Dicas para que auditado e auditor se comportem como damas ou cavalheiros

7 min leitura

Alguns consideram as auditorias como sendo os pontos altos das rotinas de ações que envolvem Sistemas de Gestão em Food Safety, por serem, ao menos de certa forma, a hora da verdade por assim dizer, uma vez que é quando um olhar externo põe à prova como está sendo efetivamente conduzido o SGSA, seja no cumprimento de uma determinada norma (adequação), seja na efetiva realização das ações planejadas para seu devido cumprimento (implementação).

Este artigo é a opinião do autor, que já esteve na posição de auditado em auditorias de 1ª, 2ª e 3ª parte, e também, na posição de auditor em auditorias de 1ª e 2ª parte. E de ambos os lados, há regras de comportamento que tornam a atividade de auditoria mais eficaz, ou melhor dizendo, sem dor.

Previamente, vamos esclarecer os termos a quem não está familiarizado:

  1. as auditorias de 1ª parte são as internas: trata-se da empresa auditando ela mesma com seus auditores internos, que podem também ocorrer na modalidade de 1ª parte independente, ou seja, com uso de especialistas externos para reforçar o “olhar de fora” e agregar valor ao processo;
  2. as auditorias de 2ª parte são as realizadas pelos clientes, que podem ter suas próprias equipes de auditores ou subcontratar terceiros em seu nome;
  3. já as auditorias de 3ª parte são aquelas nas quais se busca uma certificação, ou seja, quando um organismo certificador avalia se uma determinada organização deve ou não ser recomendada para uma certificação.

Para começar o assunto, não há nada pior que auditores desorganizados, então, quando for auditar uma empresa, prepare-se, estude sobre o segmento, sobre particularidades e características do que produzem, especialmente sobre riscos associados, e com isso, faça um bom cronograma de planejamento, dedicando mais tempo para as áreas que estão associadas à necessidade de maior atenção. Se não tem ainda toda a norma “decorada”, tudo bem, monte sua “cola” com base no planejamento, indicando quais requisitos estão mais associados a cada tipo de processo em cada área, portanto, o que deve focar.

Por outro lado, não há nada pior que auditado “sabichão” que quer levar uma auditoria na malandragem, direcionando rotas, escondendo evidências, enrolando para ganhar tempo no transcorrer da auditoria. Isso passa uma péssima impressão. O bom auditado é cooperativo, entende que a auditoria está ali para validar seu trabalho, e se ele fez o “dever de casa” na implantação e manutenção do SGSA, tudo deve transcorrer como um passeio, não é?

Uma auditoria não deve ser um processo tenso, o auditor e o auditado não são inimigos, ao menos não deveriam ser!

Excesso de orgulho ou prepotência de ambos os lados podem ser fatais, por isso, ambos devem pré-acordar a condução da auditoria em sua abertura , quando se expõe todas as regras que serão utilizadas na auditoria, incluindo escopo, critérios de definição de não conformidades, como será a condução, o que se pretende observar, o que se espera dos auditados, e sempre com cordialidade. Comece bem o “relacionamento” neste momento.

Auditores de comportamento muito “feroz” acabam fazendo uma má auditoria, porque isso faz os auditados se fecharem, e não serem participativos e cooperarem.

Um auditor precisa passar confiança, deixar claro que não está auditando pessoas, mas processos; que não está “caçando” não conformidades, mas coletando e avaliando evidências que demonstrem como está o sistema de gestão de uma organização, e no meio disto tudo, pode ocorrer sim de serem detectadas não conformidades, mas que elas são algo positivo, pois em uma última análise configuram oportunidades de melhoria.

Bons auditores passam confiança, mostram-se íntegros, e buscam analisar a eficácia de sistemas de gestão. Com isso, os auditados se desarmam, tornam-se mais receptivos.

Já os bons auditados não ficam na defensiva, mostram-se abertos e buscam cooperar com o auditor na coleta amostral de evidências. Com isso, os auditores podem fazer um trabalho mais completo e eficaz, que ao final, ajuda a organização a detectar potenciais pontos falhos. E ao tratá-los, roda-se o PDCA e se eleva o patamar de condução dos processos de forma a garantir uma produção mais segura.

Acima de tudo, quando se trata de auditorias internas, é preciso cuidar para que não se torne uma ferramenta de “disputas de interesse” entre áreas e departamentos, o que pode ocorrer em empresas com pouca maturidade, especialmente por parte de gestores que estimulem este tipo de comportamento.

