Ei, você que trabalha com food safety, é você mesmo! Você sabe interpretar os laudos de análises microbiológicas? A gente manda uma amostra para o laboratório e quando chega o resultado vem a dúvida: como interpretar esse resultado? O que isso quer dizer de fato? Ou você é daqueles que recebe o laudo, arquiva e vida que segue?
Se você sabe interpretar, mas de vez em quando bate uma insegurança ou ainda, se você tem dúvidas em alguns pontos, esse post é para você. Venha comigo conferir essas dicas.
Os ensaios microbiológicos podem ser utilizados para verificar e validar se os PCC estão bem definidos e se permanecem efetivamente sob controle.
As análises microbiológicas constituem uma importante ferramenta adotada na gestão da qualidade e segurança dos alimentos, podendo ser utilizadas, com diferentes objetivos, pelas entidades governamentais, pelas empresas, distribuidores e terceiros, servindo inclusive para aprovação de fornecedores. Podem ser efetuadas em todas as etapas da cadeia, seja para testar matérias-primas, produtos em processamento, produto final ou amostras do ambiente de produção, preparação e distribuição.
Os resultados obtidos nos ensaios microbiológicos podem ser utilizados, numa métrica de gestão do risco e controle de perigos, para avaliar a segurança de um lote de um alimento ou de água, o cumprimento das BPF, a aceitabilidade de processos, a adequação da utilização de um produto/matéria-prima para um determinado fim e o prazo de vida útil ou data limite de utilização de um alimento.
Frequentemente, a interpretação dos resultados microbiológicos obtidos na análise laboratorial torna-se complexa.
Vamos entender esse universo de leitura de laudo, venha comigo!
- Como escolher os parâmetros ou ensaios a serem realizados?
Qual o objetivo da sua análise? Se você está buscando apenas atender a legislação ou solicitação de um cliente, basta fazer o que eles estão pedindo. Porém, se está utilizando esse ensaio para validar um processo, você pode requerer análises diferentes das habituais. Por exemplo: para uma análise microbiológica de embalagem que não possui uma regulamentação específica, veja aqui o que pode ser realizado.
- O que são critérios microbiológicos (CM) ou padrão microbiológico?
É um conjunto de elementos qualitativos e quantitativos que definem a aceitabilidade de um lote ou um processo de alimentos.
O padrão pode ser expresso como presença ou ausência (qualitativo) ou ainda a quantidade (quantitativo) de micro-organismos presentes na amostra. *
*Conceito baseado nas informações da ANVISA e documentos do Codex Alimentarius (1981).
Quais são os componentes do padrão microbiológico?
- Alimento – O tipo de alimento a ser analisado influencia diretamente a flora a ser pesquisada: se o alimento é cru ou cozido, se elaborado ou não, se pronto ao consumo ou não. Ex: pesquisa de Listeria em pratos prontos
- Micro-organismo – Como se diz “cada macaco no seu galho”, alguns micro-organismos têm predileção por este ou aquele componente do alimento, favorecendo ou não seu desenvolvimento Ex: pesquisa de bactérias halofílicas em charque.
- Ponto da cadeia – Se é matéria-prima ou produto pronto faz toda a diferença na coleta e na interpretação do resultado.
- Limites microbiológicos – Divisor de águas entre aceitável e inaceitável, produto apto ou não para consumo ou destinação a outros fins. É composto geralmente pelo limite microbiológico mínimo (m) e máximo (M).
- Plano de amostragem – Define o número de unidades amostrais a serem coletadas aleatoriamente de um mesmo lote e analisadas individualmente (n), o tamanho da unidade analítica ou alíquota da amostra
a ser analisada (1g, 25g, 10g) e a indicação do número de amostras aceitáveis (c) entre os limites m e M.
