Qual é realmente a validade de um alimento?

3 min leitura

Recentemente, um site britânico noticiou uma história de amor (aqui) em que um soldado chinês durante visita para a esposa, que só via uma vez por ano, preparou e congelou refeições suficientes para ela jantar durante os doze meses de sua ausência, tendo por objetivo facilitar a vida da amada, sempre atribulada com o trabalho.

Coincidentemente, algumas semanas antes, o site “Food Safety News” havia publicado um artigo intitulado “When Does Food Expire?” debatendo a existência de alimentos que perduram por muitos anos quando estocados sob condições específicas (produzidos e estocados por pessoas que convivem com a iminente ideia de que pode haver uma crise ou qualquer desastre natural que as impeçam de adquirir alimentos frescos).

O mesmo artigo acima referiu-se a uma pesquisa realizada pela NSF International (USA) que concluiu que 36% das pessoas descartam produtos antes destes se tornarem potencialmente inseguros e outros 27% descartam muito além do prazo de validade. Essa equação é duplamente perigosa, já que envolve desperdício de alimentos de um lado e risco de toxinfecções alimentares de outro. Essa abordagem questiona quão funcional tem sido a rotulagem dos produtos, já que os dados demonstram que, na prática, a população americana está confusa.

Em 2012, em meio à crise econômica, a Grécia autorizou a comercialização de produtos vencidos com preço menor sob a alegação de que tal prática já era comum na Europa, conforme publicamos aqui no blog.

Pensando nessas notícias, será que estamos rotulando adequadamente nossos produtos em relação ao prazo de validade? Ou estamos sendo precavidos demais e gerando excessivo desperdício de alimentos? Quando realmente um alimento vence?

A legislação dos Estados Unidos não obriga as empresas a rotular o prazo de validade, com exceção de fórmulas infantis (há algumas regras estaduais, mas não nacional). Apesar disso, a maior parte das empresas rotula por requisito do consumidor, usando as seguintes nomenclaturas:

Sell by: data de referência para venda do item.

Use by: data relacionada à segurança do alimento, onde o consumo posterior pode ocasionar toxinfecções alimentares, por exemplo.

Best by, Best if used by, Best before: relacionada com a qualidade sensorial do produto, onde o consumo posterior não significa risco à segurança do consumidor, somente perda do frescor do produto.

No Brasil, a legislação (RDC 259/2002) obriga e estabelece critérios para a rotulagem de prazos de validade (exceções citadas no item 6.6.1, f), porém não são consideradas as diferenças entre validade sensorial e validade por critérios de segurança do alimento.

Normalmente, o prazo de validade é estimado ao longo do desenvolvimento do produto (já falamos sobre isso no blog, aqui), mas nem sempre há tempo suficiente para a conclusão dos estudos acelerados e, verdade seja dita, nem toda empresa de pequeno e médio portes tem equipe capacitada, equipamento ou orçamento disponíveis para esse tipo de estudo.

As equipes de P&D tem o desafio de garantir a qualidade sensorial e a segurança do alimento, buscando também maior tempo e competitividade para a distribuição do produto e ainda tendo que atender a consumidores de Norte a Sul do país, considerando climas totalmente diferentes (Nordeste com clima quente e úmido, Sul com clima frio e seco, por exemplo). Difícil, não?

Na prática, o que se observa é que os produtos similares possuem prazos de validade semelhantes, mesmo sendo produzidos por diferentes empresas. E sendo um produto inovador, normalmente o prazo de validade inicial é mais conservador e, ao longo do acompanhamento das características sensoriais, físico-químicas e microbiológicas do produto o prazo é corrigido e, quase sempre, ampliado.

No Brasil, vender um produto fora do prazo de validade é ilegal e, tendo a validade expirado, o produto é considerado impróprio para o consumo e descartado. Será que nosso modelo de legislação funciona melhor que o americano? Vale a reflexão!

Quantos milhões de reais devem ser perdidos por desperdício de produtos que, embora não estejam com o frescor inicial, estão aptos para o consumo do ponto de vista da segurança do alimento? E você, o que pensa sobre isso? Para você, quando um alimento realmente vence?

19 thoughts on

Qual é realmente a validade de um alimento?

  • Camila Miret

    Oi, Graziela, texto ótimo e bem agradável de ler! Faz mesmo a gente pensar na verdadeira “função” da informação da data de validade nos produtos. O ideal é tentar achar um equilíbrio entre segurança de alimentos e qualidade percebida.
    Abraço!

    • Maciella santos

      Essa questão das validades é realmente um dilema.