Cuide também, especialmente em empresas familiares, para que os auditores internos tenham total autonomia para fazer suas atividades, tanto quanto os auditores externos. Neste caso, uma sugestão é preparar bem as pessoas do alto escalão hierárquico para receber os auditores internos, explicando do que se trata a atividade de auditoria, a fim de receberem os auditores de portas e “corações” abertos. Nestes níveis se avalia contexto, análise crítica, gestão de recursos, engajamento da alta direção.

Auditoria interna é tão séria quanto uma de 3ªparte, inclusive, o seu potencial de assertividade na detecção de não conformidades costuma ser muito maior. Portanto, também é maior o potencial de alavancar ações de melhorias decorrentes.

Auditorias internas podem e devem ser bem usadas como catalisadores!

Novamente, é preciso sempre se lembrar de que auditorias devem ser um processo “tranquilo” e não “tenso”, e uma vez detectada uma não conformidade, ela deve ser explicada com total serenidade, argumentando com base nas normas de referência que estiverem sendo utilizadas e nas evidências coletadas.

Outra dica interessante: ao longo das auditorias muitas vezes coletam-se nomes, por exemplo, para checar se indivíduos que exercem determinadas funções possuem os devidos treinamentos que um determinado processo requer em termos de competências. Contudo, busque não anotar nomes como evidências de não conformidades, mas os cargos/ funções, ou em empresas com pouca maturidade, a interpretação deixa de ser uma questão de processo a ser resolvida, ganhando uma conotação pessoal por associar-se à pessoa cujo nome foi registrado.

Auditores precisam ser objetivos, jamais prolixos, e devem basear-se em fatos e dados e nunca em “achismos”, pois o auditor não deve achar nada, achar é uma inferência.

O auditor deve se basear em normas de referência, normas e regras da própria organização e em requisitos legais e estatutários e então, constatar se os processos estão de acordo com os mesmos ou não. Um auditor jamais emite não conformidade porque ele acha, mas porque tem reais evidências do descumprimento de requisitos.

Ao detectar uma não conformidade, deve-se relatar na hora ao auditado, justamente para evitar surpresas no fechamento de uma auditoria, pois isto cria muito mal-estar, além de não possibilitar ao auditado contestar e mostrar mais evidências, caso ele julgue que não é realmente uma situação não conforme, ou, após serem expostos os fatos, se convença de que realmente é.

Não conformidades devem ser relatadas com tom de descumprimento de requisitos normativos, regras da própria organização ou questões legais, nunca com tom de acusação aos culpados!

Uma conformidade e uma não conformidade devem ser relatadas e explicadas no mesmo tom!

Cuidado para não ser um auditor muito teatral, que até muda o tom da voz ao relatar pontos detectados como não conformes, e pior ainda, lembre que nunca se “comemora” a detecção de uma não conformidade, a auditoria não é uma disputa ou um campo de batalha, onde o auditor ganha pontos abrindo não conformidades e o auditado escondendo-as.

Jamais, em hipóteses alguma, discuta com auditado, se você tem fatos e dados que evidenciam uma não conformidade e o auditado não as aceita, com tranquilidade total, explique que ele poderá levar seus argumentos a uma equipe de revisores posteriormente. Porém, se o auditado tem razão e pode convencê-lo de que um fato levantado como não conforme é conforme, não há problema algum em voltar atrás e reconsiderar, o que manda são os argumentos, fatos e dados. Cuidado aqui com o orgulho, ninguém deve querer ser o dono da verdade por opiniões próprias, mas sempre com base nas evidências.

Por outro lado, o auditado que se depara com auditores que agem de forma inadequada também deve evitar discussões, tente orientar e mostrar seu ponto de vista ao auditor, mas se o problema persistir, depois há a chance de relatar o ocorrido a um comitê interno de auditores quando for uma auditoria interna; ao cliente quando for uma auditoria de 2ª parte; ou a um organismo certificador se for uma auditoria de 3ª parte.

Tente realizar as auditorias nos horários normais de cada empregado, não os force a ficarem depois do horário pelo seu mau planejamento da auditoria. Isso além de gerar custos de hora extra e atrapalhar as rotinas das pessoas, também faz com que as auditorias transcorram nos horários em que as rotinas do auditado não estão em seu “habitat” normal, atrapalhando observar o contexto como ocorre de fato no dia-a-dia.

