Entre 2011 e 2012, ocorreu um dos surtos mais graves já registrados nos EUA, envolvendo melões cantalupe contaminados com Listeria monocytogenes e que levou 33 pessoas à morte e pelo menos 145 ficaram doentes. Já comentamos sobre isso neste post: http://artywebdesigner.com.br/produtores-de-melao-processam-o-auditor-que-os-aprovou-com-nota-superior/
Muitos de vocês devem estar perguntando que fim levou o caso. A empresa que produziu os melões contaminados, a Jensen Farms, era certificada em segurança de alimentos, num esquema chamado Primus, que hoje é reconhecido pelo GFSI como sendo um esquema aprovado para a agricultura e processamento de produtos perecíveis de origem vegetal, entre outras categorias. A auditoria ocorreu em 25/07/2011, e a Jensen obteve uma nota de 96%, considerado um ranking de desempenho superior. Como uma empresa que foi aprovada com tal graduação pode ter liberado produtos “mortais” no mercado?
O próprio advogado que representa o proprietário do esquema Primus concorda que esta nota parece improvável, porque “todo mundo conhece a realidade da agricultura e da indústria alimentícia, e 96% de resultado não é exatamente muito condizente”.
As vítimas processaram a Jensen, como é óbvio, e desta vez, a Primus e o auditor que participou da certificação não escaparão das consequências. É comum usar como defesa o argumento de que a auditoria é amostral e que os auditores não podem ser corresponsáveis, mas durante a investigação pelo FDA, não conformidades graves foram levantadas nas instalações da Jensen, entre elas: condensação e gotejamento nas câmaras frigoríficas; drenagem insuficiente na área produtiva, com acúmulo de água e resíduos próximo aos equipamentos de processo; projeto sanitário inadequado, com equipamentos difíceis de serem higienizados e que não atendiam minimamente aos critérios determinados pelo FDA; e a água usada para a lavagem dos melões não era tratada, ou seja, não era clorada ou não passava por nenhum outro método para garantir a qualidade microbiana. O FDA considerou crítica a ausência do tratamento antimicrobiano da água. Segundo um dos especialistas do órgão, era de se esperar que qualquer auditor checasse a questão da potabilidade da água, absolutamente essencial para a higienização das frutas, e que considerasse a auditoria encerrada e a certificação não recomendada, caso encontrasse algum desvio neste ponto. As regras de segurança de alimentos estabelecidas nos códigos do FDA não foram respeitadas pela Jensen.
O fato de que as condições da empresa eram claramente inadequadas e que requisitos legais relevantes não eram cumpridos é que foi o fator crucial para que o auditor fosse arrolado no processo contra a Jensen. O auditor chegou a apontar não conformidades, mas pontos fundamentais foram deixados de lado. A Jensen deveria ter sido reprovada na auditoria. Até então, nos EUA, nenhum auditor tinha sido processado ou envolvido nos casos de surtos. O caso ainda não está totalmente encerrado.
Tudo isso abalou a fé nos esquemas de certificação de terceira parte. O presidente de um dos maiores laboratórios de segurança de alimentos dos EUA lançou um comentário bastante polêmico sobre o caso: “Até que ponto podemos confiar em certificações privadas e em auditores de segurança de alimentos, se a própria empresa escolhe a certificadora, a data da auditoria e ainda paga pela sua inspeção e certificação?”. Certificações são muito positivas, mas não são a resolução de todos os problemas e nem a garantia absoluta de segurança dos alimentos. Talvez este caso sirva de lição para que as certificadoras sejam ainda mais rigorosas, e os auditores sejam melhor selecionados e preparados para enfrentar esta responsabilidade. A fiscalização por parte do governo também deveria ser muito mais ampla e aprofundada. Pelo menos aqui no Brasil, infelizmente, vemos com certa frequência empresas que possuem o alvará sanitário em dia, mas que não cumprem minimamente os requisitos legais determinados pela ANVISA, e às vezes nunca nem sequer foram inspecionadas. O que você, leitor, pensa disto tudo?