      O que dirá os alimentos fracionados…. Há varios grupos de alimentos que a legislação brasileira e nem o fornecedor informa. Questão complicada….
      Parabéns pelo post! Adorei

    • Graziela Junqueira

      Obrigada, Camila.
      Que bom que gostou! Também admiro seus posts.
      O equilíbrio sempre é a solução, mas encontrá-lo demanda estudo e tempo. Estabelecer validade é sempre difícil, pois depende da interação com o ambiente, variável quase sempre fora do nosso controle, e ainda as embalagens e muito mais.
      Desafiador e, por isso, sempre gostoso de fazer, não é?

      • Graziela Junqueira

        Verdade, Maciella!
        A validade dos produtos fracionados é uma incógnita. Difícil confiar!

  • Ana Caroline

    Excelente o post. Podemos observar melhorias na nossa legislação. Porém por outro lado consumidores desperdiçam grande quantidade de alimentos, após vencimento. Deveríamos buscar solução alternativa, visando o desperdício de alimentos.

  • Leles Alves Ferreira

    Parabéns, pelo trabalho, Graziela.

  • igor

    Então produtos com best by no rótulo podem ser ingeridos sem receio?

    • Graziela Junqueira

      Olá Igor,
      O BEST BY é indicativo de qualidade sensorial, frescor do produto. Como nos EUA não há regulamentação nacional para a menção da validade, as indústrias optam por indicar até quando o alimento estará em sua melhor condição sensorial para atender à expectativa do consumidor. O BEST BY não indica produto potencialmente inseguro. A partir da data expirada, o produto passa a ser como qualquer outro do mercado: sem indicação de quando há a perda da segurança do alimento sob o aspecto microbiológico, por exemplo.

      Sendo assim, a partir dessa data, o consumo é uma decisão do consumidor.

      Na pesquisa indicada no artigo, há a menção de que 27% dos consumidores descartam o alimento muito após o prazo de validade expirado (não indicado no pacote). Então, dizer que o consumo pode ser sem receio é um pouco extremista demais, não é mesmo?
      Obrigada por comentar,
      Graziela.

  • Laércio

    Muito bom o post, gostaria de saber se caso algum alimento expire sua data de validade é possível que a mesma seja estendida mediante laudo emitido por profissional habilitado na área, existe ou já existiu no Brasil alguma legislação neste sentido. Caso não seja possível, qual legislação proíbe isso? Obrigado

    • Graziela Junqueira

      Laércio,
      Essa questão de revalidação não é muito clara para mim também. Já ouvi histórias de empresas que revalidam ingredientes, já vivi também experiências de outras empresas que negam pela legislação proibir. Eu acho que o tema é tão complexo que merece um post à parte, não acha?
      Vou me envolver um pouco mais neste assunto para escrever com mais embasamento.
      Se você acompanha o blog, logo vai notar o post no ar, ok?
      Obrigada pela ideia,
      Graziela.

  • Kamilla

    Olá,
    Estou fazendo um trabalho sobre Shelf Life e precisaria saber os calculos estatisticos mais usados para saber a validade de produtos como Muffins
    Agradeço desde já

    • Graziela Junqueira

      Olá Kamilla,
      Sugiro que busque informações no livro “Shelf Life Evaluation of Foods” (Edited by C.M.D. Man e A.A.Jones, Aspen Publication). Tem um capítulo que fala especificamente sobre bolos. É possível que você encontre informações valiosas para o seu trabalho.
      Att,
      Graziela.

  • Emilson Ismael Netto

    Olá Graziela, fugindo um pouco do tema, estou buscando na legislação resposta para: Empresas do ramo alimentício tem a obrigatoriedade de ter um Resp. Técnico? Depende do porte/número de funcionários? Pode ser Químico?

  • Juliana

    Olá Graziela.
    Minha dúvida é: no caso de alimentos que ficam armazenados por um período em silos (EXEMP. MALTE OU FARINHA), a data de validade passa a ser a data que o alimento é embalado?. Muitas vezes são armazenados produtos de lotes diferentes, nesse caso qual a data que prevalece?

  • Mariano

    Alimentos armazenados em longos períodos em armazéns que posteriormente irão ser embalados…. ex : farinhas

  • Mariano

    Como deve ser a ordem para prazo de validade e fabricação para os Estados Unidos e Europa

    Ex : fab: dia/mês/ano ou fab : mês/dia/ano
    Venc: dia/mês/ano. Ou fab: dia/mês/ano ???

  • Anna Caroline

    No caso quando a produção é artesanal (em casa), qual legislação eu posso me basear para decidir o prazo de validade?

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