Aproveitando, lembre-se de agendar auditorias em horas e turnos variados, para que sua amostragem seja a mais realista possível.

Somos humanos com qualidade e defeitos, mas o auditor precisa ser um gentleman, por isso jamais seja irônico ou prepotente e evite piadas com evidências de não conformidades, isso pode ser muito mal visto e gerar situações de crise e desconforto.

Evite também as chamadas “caras-e-bocas”, ou seja, fazer caretas de descontentamento explicita quando recebe, por exemplo, uma evidência solicitada que lhe pareça suspeita. Neste caso, com tranquilidade, solicite mais evidências até que suas dúvidas sejam sanadas.

Importantíssimo: seja pontual, gentil, cortês, profissional e impessoal, e lembre-se, não basta ser honesto, o auditor deve parecer honesto!

Por fim, como auditor faça da auditoria algo agradável, e isso não tem nada a ver com não lavrar as não conformidades que forem necessárias, mas sim sobre como fazê-lo com gentileza, ou quem sabe, até sorrindo e com simpatia, mostrando que um ponto de melhoria foi detectado.

Um auditor que faz um bom trabalho tem uma grande vantagem profissional, passa a conhecer áreas, diferentes processos e empresas, assim como desenvolver uma boa visão sistêmica de negócios, e enquanto audita, também aproxima e constrói relacionamentos, e isso pode catalisar carreiras por permitir entender sistemicamente segmentos industriais, e assim detectar com uma maior facilidade pontos de melhoria a serem propostos que agreguem valor para as organizações. Um mau auditor, ao contrário, passa a ser evitado.

Ser um bom ou mau auditor não tem nada a ver com abrir ou não as não conformidades detectadas, mas com a forma como se conduz uma auditoria, como se colhem evidências, como se demonstram fatos e se relaciona ao longo de todo este processo.

Uma auditoria não requer dos auditores apenas habilidades técnicas e conhecimento de normas, um excelente técnico pode ser um péssimo auditor.

Um auditor precisa sim ter ótimos conhecimentos técnicos, mas deve somar a isso competências associadas a relacionamento interpessoal e inteligência emocional. 

Quer contribuir com este artigo, tem uma boa história de auditoria, como auditor ou auditado? Então conte-nos aí nos comentários, lembrando sempre de contar o milagre, mas sem citar o nome do santo!

19 thoughts on

Dicas para que auditado e auditor se comportem como damas ou cavalheiros

  • João Paulo Ferreira

    Uau! Excelente artigo Marco Túlio!
    Você fez um verdadeiro Manual de Boas Práticas de Auditoria!
    Grato pelo compartilhamento do seu conhecimento e vivência profissional, como Auditor e Auditado!

  • Marco Túlio

    Puxa, que alegria que tenha gostado do texto, obrigado pelo feedback!!!

  • Phaollo Rocha

    Acho que vale ressaltar que não é válido o mesmo auditor realizar auditoria de 2° parte na mesma empresa todos os anos. Creio que cria um “vicio” e ele não acaba auditando áreas por achar que ainda possui a mesma não-conformidade dos demais anos ou vice-versa.

    • Marco Túlio Bertolino

      Muito bom seu registro Phaollo, e digo que não só na 2° parte, em todas, em 1° e 3° partes também, uma vez que submeter o SGSA a diferentes olhares ajuda a rodar o PDCA em direção a um nível mais elevado. Um auditor executar auditorias consecutivas num ciclo, pode inicialmente trazer vantagens, onde o auditor pode perceber e apontar as melhorias que vão sendo observados a cada visita, os avanços. Contudo, com o tempo como bem você apontou, o olhar pode criar vícios, seja em continuar buscando a mesma NC como frisou, ou pela incapacidade de olhar questões que passam despercebidas a este auditor específico, e isto causa uma estagnação, e neste caso, um rodízio de auditores pode ser bem saudável para o SGSA.

  • Everton Santos

    Ótimo texto, obrigado por compartilhar! sobre auditorias internas, existe algumas companhias que trabalham com “pontuação” de setores e até mesmo de empresas. E quando uma N/C é encontrada o auditado é penalizado e também o auditor, caso ele faça parte da mesma empresa ou do mesmo setor que está auditando. Ao meu ver isso faz com que o auditor não relate todas N/C encontradas para não influenciar em sua “pontuação” deixando assim vários pontos de melhoria ignorados. Dependendo do local auditado, colocar essas N/C como observações e não como N/C, não afetam a “pontuação” do setor ou da empresa e também nãos as deixam passar em branco.

