Carnes oriundas de animais saudáveis são estéreis, entretanto a qualidade pode ser alterada do abate até o consumo devido à contaminação microbiana durante a manipulação e o processamento. Listeria, Salmonella, Campylobacter e E. coli estão entre os principais patógenos encontrados nas carnes das mais variadas espécies. Alguns países permitem a adição de aditivos alimentares exercendo a função de agentes antimicrobianos, com o objetivo de criar barreiras ao crescimento microbiológico, estendendo assim a vida de prateleira dos alimentos. Neste contexto, ácidos orgânicos apresentam potencial para reduzir a contaminação nas carcaças ou carnes, sendo utilizados como medida complementar para a garantia da estabilidade microbiológica destes produtos.
Ácidos orgânicos de cadeia curta (C1-C7) estão associados à atividade antimicrobiana devido à redução do pH e pela capacidade de dissociação. Os ácidos têm a capacidade de passar através da parede celular dos microrganismos e se dissociar no citoplasma, acidificando o pH interno da bactéria e impedindo sua multiplicação, levando a danos e morte. Diferentes ácidos podem ser utilizados para esta finalidade, como lático, tartárico, málico e cítrico.
Nos EUA, o Food and Drug Administration (FDA) lista os ácidos orgânicos como substâncias alimentares geralmente reconhecidas como seguras, do termo em inglês GRAS (Generally Recognized As Safe) presente na regulamentação 21CFR184.1061. Ácido láctico, ácido acético, ácido cítrico, ácido ascórbico e outros ácidos orgânicos são aprovados ou listados nos regulamentos da FDA para vários fins técnicos, como acidulantes, antioxidantes, agentes aromatizantes, ajustadores de pH, nutrientes e conservantes. Além disso, o United States Department of Agriculture (USDA) por meio do Serviço de Inspeção e Segurança de Alimentos (Food Safety and Inspection Service – FSIS) permite seus usos como agentes antimicrobianos, sendo auxiliares de processamento para tratar carne de aves, bovinos e suínos, incluindo carne inteira ou cortada, carcaças, peças, aparas e órgãos, tendo sua aplicabilidade por meio de lavagem, enxágue, imersão, névoa, spray, mergulho, na água fria ou na escaldagem, pré e pós-resfriamento.
A Autoridade Europeia para Segurança dos Alimentos (European Food Safety Authority – EFSA) autoriza o uso de ácido lático para descontaminação microbiana da superfície de carcaças de bovinos, meias carcaças ou quartos ao nível do matadouro. Além disso, o montante residual absorvido na carne bovina do tratamento com ácido láctico não deve ser superior a 190 mg/Kg, sendo que em certos preparados de carne, o uso de ácido lático é autorizado como aditivo alimentar para o efeito de preservação, com níveis de 20.000 mg/Kg comumente usados. Portanto, o uso de ácido lático com o objetivo de reduzir a contaminação da superfície microbiana é claramente distinto de seu uso como aditivo alimentar. Apesar de já serem utilizados em outros países, no Brasil a legislação não permite o uso de ácidos com o propósito de descontaminação de carnes.
As legislações que permitem o uso com esta finalidade baseiam-se em trabalhos próprios e dados científicos para justificar seu uso. Várias pesquisas demonstram a sua aplicabilidade na redução da microbiota em carnes. Silva e Beraquet observaram uma redução da microbiota inicial em maminha bovina, através da aspersão com solução de ácidos orgânicos, além do aumento da vida-de-prateleira da carne armazenada sob refrigeração. Os autores relataram que não houve modificações nos atributos sensoriais da carne. Segundo Alvarado e McKee, o uso de ácidos na marinação de carnes de aves pode resultar na inibição ou inativação do crescimento de Listeria monocytogenes, além de aumentar o rendimento e a qualidade da carne. Outros pesquisadores reportaram redução na contagem de Salmonella Typhimurium e Campylobacter coli após a imersão de asas de frangos inoculadas com esses patógenos em solução de ácido peracético. A EFSA, por meio de trabalho científico próprio, avaliou a segurança e eficácia da pulverização com ácidos lático e acético (2-5%; 80°C), na redução da microbiota superficial de carcaças de suínos no pré-resfriamento e em cortes de carne no pós-resfriamento e considerou ser uma alternativa segura para controle da microbiota em carnes.
A aplicação de novas tecnologias que visem a garantia da segurança microbiológica de alimentos é fundamental para produção de alimentos seguros. Contudo, a descontaminação de carnes com ácidos orgânicos ainda não é regulamentada no país, mesmo havendo diversas pesquisas demostrando sua efetividade e de já ser aplicada em outros países. Apesar da não regulamentação do seu uso, esta técnica utilizando o ácido láctico (máx 5%) pode ser utilizada sobre a superfície de carcaças bovinas durante o processo de abate, pois consta na relação de inovações tecnológicas que receberam termo de não objeção do DIPOA/SDA/MAPA, sob o número 21000.014913/2018-11.
No site do MAPA, é possível solicitar a implementação de uma inovação tecnológica com base na Instrução Normativa SDA nº 30/2017 e na Instrução Normativa SDA Nº 21/ 2018. A avaliação técnica das inovações tecnológicas é realizada pela Divisão de Avaliação de Inovações Tecnológicas – DITEC/CRISC/CGPE/DIPOA, que pode emitir um Termo de Não Objeção, permitindo o uso desta técnica para qualquer estabelecimento sob SIF, desde que execute os procedimentos previstos na IN SDA nº 30/2017. Desta forma, o DIPOA busca incentivar relações entre centro de pesquisas e indústrias, visando o desenvolvimento de tecnologias de produção inovadoras e seguras, que possam aumentar a oferta de alimentos e a competitividade das empresas brasileiras. Afinal, alimentos seguros salvam vidas!
Autores: Matheus Barp Pierozan, Adriano Carvalho Costa, Marco Antônio Pereira da Silva, Leandro Pereira Cappato, Rafaella Machado dos Santos de Medeiros, Isabel Rodrigues de Rezende, Marília Parreira Fernandes, todos do IF Goiano Campus Rio Verde, GO e Hortência Aparecida Botelho, da UFG
Referências
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[4] EFSA – European Food Safety Authority 2018. Evaluation of the safety and efficacy of the organic acids lactic and acetic acids to reduce microbiological surface contamination on pork carcasses and pork cuts. EFSA Journal 16(12). https://doi.org/10.2903/j.efsa.2018.5482
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[8] EFSA – European Food Safety Authority 2018. Evaluation of the safety and efficacy of the organic acids lactic and acetic acids to reduce microbiological surface contamination on pork carcasses and pork cuts. EFSA Journal 16(12). https://doi.org/10.2903/j.efsa.2018.5482