Tecnofobia na indústria de alimentos

3 min leitura

Você já ouviu falar de tecnofobia? A definição é muito simples: tecnofobia é o medo da tecnologia moderna. Se pararmos para pensar, há inúmeros exemplos para ilustrar a tecnofobia, em todas as áreas das nossas vidas.

Neste artigo quero me concentrar especificamente na indústria de alimentos. Pois, sim, ela também foi pega por este “fenômeno” – que nem é tão recente. A tecnofobia alimentar (ou neofobia da tecnologia alimentar) é definida como o medo, aversão ou evitação de novas tecnologias alimentares pelos consumidores. A indústria de alimentos tem enfrentado, nos últimos 30 anos ou mais, o desafio constante de lidar com os “medos” causados pelos alimentos.

Um exemplo clássico é o uso das micro-ondas (alimentos irradiados) ou do próprio forno de micro-ondas doméstico. Quantas pessoas você conhece que ainda não possuem um aparelho de micro-ondas porque são super resistentes a esse método de aquecimento, descongelamento e até mesmo preparo de alimentos? Outros exemplos:

– engenharia genética ou organismos geneticamente modificados (GMO);

– alimentos ultraprocessados;

– uso de pesticidas agrícolas nas lavouras;

– corantes, conservantes e adoçantes artificiais;

– carne cultivada;

– produtos à base de insetos;

– alimentos reciclados.

O Food Safety Brazil já falou sobre alguns destes alimentos. Veja os artigos “Alimentos do Futuro – Parte 3” e “Alimentos Reciclados”.

Um artigo publicado em 2009 na Food Safety Magazine já trazia essa perspectiva de tecnofobia na indústria de alimentos e dizia que, embora a ciência seja fundamental para lidar com esses “medos” alimentares, a história tem demonstrado que os fatos científicos por si só não são suficientes para mudar a percepção do público – existem poucas histórias em que a ciência “equilibrada” venceu a disseminação do medo. Na verdade, pode-se argumentar que uma das razões para o problema é a incapacidade dos cientistas e da própria indústria de alimentos de se comunicarem efetivamente com o público leigo, resultando em redução da confiança.

Com o advento do movimento “clean label”, da super valorização de alimentos orgânicos, naturais, caseiros e locais e, sobretudo, das redes sociais, onde pessoas leigas estão cada dia mais ditando regras e propagando as fake news em relação aos alimentos (entenda aqui), a indústria tornou-se alvo fácil. E cá entre nós: os blogueiros e influencers se comunicam com o público de maneira muito melhor do que a própria indústria de alimentos. Sabendo disso, algumas indústrias têm se utilizado destes influencers para se comunicarem com seu público-alvo. Seria essa uma das saídas para a questão?

O fato é que o assunto tem ganhado tanto destaque que atualmente existem trabalhos (conheça aqui um desses estudos) e escalas para medir o grau de tecnofobia do consumidor – normalmente se usa uma escala psicométrica com base em uma série de afirmações que visam detectar a atitude do indivíduo em relação ao risco, tecnologia e ciência. Exemplos de afirmações usadas são:

  1. Não há necessidade de novas tecnologias alimentares porque existem muitos tipos de alimentos;
  2. Os benefícios associados às tecnologias alimentares inovadoras são frequentemente superestimados;
  3. Novas tecnologias alimentares reduzem a qualidade natural dos alimentos.

Os entrevistados são convidados a concordar ou discordar das afirmações em uma escala de 5 pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). A partir das respostas, um Índice de Tecnofobia é obtido.

O inegável é que a tecnologia e a ciência avançam a passos largos desde que o mundo é mundo. A FAO (Food and Agriculture Organization) estima que em 2050 a população mundial irá atingir mais de 9 bilhões de pessoas. Para que se possa atender essa crescente e mais exigente demanda, é preciso aumentar a produção de alimentos em 70%. Os desafios a serem enfrentados em inovação são enormes, envolvendo a atuação de diversos setores. Estamos, como profissionais da área de alimentos, preparados para auxiliar as indústrias e a ciência nos requisitos de comunicação externa com esse público cada vez mais exigente, heterogêneo e polarizado? Temos consciência de que o alimento fala, a embalagem fala, o rótulo fala, o processo fala – ou seja, TUDO comunica? Ou ainda trabalhamos somente a comunicação passiva e somos incapazes de lidar adequadamente com os “medos” que as pessoas têm dos alimentos?

One thought on

Tecnofobia na indústria de alimentos

  • Josilene Sena

    Muito bom o artigo Virgínia, acho incrível e importantíssimo utilizarmos as tecnologias para a fabricação dos alimentos, mas sempre quando leio, estudo sobre este assunto, com a justificativa de utilização técnica para suprir à demanda da alimentação humana, penso sobre o quanto que nós desperdiçamos as tecnologias no momento em que desperdiçamos tantos alimentos, acredito que seja um outro ponto a ser trabalhado também, o desperdício.

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