A fim de facilitar a compreensão dos padrões e plano de amostragem, vamos usar uma tabela e ver como devemos interpretar:
Alimento A:
Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado positivo para Salmonella (m=Aus). Resultado: presença ou ausência (Plano de duas classes – qualitativo)
Plano de duas classes geralmente é utilizado quando se pesquisa os patógenos mais importantes para saúde pública
Alimento B:
Padrão – coletar 10 amostras (n=10). Nenhuma unidade amostral (c=0) pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (m). Resultado: aceitável ou inaceitável (Plano de duas classes – qualitativo)
Alimento C:
Padrão – coletar 5 amostras (n=5). Somente 2 unidades amostrais (c=2) podem apresentar resultado intermediário, ou seja, contagens entre 10 UFC por grama (m) e 102 UFC por grama (M), e nenhuma unidade amostral pode apresentar resultado maior que 102 UFC por grama (M). Resultado: aceitável, intermediário ou inaceitável (Plano de três classes* – quantitativo)
*plano de três classes geralmente é utilizado quando não existe risco direto ou de difusão extensiva ao consumidor, causado pelos micro-organismos presentes no alimento,
Como o Laudo apresenta os resultados:
Análise A:
Análise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referencia de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100ml, quantidade inferior e 1,1 micro-organismo em 100 ml. Unidade amostral: 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a empresa deve verificar se este resultado é considerado aceitável segundo seus padrões de referência.
*Número Mais Provável
*1: quando o laboratório não apresenta a referência, a empresa deve buscar fontes e legislações para se basear.
Análise B:
Análise realizada: Pesquisa de Salmonella. Referência de legislação: resultado ausente. Resultado encontrado pelo laboratório: Ausência. Unidade amostral: 25g. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a regulamentação.
Contagens de microrganismos pelo Número Mais Provável (NMP) são técnicas que permitem avaliar estatisticamente a quantidade de microrganismos presentes em uma amostra e estimar a proporção viável metabolicamente ativa. Ou seja, essa técnica pode ser utilizada para estimar a população total ou de um grupo específico de microrganismos, sendo o conjunto de respostas positivas ou negativas considerado para o cálculo estimado final.
Da mesma forma podem ser interpretados os padrões microbiológicos de água para consumo humano. Veja o laudo a seguir:
Análise A:
Analise realizada: NMP* de Escherichia coli. Referência de legislação: Ausência em 100 mL. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso a amostra encontra-se de acordo com a legislação, mesmo que o resultado do laboratório não indique ausência em 100 mL. Isso ocorre porque a metodologia do NMP busca intervalo de confiança de 95% e a leitura é realizada pela combinação de tubos positivos em séries de 3 a 5 tubos.
Análise B:
Analise realizada: NMP* de Coliformes Totais. Referência de legislação: o laboratório não apresentou*1. Resultado encontrado pelo laboratório: < 1,1 NMP/100 mL, quantidade inferior a 1,1 micro-organismo em 100 mL. Metodologia utilizada pelo laboratório para realizar a análise. Neste caso para considerar a amostra em conformidade é necessário atentar ao padrão de referência utilizado pela empresa.
Saiba mais: no blog há mais conteúdo a respeito do assunto, veja:
Falhas na interpretação de laudos de análises de água e alimentos
Análise da água: você conhece os macetes para a coleta?
Estamos próximos de 1 bilhão de análises microbiológicas no mundo
Fonte consultada:
Fabiana Ferreira
Gostei muito da sua abordagem e achei bem didática. É fundamental saber o que monitorar e avaliar e especialmente saber interpretar os resultados do laudo analítico. Cada vez mais temos que entender que tipo de análise devemos fazer, se é Pesquisa ou Contagem e se a sensibilidade do método ou da diluição necessária para realização da análise atende nossa demanda ou especificação. Obrigada por sua partilha!
Juliana Barbosa
Obrigada pelo feedback isso nos motiva e permite sermos assertivos com relação ao conteúdo.
Luciane
O laudo microbiológico tem validade?
Luciane
Parabéns pela abordagem, tenho apenas uma dúvida, o Laudo microbiológico tem validade?
Maureen Costa Florian Senedeze
Olá.
Adorei a matéria. Aliás, o site é uma fonte riquíssima de pesquisa.
Poderiam me tirar uma dúvida.
Em serviços de alimentação, onde coletamos apenas uma amostra de cada alimento servido, como os resultados são comparados com a legislação? Pois nesse caso o “n” sempre vai ser 1, e não se aplica “c = número de amostras toleradas com qualidade intermediária”.