Entrevista ASBAI – alergias alimentares

4 min leitura

Não há dúvidas que a gestão de alergênicos é uma das preocupações crescentes da indústria de alimentos. Por esta razão, o blog Food Safety Brazil conversou com a Dr. Ariana Yang, diretora da ASBAI, para nos aprofundarmos na ótica médica da questão.

 Há dados epidemiológicos sobre alergia no Brasil? Somos mais alérgicos que outros povos?

Não há dados epidemiológicos no Brasil. Sabemos por experiência clínica que os alergênicos mais comuns na população são leite, ovos, trigo, soja e frutos do mar. Nos EUA estima-se que 8% das crianças e 2% dos adultos sejam alérgicos a leite. Já a intolerância a lactose afeta 25% da população.

 Qual a diferença entre intolerância e alergia?

A intolerância é uma reação por incapacidade metabólica, sendo o quadro mais clássico o leite. Já a alergia ocorre com desencadeamento de resposta imunológica a uma proteína. Alguns exemplos: 

A reação a e amarelo tartrazina a sulfito é uma intolerância. O trigo pode desencadear a doença celíaca metabólica pelo componente glúten. Já a alergia ao trigo é pela proteína gliadina.

 Por que tão difícil ter dados epidemiológicos?

Mesmo os estudos internacionais não são totalmente confiáveis por causa da metodologia para diagnosticar a alergia. Na maioria das vezes ninguém come um alimento sozinho, é então pode haver alergias cruzadas e interferências nas conclusões.  Há doenças multifatoriais e crônicas que também podem simular alergia. Muitos consideram confiáveis os testes sanguíneos para resposta imunológica a uma proteína, porém o diagnóstico definitivo envolve risco. É o chamado teste de desencadeamento oral, no qual o paciente é exposto ao alimento. 70% dos desencadeamentos nos EUA acabam descartando a suspeita alergia.

 Ao longo da vida, uma pessoa pode se tornar alérgica ou deixar de ser? É verdade que as reações se tornam gradualmente mais intensas?

Imprevisibilidade é a melhor resposta. Uma pessoa pode ter consumido centenas de vezes um alimento tendo apenas reações suaves e de repente tem um choque fatal. Por experiência, para o leite, ovo, trigo e soja há expectativa de tolerância ao longo da vida. Já a alergia a frutos do mar tende a ser persistente. Uma vez alérgico, para sempre alérgico.

 Que tipos de reações podem ter pessoas alérgicas?

Há vários tipos de reação adversa que uma pessoa pode ter a um alimento. Quanto há uma resposta imune à proteína alimentar chamada tipo I envolvendo o anticorpo Ige,  podem ser desencadeados sintomas em qualquer órgão sendo os sintomas mais comuns  a urticária e angiodema. Sintomas cutâneos podem vir acompanhado de sintomas respiratórios como rinite, tosse, falta de ar, cólica, diarréia, vomito e eventualmente implicações cardiovasculares, com queda de pressão arterial. 

 Quando pode ocorrer o óbito?

Quando ocorre o choque anafilático, que é o sintoma mais agudo. A morte geralmente ocorre por duas vias: cardiovascular ou respiratória, ou seja, choque (diminuição da pressão arterial, taquicardia e distúrbios gerais da circulação sanguínea ou broncoespasmo grave (consequência da contração da musculatura dos brônquios).

Edema de glote pode ou não ocorrer (inchaço da garganta), mas nem sempre chega ao extremo de fazer as pessoas pararem de respirar por bloqueio das vias superiores. Antes de parar de respirar, a pessoa fica rouca e esse é um alerta para buscar socorro.

  Há novos alimentos sendo vistos como alergênicos?

Sim, há os alergênicos emergentes, principalmente as frutas. As mais implicadas são o kiwi, abacate, mamão e banana, que tem reação cruzada com o látex. Gergelim é emergente também, mas está longe de afetar uma grande parcela da população.

  A literatura médica estabeleceu um limiar que defina qual é a quantidade mínima da proteína que pode desencadear uma alergia?

Não, pois as respostas são individuais. Em teoria e de forma idealizada, se poderia quantificar o limiar de cada pessoa e ela policiaria o que pode ingerir. Se os fabricantes informassem qual é essa quantidade, em nanogramas e picogramas, a pessoal poderia fazer escolhas, mas a priori isso é inviável. Tenho um paciente que não pode passar pelo corredor de lácteos que manifesta reações.

 O que a senhora pensa da posição das indústrias que indicam nos rótulos “pode conter traços de” determinados alimentos, mesmo que eles não façam parte da lista de ingredientes?

É ruim, pois o alérgico vive uma vida de privações e em geral sai perdendo nestes casos. Há pacientes que sem problemas que podem consumir um alimento no qual se declaram os traços, somente devem restringir quantidades mais significativas.  Mas se pensarmos no outro extremo, o risco de morte, é uma medida prudente. É uma superproteção.

 A ASBAI acompanha a evolução da legislação brasileira na ANVISA? O que podemos esperar?

Há uma representante que participou de algumas reuniões, mas não há mudanças concretas em andamento. Nós temos insistido para que se use linguagem simples destaque direto, como se usa por exemplo para “contém glúten”.

 Que recomendação você dá aos profissionais que trabalham na área?

Que sejam muito claros na rotulagem. O público leigo não costuma saber o que é “caseinato” ou “albumina”. Nós médicos passamos um glossário para os pacientes, mas outro dia me deparei com o ingrediente “creme inglês” que escondia leite.  Nós não acompanhamos inovações e lançamentos de ingredientes de nomes diferentes e precisamos de clareza.

 

Adriana Yang é médica alergologista, doutora em Imunologia Clínica e Alergia da FMUSP e diretora da ASBAI (Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia) e concedeu esta entrevista especialmente para o blog Food Safety Brazil.

2 thoughts on

Entrevista ASBAI – alergias alimentares

  • Ana Claudia Frota

    A gestão de alergênicos é sem dúvida um assunto que merece grande divulgação. Somente a conscientização de todas as partes afetadas fará com que dados nacionais sejam obtidos. Há muita dificuldade de se obter informações sobre alergênicos ao longo da cadeia produtiva, de modo a permitir a aplicação de medidas de controles confiáveis que impediriam ou evitariam a contaminação cruzada, preservando assim a saúde dos consumidores.

  • Ruppert Hahnstadt

    Não estudos epidemiologicos, mas é nítido o aumento na incidência das alergias e intolerancias alimentares. A exposição cada vez mais precoce aos alimentos industrializados, mudanças culturais, além do maior acesso da população a diferentes produtos pelo crescimento econômico do país, são alguns dos diversos fatores desse aumento. Dessa forma, o envolvimento mais amplo dos profissionais da Saúde é fundamental para a identificação das sensibilzações aos alimentos bem como uma legislação sanitária séria, que regule as informações dos rótulos dos alimentos industrializados e também dos medicamentos e cosméticos isentos de prescricao medica.

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