Com a crescente demanda mundial por alimentos e preocupação da sociedade em consumir alimentos seguros, a implementação de sistemas de qualidade que se destinam a promover a qualidade e validade dos dados de testes surge como uma ferramenta poderosa, auxiliando laboratórios e instalações a obterem resultados mais confiáveis.
Os princípios das BPL – Boas Práticas de Laboratório é um sistema de qualidade que abrange o processo organizacional e as condições nas quais estudos não-clínicos de segurança à saúde humana e ao meio ambiente são planejados, desenvolvidos, monitorados, registrados, arquivados e relatados.
São normas e diretrizes cuja aplicação tem um impacto significativo sobre a operação diária de um laboratório, pois não se trata de apenas uma boa prática analítica e sim uma estrutura organizacional específica e procedimentos para execução dos estudos, cujo objetivo não é somente a qualidade destes dados, mas também a integridade destes dados.
Ao verificar uma documentação BPL, identificaremos facilmente:
- Quem realizou o estudo;
- Como este experimento foi conduzido;
- Quais procedimentos foram utilizados;
- Se houve algum problema, como este foi resolvido.
Estima-se que estes requisitos organizacionais e documentações adicionais aumentam os custos operacionais de até 30% em comparação com a operação não BPL. Em contrapartida veremos ao final, que independente de uma obrigatoriedade imposta pelo governo para registro destes produtos, isto pode trazer impactos positivos na qualidade dos estudos e consequentemente na segurança dos alimentos que estamos consumindo.
Possuir o reconhecimento da conformidade aos princípios BPL nada mais é do que confirmar o nível de aderência do “laboratório” para realizar estes estudos BPL que geralmente são exigidos por órgãos regulamentadores para fins de avaliação e registro de produtos como agrotóxicos, seus componentes e afins, aditivos de alimentos e de rações, organismos geneticamente modificados, entre outros como produtos farmacêuticos, cosméticos, preservativo de madeira, produtos veterinários, saneantes e produtos químicos industriais.
No Brasil a unidade da Cgcre, pertencente a divisão de acreditação de Laboratórios – Dicla do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO, é a autoridade Brasileira de Monitoramento da Conformidade aos Princípios das BPL, responsável pela coordenação, gerenciamento e execução das atividades relacionadas ao monitoramento e reconhecimento de instalações de teste segundo os Princípios das BPL, considerando a área de especialidade dos estudos e categorias de itens de teste, segundo metodologias reconhecidas ou exigidas pelos órgãos regulamentadores das áreas de meio ambiente, saúde, agricultura (IBAMA, ANVISA, MAPA), entre outros, conforme estabelecido na NIT-Dicla-055 – Elaboração do Escopo BPL e da Relação detalhada dos Estudos Conduzidos pela Instalação de Teste.
Em março de 2011, o Brasil aderiu ao sistema da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD – Organization for Economic Cooperation and Development) para a aceitação mútua de dados (Mutual Acceptance of Data – MAD) na avaliação dos produtos químicos, assegurando que os seus dados de segurança não clínicos relacionados com a proteção da saúde humana e do ambiente seria aceito por todos os 40 países aderidos ao MAD. O sistema MAD – um acordo multilateral – permite aos países participantes compartilhar os resultados de vários testes. Esta colaboração eliminou barreiras técnicas, diminuiu a duplicação de testes e reduziu custos em torno de 150 milhões de euros por ano, segundo notícia publicada no site oficial da OECD em fevereiro de 2015. Inicialmente o escopo do programa de aceitação mútua no Brasil limitou-se a dados de saúde, segurança e meio ambiente de estudos não clínicos desenvolvidos no Brasil sobre pesticidas, biocidas e produtos químicos industriais, porém recentemente está sendo expandida para incluir produtos veterinários, aditivos alimentares, cosméticos, produtos farmacêuticos, desinfetantes, produtos de conservação da madeira, tratamentos de efluentes e os ecossistemas naturais.
Importante ressaltar que o conceito de “laboratórios”, segundo os Princípios das BPL, abrange instalações de teste (unidade principal que pode ser laboratórios, instalações de campo, estufas) e unidades de teste (unidade onde uma ou mais fase de um estudo é realizado podendo ser laboratório, instalações de campo, estufas), segundo definições explicitadas na NIT-DICLA-035 – Princípios das Boas Práticas de Laboratório, versão brasileira da publicação Number 1 – OECD PRINCIPLES ON GOOD LABORATORY PRACTICE (as revised in 1997) – Paris 1998.
