Eu costumo dizer aos que trabalham comigo que as anomalias de Qualidade são indícios do que vem por aí – elas não falam apenas de aspectos de Qualidade, mas também vão comprometer a entrega, a segurança e o custo. Quando estas anomalias não são tratadas, e se empilham umas sobre as outras em listas de pendência sem fim, elas estão falando muito fortemente sobre a moral dos colaboradores e líderes.
Em um caso que acompanhei, houve 4 não-conformidades de cliente seguidas, relacionadas a processos realizados em uma mesma área. Algo raro, não? Num processo bem estruturado, em caso de falha a ser percebida pelo cliente, teríamos certa aleatoriedade nas áreas geradoras. A situação apontou para um grave descontrole do processo em questão.
Olhando o caso mais de perto, quais foram as percepções da equipe que investigou o assunto:
- Os colaboradores do setor estavam alienados de suas atividades: não sabiam o motivo de terem mudado alguns processos (que tinham sido exigências específicas de clientes);
- Os colaboradores desconheciam que os clientes tivessem requerimentos sobre as suas atividades. Por exemplo, nem imaginavam que a empresa recebesse não-conformidades de clientes (a pergunta foi: recebemos alguma no ano passado?)!
- Para os colaboradores da área, a liderança estava preocupada apenas com a entrega. Quem se preocupava com a Qualidade era o setor de Qualidade. Eles sentiam que nunca haviam sido cobrados pela sua própria liderança por uma entrega com Qualidade.
- Se não bastassem os três indícios acima de que a liderança do setor não estava conseguindo comunicar-se com seus liderados, a evidência mais clara: eles estavam sozinhos. Mesmo chamando a liderança, esta raramente comparecia ao setor e não comunicava claramente os objetivos da empresa e as mudanças a serem implementadas.
É muito claro que as 4 não-conformidades eram a ponta do iceberg. Num setor com moral tão abalada, qualquer tópico de Qualidade (padronização, segurança de alimentos, produtividade, food defese) não encontrava eco. O trabalho para reverter esta situação foi muito mais focado no fortalecimento da equipe do que em treinamento ou melhoria dos processos em si. A melhor notícia: a maior parte das pessoas tem uma inclinação natural à conformidade (nem todas). Uma vez clareado para que rumo a empresa estava seguindo, a contribuição espontânea para a melhoria apareceu.
Qual a lição aprendida?
- As empresas e lideranças precisam investir tempo e dinheiro em comunicação com suas equipes. Mudanças, requerimentos, não-conformidades: não há limite para o que se deve comunicar.
- Deve haver um balanço razoável de liderados por líder, considerando lay-out, número de funcionários, complexidade do processo.
- A liderança deve entender que a Qualidade é de sua responsabilidade, e não do setor chamado Qualidade.
- Esta mesma liderança deve dar as mãos com o setor de Qualidade e entender que as anomalias são a sua ferramenta de trabalho para alcance da excelência (e da noite de sono bem dormida também).
E você? Tem um caso que demonstre bem como a cultura de uma empresa afeta seus resultados? Conte aí para nós nos comentários!
O tema de Cultura de Qualidade e Segurança de Alimentos é um dos que recebe mais atenção recentemente, pelo entendimento que apenas planejar e treinar não estão sendo suficientes para atingir os resultados necessários. Quem quiser ler mais a respeito, encontra boas reflexões aqui:
- O livro do Frank Yiannas (Vice-Presidente de Segurança de Alimentos do Walmart Corporativo), Food Safety Culture, com uma linguagem bem simples e abordagem comportamental sobre o assunto. Também disponível em português.
- White paper sobre cultura de segurança de alimentos
- Cultura de Certificação versus Cultura da Qualidade
- Cultura Food Safety – Caminhos e Desafios da Liderança
- Painel – Cultura de Segurança de Alimentos parte 1
- Painel – Cultura de Segurança de Alimentos parte 2
- Como tornar os procedimentos de food safety sólidos no chão de fábrica?