Quem deveria apresentar os indicadores de Qualidade e Segurança do Trabalho?

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Recentemente tive o prazer de assistir a uma palestra com o Miguel Castro, consultor para gerenciamento de riscos da Farol T&G, na qual ele convocou as lideranças presentes a assumir o seu papel na gestão dos riscos associados ao trabalho. No mesmo momento, eu estava assumindo as áreas de Garantia e Controle de Qualidade da minha unidade, e deparando-me com situações razoavelmente próximas às descritas pelo Miguel na palestra.

Qual o papel da Qualidade e da Segurança do Trabalho em uma empresa? São setores importantes, muitos diriam, e tem head count, budget, capex e todos os demais jargões do mundo corporativo, o que demonstra que estão plenamente incorporadas à cultura organizacional. Uma empresa não vive hoje sem um setor de Qualidade para chamar de seu – neste caso, por uma pressão de mercado, normalmente – e uma área de Segurança do Trabalho, nem que seja meramente por atendimento de legislação. Muitos de nós não estávamos presentes quando estas áreas foram criadas, já entramos no barco com estes remadores ao nosso lado. Talvez seja este o motivo para que tantas organizações esperem destas áreas de apoio resultados incoerentes. Não conhecíamos a organização antes da existência do Controle de Qualidade, antes do Técnico de Segurança do Trabalho ser uma posição interna, antes do Sistema de Gestão da Qualidade ser implementado, com todos os seus procedimentos e registros. Tudo isso aconteceu há muito anos, e a memória de como a organização estava para decidir pela criação das áreas se perdeu.

Redução do número de acidentes por ano? Maior conformidade nas liberações de produtos? São esses mesmo os indicadores das áreas de Qualidade e Segurança do Trabalho? Eu penso que não.

Apesar de tratarem de temas diferentes, há muita similaridade no modus operandis destas áreas. Ambas estão intimamente ligadas ao atendimento de aspectos regulatórios e de mercado, à prevenção de falhas, ao planejamento para melhor resultado, e às rotinas de verificação de processos e condutas. Vejam que não consta nesta lista de similaridades a execução das tarefas – e aí vamos chegar mais tarde.

O quesito atendimento de aspectos regulatórios e de mercado talvez seja o mais comumente ligado às duas áreas. Faz parte das atribuições manter o radar ligado para as alterações do ambiente e continuamente orientar a organização para o atendimento destes requisitos. Lembro que os requisitos regulatórios não são opcionais, apesar do que a cultura brasileira muitas vezes impõe (isto está embutido na frase: “será que esta lei vai pegar?”. Se é lei, já pegou). E os aspectos de mercado? Também não são, visto que se a organização almeja se manter competitiva e ganhar mercado, precisa entender o que o mercado quer, e como isto muda. Ou seja: é competências destas áreas “ler” o ambiente externo e traduzir isso em processos e condutas que sejam aplicáveis à empresa. Ambas estão intimamente ligadas à continuidade da empresa (afinal, empresa que não atende à lei e ao mercado, fecha).

Outro ponto de similaridade é a prevenção de falhas. Se pensarmos sobre a razão de ser destas duas áreas, talvez esta seja a central. Façamos um exercício de imaginar nossa organização sem uma área de Qualidade. As matérias-primas são compradas de qualquer empresa, em qualquer especificação e recebidas sem qualquer controle. Não há processos, apenas sabemos que se quer produzir hoje 10 toneladas do produto A, mas cada operador o produz de uma forma única. No final, geramos qualquer quantidade do produto A, mais outra do produto B acidentalmente produzido. O produto vai para o mercado, e o cliente não sabe o que irá receber: portanto terá que fazer uma inspeção na sua entrada, o que encarece o seu custo e reduz o preço de venda do nosso produto. Um dia, alguém tem a ideia genial de começar a padronizar as coisas: nascia a Qualidade. Vejam como a Qualidade é um redutor de falhas, principalmente relacionadas ao produto e processo. Da mesma forma, podemos ter o exercício realizado com uma empresa sem Segurança do Trabalho, apenas substituindo produto por pessoa. A Segurança do Trabalho também é um redutor de falhas, principalmente relacionadas a pessoas e processos. Ambas as áreas eliminam as falhas? Não, porque ambas precisam de um terceiro elo – a execução.

