Nada menos do que 42% dos canadenses maneiraram o consumo de carne por estarem preocupados com os surtos de E.coli O157, bactéria produtora de toxina shiga. Esta toxina pode levar à síndrome hemolítica urêmica, uma doença que pode vir a causar falhas renais e tornar as pessoas dependente de hemodiálise para sobreviver, além de poder causar morte em certos casos. Mas não só esta bactéria é motivo de apreensão: nos EUA, o surto com maior número de mortes dos últimos 90 anos foi causado por Listeria monocytogenes que em 2011, ceifou 29 vidas e causou um aborto.
Como os dados epidemiológicos de doenças causadas por alimentos no Brazil não apontam correlação com estes patógenos e o consumo de algum alimento, convidamos a professora e pesquisadora Maria Teresa Destro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, para nos conceder esta entrevista e esclarecer se devemos ou não nos preocupar com esses micro-organismos tão importantes em outros países.
Afinal, nós temos presença de L. monocytogenes no Brasil? Nossos alimentos são contaminados com eles?
Listeria monocytogenes é um patógeno muito comum, tanto no Brasil como nos demais países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Por ser um microrganismos de origem animal (zoonose), mas que resiste muito bem às condições ambientais, é muito fácil encontrarmos Listeria nos mais diversos tipos de amostras: solo, plantas forrageiras, esterco, água não tratada, resíduos de indústrias alimentícias, animais silvestres, ambiente de indústria de alimentos. Por essa razão é muito fácil encontrar esse microrganismo em alimentos, mas deve-se levar em consideração que a simples presença de Listeria monocytogenes em um alimento não significa risco ao consumidor! Isso porque nos alimentos in natura que ainda passarão por algum processamento térmico (p. ex. pasteurização, cocção) o microrganismo será destruído e não virá a ocasionar problemas à saúde. Já em alimentos prontos para o consumo, que têm vida útil longa e permitem a multiplicação desse patógeno o risco, para a população suscetível, existe.
Quem é a população suscetível à listeriose?
São os indivíduos idosos, os imunocomprometidos, as crianças menores de 5 anos e as mulheres grávidas.
Existem casos de listeriose no Brasil?
Infelizmente no nosso país são escassos os dados sobre ocorrência de listeriose e, nos poucos que existem, não foi avaliada a relação com o consumo de alimentos. Creio que a doença deva ocorrer em nosso país, mas que não seja identificada, já que uma grande variedade de alimentos, prontos para o consumo, daqui apresentam esse microrganismo.
Os pesquisadores brasileiros encontraram Listeria monocytogenes em quais alimentos prontos?
Estudos feitos em nossos laboratórios, e também em outros do país, indicaram a presença de L. monocytogenes em diversos produtos prontos para o consumo: embutidos cárneos cozidos, como presunto, salsichas comercializadas a granel, apresuntado, mortadela, etc; em queijos como o minas frescal, coalho, colonial; produtos a base de pescados; vegetais minimamente processados, dentre outros. Mas é importante ressaltar que a listeriose acomete somente uma pequena parcela da população e que, como ainda não se conhece a dose infecciosa (ou seja, quanto da bactéria tem que ser ingerida para causar a doença) não se pode simplesmente condenar um alimento devido a sua presença. Há necessidade de avaliações mais criteriosas para se definir se aquele alimento representa risco para a disseminação da doença.
É importante também dizer que, muitas vezes, a contaminação dos produtos se dá na etapa de comercialização, com p. ex. fatiadores de frios; bandejas de acondicionamento de produtos.
Falando sobre outro patógenos de muita repercussão lá fora, os produtores de toxina-shiga, como algumas cepas de E.coli. Estes patógenos fazem parte da microbiota brasileira?
Sim, temos E. coli produtoras de toxina de shiga em nosso meio, mas os estudos que têm sido feitos em nosso país indicam que as que são mais frequentes por aqui raramente (pois nunca em microbiologia não existe!) foram associadas a doenças transmitidas por alimentos. Trabalhos realizados em nossos laboratórios mostram que em carnes bovinas brasileiras (carcaças ou carne moída adquirida nas diversas regiões da cidade de SP) a frequencia de E. coli produtora de toxina de shiga pertencente ao grupo das “Big 6”, que atormenta os americanos, é baixa. Por exemplo: no estudo com carne moída, de +280 amostras avaliadas somente em 1 (0,4%) se detectou uma das Big 6.
Devemos tomar algum cuidado?
O problema de contaminação das carnes, por qualquer patógeno, está ligado principalmente com as carnes moídas. Nos cortes de carne, obtidos de animais sadios, a contaminação está restrita às superfícies; com a moagem essa eventual contaminação superficial é disseminada por toda a massa gerada havendo uma homogeneização da contaminação. Some-se a isso os problemas que possam existir com a higienização dos moedores (ou falta dela!), onde pode ocorrer acúmulo de produto e, portanto, multiplicação de microrganismos. Isso sem contar com as possíveis falhas na cadeia de frio.
Por essa razão, produtos preparados com carnes moídas (p. ex. hamburguer) devem sempre ser consumidos bem-passados. Já aquela picanha, ou outro corte que tradicionalmente é servido em pedaços inteiros, não apresenta o mesmo grau de risco (risco zero não existe!).
Para terminar, gostaria de lembrar que higiene nunca saiu de moda e deve estar sempre presente quando o assunto é manipulação de alimentos, seja nas indústrias, no comércio, em restaurantes industriais ou em casa. Afinal, todos nós somos sempre consumidores de alimentos.
Referências da introdução:
CDC: Deadly Listeria Outbreak Halted in Record Time