Esta Norma estabelece os requisitos a serem utilizados pelas instalações de teste adotados pela Cgcre para o reconhecimento da conformidade destas instalações aos Princípios das Boas Práticas de Laboratório – BPL e aplica-se à Cgcre, aos inspetores e especialistas e às instalações de teste que possuem ou pretendem obter o reconhecimento da conformidade aos Princípios das Boas Práticas de Laboratório – BPL. A seguir um resumo dos principais requisitos de um estudo BPL e suas normas complementares:
Principais requisitos:
- As responsabilidades devem ser claras e definidas no estudo para o patrocinador, pessoal e unidade da garantia da qualidade;
- Todo o trabalho de rotina deve seguir procedimentos operacionais padrão escritos;
- As Instalações, como por exemplo laboratórios, devem estar estruturadas de modo a assegurar a integridade de um estudo e evitar a contaminação cruzada;
- Todos os insumos, reagentes e solventes devem possuir a qualidade adequada e os equipamentos e instrumentos devem ser calibrados e bem conservados;
- As pessoas devem ser treinadas e qualificadas para o trabalho;
- Os dados devem ser gerados, processados e arquivados de modo a garantir sua integridade.
Normas complementares:
NIT Dicla-034 : Aplicação dos Princípios de BPL aos Estudos de Campo
NIT Dicla-036: Papel e Responsabilidade do Diretor de Estudo em Estudos BPL
NIT Dicla-037: Aplicação dos Princípios de BPL a Estudos de Curta Duração
NIT Dicla-038: Aplicação dos Princípios BPL aos Sistemas Informatizados
NIT Dicla-039: O Papel e Responsabilidades do Patrocinador na Aplicação dos Princípios BPL
NIT Dicla-040: Fornecedores e BPL
NIT Dicla-041: Garantia da Qualidade e BPL
NIT Dicla-043: Aplicação dos Princípios de BPL a Organização e ao Gerenciamento de Estudos em Múltiplas Localidades (Multi-Site)
Dentre as vantagens da obtenção do reconhecimento da conformidade aos Princípios das BPL, podemos citar a rastreabilidade total, possibilitando a reprodução dos estudos após sua conclusão; a redução do número de vistorias oficiais e contestações de resultados, gerando maior credibilidade do estudo em questão; além de indiretamente assegurar a competência técnica do pessoal, que precisa estar devidamente treinado e apto para exercer seu papel dentro do estudo. O reconhecimento pode inclusive ser utilizado como uma estratégia de ampliação de mercado, devido a aceitação internacional de estudos ou até mesmo uma ferramenta de marketing através da divulgação de um serviço reconhecido.
Atualmente hoje no Brasil existem apenas 37 instalações reconhecidas dentro do escopo BPL, sendo a maioria localizadas no estado de São Paulo que provavelmente conduzem estudos para fins de registro. Espero que este post ajude empresas, profissionais e instituições a conhecerem um pouco mais deste sistema de qualidade e talvez pensar em novas oportunidade de negócios.
Para quem deseja obter mais detalhes sobre a BPL, o Inmetro disponibiliza informações detalhadas para a obtenção do reconhecimento da Conformidade aos Princípios das BPL, assim como a lista de instalações de teste reconhecidas e respectivos escopos, documentos normativos, formulários gerais, etc.
Figura: exemplo de símbolo de reconhecimento da conformidade aos princípios das boas práticas de laboratório conforme descrito na NIE-CGCRE-041 – Uso da marca, do símbolo e de referências ao reconhecimento da conformidade aos princípios das boas práticas de laboratório – BPL.
Muitas vezes este termo é confundido com Boas Práticas Laboratoriais, que visa reunir normas de segurança e atitudes com o objetivo de prevenir incidentes ou acidentes nos laboratórios, considerados muitas vezes ambientes que apresentam alta periculosidade.
Autora: Roberta Leite. Química especialista em Fitossanidade pelo Instituto Agronômico de Campinas.
Créditos de imagem: Brasil 247.