muitos aspectos extremamente favoráveis, causando impacto na sociedade, assustou os envolvidos e demonstrou a seriedade e importância da segurança de alimentos.
Avaliando os laudos analíticos trago neste post alguns questionamentos, o principal é a importância que os profissionais e as instituições que realizam as análises, interpretam e fornecem resultados, possuem numa ação tão complexa como esta.
A maioria dos entrepostos de leite envolvidos não possuía um laboratório para identificação de fraudes compatível com os laboratórios oficiais. Devido ao alto custo de reagentes e equipamentos, usam métodos rápidos mas que atendem aos sistemas de inspeção como: SIF, CISPOA, SIM.
Neste post pretendo apenas mostrar alguns fatos observados tecnicamente nos laudos, não irei me referir a outras provas como escutas telefônicas, estas poderão incriminar ou não os acusados. Irei comentar avaliações realizadas nos laudos apresentados nos inquéritos e fazer considerações pertinentes, sem citar nomes e responsáveis, em busca de trazer uma opinião técnica sobre os resultados obtidos nesta operação e como é fundamental um laudo com tamanha responsabilidade estar claro, não deixar dúvidas e ser representativo.
Situação 01: leite cru refrigerado, quanto tempo a amostra está em boas condições para uma avaliação analítica satisfatória?
Em estudos de armazenamento de leite cru refrigerado observa-se:
Um aumento significativo da proteólise (degradação da proteína do leite), da acidez e das contagens de todas as classes de microrganismos avaliadas. A acidez média para o leite cru armazenado por 7 dias foi de 19,3º D, indicando que esse leite apresentaria problemas de acidez e estabilidade. A contagem total de microrganismos do leite cru, cujo valor máximo permitido pela legislação brasileira é 1.000.000 UFC/mL foi atendida no dia de recebimento do leite cru, entretanto atingiu valores entre 6.100.000 e 180.000.000 UFC/ml após 4 e 7 dias de armazenamento refrigerado, respectivamente.
Nos resultados em laboratórios oficiais, as datas de término de análise são de: 48 horas, 96 horas, 72 horas, 168 horas e 384 horas. Nestes relatórios constam a data do início da análise, a data do término da análise e a data da emissão do laudo.
A temperatura ambiente de um laboratório de análises, segundo a ISO 17025, é de 20 °C (±1°C), logo este vai e vem de amostra do refrigerador para a bancada ocasiona aumento de temperatura, com isto, degradação das proteínas… me pergunto como estaria o estado de conservação desta amostra depois de 384. É possível ainda avaliar ou deveria ter sido desconsiderada? A acidez estava normal, isto é possível? Não, tanto tempo depois a acidez estaria totalmente alterada.
Outro ponto a considerar é que análises microbiológicas não foram realizadas.
Situação 02: Análise de CMP (caseinomacropeptídeo) – análise de adição fraudulenta de soro do leite em leite.
Segundo o guia de recebimento de amostra do Lanagro (Laboratório Nacional Agropecuário e oficial do MAPA) de julho de 2014, as amostras para análise de CMP devem ser congeladas até 48 horas da data de fabricação, considerando o tempo de ordenha, transporte e envio ao laboratório oficial, a amostra precisa estar congelada ou começará a proteólise e com isto o aumento do CMP deste leite. Todas as amostras chegaram sobre refrigeração e foram mantidas em refrigeração, isto é soro de leite adicionado ou proteólise?
Avaliar estes laudos trazem muitos questionamentos. Eu trouxe apenas dois, mas que merecem uma reflexão sobre a responsabilidade acompanhada por estes resultados e suas interpretações. Teríamos mais segurança em afirmar tecnicamente o ocorrido sem estes questionamentos.
Existem outras provas, a investigação irá trazer os esclarecimentos necessários e se identificados culpados, estes serão punidos. Relato meu inconformismo, esta situação necessita transmitir 100% de segurança, porque do contrário, qualquer afirmação pode gerar danos irreparáveis.
Timothy King
Como eu posso entrar em contato com Angela por favor, sobre o assunto de Food Safety?
Ingrid Mengue Klaus
Totalmente correto as suas observações Angela, análises para leite crú refrigerado com objetivo de avaliar qualidade microbiológica e FQ, devem ser procedidas no recebimento o quanto antes devido a rapidez de deterioração caso não seja mantido com rigor temperatura de armazenamento, e isso ainda pode variar muito de acordo com a qualidade (acidez/álcool/crioscopia/CBT) desse leite, o que me surpreende é o seguinte será que os profissionais que conduziram tudo isso não tinham esse conhecimento?