Gestão Estratégica em Food Safety

5 min leitura

Logicamente, o objetivo principal na implantação de um Sistema de Gestão em Segurança de Alimentos (SGSA) é a garantia da produção, armazenamento, transporte e comercialização de alimentos e bebidas seguras, o que implica ações de prevenção e controle de contaminantes, sejam químicos, físicos ou microbiológicos em toda a cadeia produtiva.

Mas, logicamente também, o objetivo de um negócio, de uma empresa que produz alimentos e bebidas é obter algum lucro.

Portanto, uma empresa de alimentos e bebidas tem como “core business” sua operação, que genericamente consiste em comprar matérias-primas, com uso de operações unitárias apropriadas transformá-las em produtos, entregar ao mercado fazendo uso de uma matriz logística adequada, e ao final, faturar com as vendas provenientes de toda esta operação. Depois, tirando os custos produtivos que incluem matérias-primas, insumos, embalagens, mão de obra, análises, operação, depreciação de máquinas e equipamentos, custos com utilidades (energia, água, vapor e ar comprimido), etc, ver o que sobra.

A esta diferença que remunerará o risco sobre o capital investido por um empreendedor que se aventurou nesta empreitada, chamaremos lucro.

Um SGSA, portanto, agrega uma importante função estratégica numa organização, quando efetivamente ajuda a aumentar a segurança sobre o retorno do investimento e evitar surpresas indesejadas, trazendo controle sobre riscos, uma vez que se problemas de segurança de alimentos ocorrerem, representarão custos de não qualidade que podem ser substanciais e que tomarão se não todo, ao menos parte dos ganhos resultantes, podendo inclusive levar seu negócio à bancarrota.

Estes custos de não qualidade estão em âmbito interno e externo, tais como apresentados na tabela 1:

Tabela 1: Custos de não qualidade internos e externos.

CUSTOS INTERNOS CUSTOS EXTERNOS
1)    Destruição de produtos contaminados;

2)    Retrabalho para correção de contaminantes a níveis aceitáveis;

3)    Refugo;

4)    Horas improdutivas;

5)    Serviços administrativos refeitos;

6)    Excesso de estoque.

1)    Reclamações e indenizações pagas a clientes business to business ou consumidores finais afetados;

2)    Reposição do lote devolvido;

3)    Descontos por falhas;

4)    Fretes por devoluções;

5)    Perda de clientes;

6)    Custos de recolhimento de produto/ recall.

Mas os custos mais significativos das falhas em segurança dos alimentos estão associados à perda de imagem, que pode destruir completamente um negócio por ferir permanentemente a imagem de uma marca que passará a ser associada aos danos eventualmente causados aos consumidores, especialmente num admirável mundo novo onde a todo tempo podemos ser expostos em redes sociais como Facebook ou Instagram, e uma imagem negativa viralizada organicamente em redes sociais é capaz de em poucas horas atingir milhares de pessoas, mais até do que campanhas de marketing perfeitamente estruturadas e que demandaram altos investimentos.

Então, por mais tecnicistas que nós profissionais que atuamos em food safety sejamos, é preciso considerar que um bom gestor nesta área precisa entender também de gestão de negócios, de como implantar, conduzir e gerenciar bem seu SGSA, que seja efetivamente capaz de garantir alimentos seguros, porém fazendo um bom uso dos recursos disponíveis, de forma a manter os negócios competitivos.

SGSA na perspectiva de um dono de empresa, de um investidor, de um empreendedor, é uma atividade que demanda custos, portanto, precisa trazer efetivamente retorno sobre o investimento, o famoso ROI ou payback, e repito, este retorno se dará pela garantia de controle sobre resultados indesejados quanto à contaminação dos alimentos, assim, na contenção de riscos à saúde de consumidores, e isto pode ser transformado em uma linguagem contábil, quantificando-se em dinheiro indicadores que meçam os custos de não qualidade exemplificados anteriormente na tabela 1.

Saímos das universidades muitas vezes sem uma suficiente visão sistêmica de como funciona a gestão de uma empresa, aliás, há cursos em algumas universidades que inclusive partem de uma linguagem que “demoniza” o empresário, o investidor, o acionista, e trata o lucro como algo “pecaminoso”. Com isso, foge uma pauta importante e óbvia, de que é o lucro que gera investimentos em pesquisa, em tecnologias, em infraestrutura e ambiente adequado para a produção em condições sanitárias, além de pagar salários e remunerações.

Não há nenhuma dicotomia entre fazer excelentes produtos e lucrar, ao contrário, quem faz excelentes produtos, seguros aos consumidores, deve lucrar ainda mais com isso, sendo remunerado pelo bom trabalho.

Tenho visto no mercado de trabalho profissionais que geralmente possuem até boas formações técnicas, mas que quando promovidos a cargos executivos de gestão, caem de paraquedas numa posição em que precisam gerenciar centros de custos e ficam perdidos, pois é preciso geri-los economicamente além de tecnicamente. Portanto, falar de custos, despesas, retorno sobre investimento deve fazer parte do metier de um bom profissional em food safety.