A redução das falhas se dá pelo planejamento para o melhor resultado, que é o que mantém ambas as áreas atuantes nas empresas após a sua criação. Depois de reduzir o número e frequência de falhas, as áreas de Qualidade e de Segurança do Trabalho se mantêm viáveis se continuamente colaborarem com a melhoria do desempenho de indicadores das demais áreas. Ou seja: Qualidade e Segurança do Trabalho podem ter um papel fundamental em garantir a sustentabilidade da organização, se entenderem que seu papel é muito mais planejar e colaborar do que fiscalizar e punir. Ambas as áreas estão em uma posição confortável para estabelecer os melhores métodos para atingir determinado objetivo: o que está na essência do planejamento. Organizações de alto desempenho fazem certo da primeira vez – o que nos leva a pensar que o número de retrabalhos, não-conformidades, injúrias, acidentes, ações trabalhistas está relacionado à uma baixa performance operacional, e diretamente ligado à última linha. Qualidade e Segurança do Trabalho, então, se mantêm vivas e atuantes na organização quando compreendem que seu papel, por fim, é conduzi-la a melhores resultados.

E sim, apesar da birra que isso gera nos demais setores, é comum às duas áreas as rotinas de verificação de processos e condutas. Porque de nada adianta planejar para o melhor resultado, buscando a redução do número de falhar e o atendimento à legislação e mercado, quando a execução não acontece. Tanto Qualidade quando Segurança do Trabalho compartilham a responsabilidade de verificar que o planejado se cumpra – e reconduzir os processos que apresentam desvios. E aí chegamos ao ponto sobre os indicadores de desempenho.

Precisamos de uma mudança de paradigma. Qualidade e Segurança de Trabalho não seriam chamadas de áreas de apoio caso fossem áreas de execução. Todo o planejamento destas áreas somente vira execução nas mãos das áreas produtivas, onde esta produção estiver acontecendo: na Produção, na Manutenção, em Vendas, na Pesquisa e Desenvolvimento, no Refeitório, na Contabilidade, no RH. Ou seja: Qualidade e Segurança do Trabalho viram prática no dia-a-dia da fábrica, na seleção de novos colaboradores, na condução dos projetos de vendas, no planejamento de novos produtos, no cozimento do arroz. É nestas tarefas que medimos o impacto da condução de Qualidade e Segurança do Trabalho – e, em uma organização de alto desempenho, que faz certo da primeira vez, a responsabilidade por atender ao planejamento para o melhor resultado é do Gestor da área. Portanto, quem garante a Qualidade e a Segurança do Trabalho, no frigir dos ovos, é quem executa a tarefa, e não quem a verifica.

Agora, façamos uma reflexão sobre a nossa organização. Nas reuniões de gestão, nos diversos níveis, quem apresenta os indicadores de “número de acidentes por ano” e “conformidade de produtos”? A Segurança do Trabalho e a Qualidade, na maioria das vezes, não? Mas quem são os reais responsáveis por reduzir o número de acidentes e aumentar a conformidade dos produtos? A quem compete entregar produtos dentro do padrão: à Qualidade, ou à Produção? Os gestores de cada área devem ser responsáveis pela entrega de seus resultados diretos e também daqueles derivados do planejamento de Qualidade e Segurança do Trabalho. Porque, afinal de contas, resultados diretos são fotografias da situação atual e, muitas vezes, resultados de Qualidade e Segurança do Trabalho são indícios da operação futura.

Explico: hoje a Produção entrega 92% do OEE, acompanhada por um índice de conformidade de produto de apenas 70% e um número de acidentes por trabalhador em ascensão. A situação atual pode indicar alta produtividade, mas a que custo? E o que os indicadores de Qualidade e Segurança do Trabalho apontam sobre a produtividade futura? Certamente, um ambiente em que o nível de conformidade é baixo e acidentes são frequentes reduz a energia da equipe, o que não é campo fértil para manutenção de produtividade. Hoje, Qualidade e Segurança estão apontando que o futuro não será tão promissor.

Fica então a dica a todos os gestores: sentem-se à mesa com a Qualidade e a Segurança do Trabalho. Tracem juntos os planos, aprendem juntos como colocar na prática o que está no papel. No final das contas, a responsabilidade é sua mesmo.

One thought on

Quem deveria apresentar os indicadores de Qualidade e Segurança do Trabalho?

  • Juliana Levorato

    Infelizmente em algumas empresas Qualidade e Segurança são vistos como departamentos que só estão lá para atrapalhar e dificultar.

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