  • Emily Feliciano

    Excelente artigo! Muito obrigada por compartilhar. Ótimo para quem está começando a carreira principalmente… Uma dúvida que sempre tive vendo os grandes escândalos no Brasil. O que acontece quando a direção não está disposta a cooperar? Um auditor interno tem que se submeter a eles, certo? Ele deve “ficar quieto”?

  • Marco Túlio

    Não há uma resposta “padrão”. Mas é sempre bom frisar que auditores não são fiscais, auditores internos são empregados da empresa ou terceiros contratos (auditoria interna independente), em ambos os casos há de se seguir um código de confidencialidade sobre informações acessadas durante a auditoria. Detectando anormalidade, sejam quais forem, devem ser relatadas de forma ética, clara e transparente para a empresa, a fim que ela tome providências sobre a não conformidade. Sobre grandes “escândalos”, o que aqui respondo não é um padrão, mas apenas uma opinião deste colunista, se detectar isto numa empresa, cujo problema envolva atividades que você executa, e a empresa não agir sobre a questão, talvez seja a hora de repensar se é o melhor local para trabalhar, ser ético profissionalmente também inclui não compactuar com aquilo que é inadequado em termos de práticas corretas de mercado/ processo.

  • Elias Natalino Marins

    Sensacional o artigo, ainda mais para mim que estou ingressando na área.
    Parabéns, simples e objetivo.

    • Marco Túlio

      Obrigado Elias, e desejo sucesso em sua carreira de auditor.

  • Mariana

    Ótimo artigo, muito bom.
    Muito obrigada por compartilhar de maneira tão clara e objetiva tudo que deve ser considerado em processos de auditoria.

  • Ana Luiza Melo

    Muito obrigada pela ótima explanação sobre auditorias. Acredito que o auditor tem sempre que agir com bom senso, conduzir a auditoria de forma que o auditado se sinta confiante e crente de que aquela auditoria trará bons frutos ao andamento do seu processo, operação e etc.
    Adorei toda a abordagem do texto!!

  • Fernanda Fonsêca Aguiar de Almeida

    Ótimo texto….muito bem descrito o comportamento justo entre auditor e auditado. Ambos não devem se tratar como inimigos, mas sim enxergando nos erros formas de melhorar os processos.

  • Andréa Moreira

    Adorei o texto. Já vivenciei as duas situações, como auditora interna na empresa em que sou Analista da Qualidade e em uma empresa parceira e também já estive posição de auditada por um auditor externo de certificadora em duas experiências bem diferentes, um que chegou para contribuir e enriquecer o processo e outro que chegou para mostrar serviço e a todo custo encontrar NC forçando algumas situações.
    Acredito que a postura do auditor e do auditado interfere positiva ou negativamente no processo de auditoria e que o bom relacionamento tem o poder de tranformar a auditoria numa oportunidade de crescimento e maturação para o sistema e elevá-lo a outro nível. Obrigada!

  • Suzana Ebrahim Wanderley

    Independente do cargo que ocupamos, somos todos seres humanos. Existem líderes de egos inflados e com dificuldades em admitir erros. Por outro lado, temos auditores que são despreparados e desrespeitosos com os auditados.
    Contudo, em ambas as posições, há os profissionais de excelência que desempenham suas funções da forma criteriosa e íntegra
    O fato é que devemos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. E de certeza, ninguém gosta de ser maltratado, desqualificado e muito menos humilhado!
    Muita gente não percebe que o mundo dá voltas e o auditor de hoje pode ser o auditado de amanhã!

  • Aline Raaby

    Ótimo texto, acontece bastante do auditor ter um comportamento mais “feroz” e o auditado ficar na “defensiva”, esses comportamentos prejudicam bastante a auditoria e causam um enorme desconforto. Obrigada pelas dicas!

  • Tales de Mileto

    entrei a quase três meses em uma empresa para fazer auditoria de 1º classe, agora que consegui iniciar devido a tamanha desorganização que é a gestão e logística da mesma, os funcionários estavan em uma tremenda zona de conforto, pessoas com 4,5 até 10 anos de casa, estou em uma tremenda batalha, pois faço até serviços braÇais aqui para conhecer todos os setores,, eu era vendedor, devido a minha região ser muito miserável e u desempregado aceitei esse desafio por$ 1,200,00 Reais de salário mês, estou gostando, enfrento as coisas com humildade, firmeza e perseverança,

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