Quando se começa a olhar os negócios nesta óptica, a análise de riscos é fundamental, e serve para alinhar profissionais que tem excesso de preciosismo com a realidade, especialmente os que tem obsessão de fazer o “ótimo”, e que por isso, muitas vezes deixam de fazer o bom que está ao alcance da empresa, e que seria suficiente para conter perigos.

Considere que uma medida boa de contenção de perigos algumas vezes pode ser melhor que uma ótima, se esta boa permitir a segurança desejada ao produto com menos demanda de recursos.

Um bom gestor busca equilíbrio financeiro que considere os riscos associados ao produto, o que deriva de suas características intrínsecas como pH, umidade e atividade de água por exemplo, e também, das tecnologias disponíveis utilizadas nas operações unitárias envolvidas, dos recursos internos e externos que a empresa disponibiliza, mas claro, sem abrir mão da garantia efetiva de processos capazes de produzir alimentos seguros.

Sempre é bom lembrar que SGSAs para darem o devido resultado precisam ser bem implementados. Coloco desta forma por ter vivenciado ao longo da carreira casos em que empresas queriam maquiar seus processos apenas nos dias de auditoria, cabendo a expressão “maquiar a noiva” só para receber os auditores.

Sistemas de gestão de segurança de alimentos de verdade rodam com processos bem sedimentados, podem ser auditados em qualquer turno, a qualquer dia, porque estão estruturados de forma que sua rotina normal de operação seja capaz de garantir alimentos seguros. Aliás, é o que precisa ocorrer com sistemas que sejam certificados na FSSC 22000 cujas auditorias surpresas já estão em vigor.

Se um gestor de food safety, além da visão técnica demandada pela função, também tiver competências que o tornem capaz de interagir com o mundo dos negócios, e com isso traduzir para alta direção (AD) e CEOs os problemas associados ao universo da segurança de alimentos numa linguagem financeira, de custos, investimentos, prejuízos e ganhos pela contenção de perigos potenciais, ajudará muito esta AD a melhor compreender o papel estratégico dos SGSAs. Estes,  portanto, passarão a serem vistos dentro da organização com mais relevância por diretores que não são de corpos técnicos e que têm uma certa dificuldade de entendimento do tema, inclusive, facilitando conseguir os devidos investimentos demandados.

Como dica profissional, em reuniões de análises críticas, visando justamente engajar a AD nos problemas que afetam a gestão em food safety, é preciso trazer informações na linguagem dos executivos que demonstrem redução de custos de não qualidade, a redução de reprocesso, de retrabalho, de devoluções, etc, e por fim, estes valores devem ser confrontados com os gastos com os centros de custos associados diretamente com a gestão da segurança dos alimentos, permitindo que enxerguem o payback do SGSA.

Lembre que o objetivo final é produzir ALIMENTOS SEGUROS, mas isso aumenta market share, evita riscos e processos com consumidores, exposição negativa da marca, e portanto, ajuda a manutenção e crescimento do faturamento, e assim, do lucro das organizações.

Um SGSA deve ter relevância estratégica nos rumos da organização.

10 thoughts on

Gestão Estratégica em Food Safety

  • Juliano Lopes

    Grande professor Marco Tulio! Excelente texto! Parabéns!

  • Andréa Vilar

    Como sempre Marco, excelente texto com uma abordagem leve e descontraída do assunto!!! Parabéns e sucesso sempre !!!!

    • Marco Túlio Bertolino

      Muito obrigado, a ideia é trazer o tema do tecnicismo para o mundo da gestão, onde as decisões são efetivamente tomadas.

  • Tabata Rodrigues

    Melhor texto que li de SA nos últimos meses. O mercado está cheio de profissionais que são excelentes técnicos, mas que infelizmente ainda não enxergaram e não conseguem estar aderentes ao planejamento estratégico, que sem titubear certamente passará por redução de custos e não conseguem evidenciar, o valor de produzir alimentos seguros. Parabéns! Em todas as minhas interfaces sempre tento traduzir em $ os ganhos com as medidas que as medidas que proponho podem trazer, até mesmo ROI de treinamentos.

  • Ingrid Mengue Klaus

    Parabéns, tenho a impressão que leu exatamente meus sentimentos do que tenho vivenciado nos últimos meses…. grande desafio traduzir nossa visão técnica em números mensuráveis para AD, isso deveria ser disciplina obrigatória nas Universidades.

    • Marco Túlio Bertolino

      Sem dúvida Ingridy, infelizmente as Universidades brasileiras preparam pouco os seus profissionais de áreas técnicas para uma gestão executiva que envolva a perspectiva financeira, que ao final, é e deve ser, o que conduz as decisões nos negócios. Por isso, não tem jeito, conforme se cresce na carreira e se tem que lidar com estes números, é preciso ir buscando as competências adequadas. Um grande abraço, foi ótimo ler um comentário seu.

  • Ademário Nobre

    Bom texto caro Marco, sempre importante associar segurança de alimentos a retornos e impactos no âmbito financeiro. Realmente o retorno de ações da AD é mais imediato. Att

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