Recall de alimentos no Brasil: histórico e fundamentos

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No Brasil, desde 2002 o Procon de São Paulo reúne em sua página virtual os alertas de recolhimento (recall) de alimentos. Segundo o órgão, o primeiro recolhimento de alimentos foi registrado no ano de 2004, quando foram retiradas trezentas mil unidades de salgadinho por um erro de rotulagem que não declarava a presença de glúten e poderia causar riscos à saúde de doentes celíacos. Em 2007, uma alteração em uma fórmula da bebida láctea com a inclusão de ferro e zinco, reduziu o pH do produto, causando sensibilidade gástrica em alguns consumidores. Além disso, esta mesma inclusão impedia a correta esterilização do alimento e causou instabilidade no sabor. Em 2011, aconteceu o caso emblemático do leite achocolatado com contaminação química por produto de limpeza. No ano de 2013, um bebida de soja foi contaminada com líquido à base de soda cáustica utilizado para a limpeza dos equipamentos de envase. Ainda, houve adulteração de leite com água e ureia potencialmente nociva à saúde humana por conter formaldeído.

Em 2014, lotes de água mineral e de bebida achocolatada apresentaram contaminação microbiológica e algumas marcas de leite apresentaram contaminação química por formaldeído. Em 2016, houve outro emblemático caso, do extrato de tomate que apresentou pelos de roedor acima do limite especificado pela norma. Em 2017, houve o mesmo problema com outros dois produtores. Perigos microbiológicos, químicos e físicos respectivamente, também foram motivo de recolhimento de alimentos em 2018: Salmonella sp. em pimenta do reino e em linguiça de frango, além de presença de outros óleos que não são próprios para o consumo humano em azeite de oliva e filamentos de metal em barras de chocolate. Em 2019, a presença de Salmonella enteriditis causou o recolhimento de cortes de frango.

Nos últimos cinco anos, foram iniciados 14 chamados de recolhimento para o setor de alimentos. Em termos de empresas que fazem campanha de recolhimento, o setor alimentício tem números inferiores ou semelhantes a outros setores, como o automobilístico. Porém, considerando o número de unidades defeituosas comprometidas nestes chamados, o setor de alimentos aparece na terceira posição.

A norma ABNT NBR ISO 22000:2019 define requisitos para a implementação de um sistema de gestão da segurança dos alimentos, para que qualquer organização direta ou indiretamente ligada à cadeia produtiva de alimentos, planeje, implemente, opere, mantenha e atualize o sistema de gestão. Em caso de ocorrência de produto não conforme ou potencialmente inseguro deverão ser planejadas ações a serem tomadas, quando estes produtos forem gerados por falhas nos processos.

A organização deve estabelecer e manter procedimento documentado para notificar as partes interessadas relevantes, tratar os produtos recolhidos e a sequência das ações a serem tomadas. Após recolhidos, os produtos devem ser mantidos em segurança ou tratados sob supervisão até que sejam destruídos ou sejam usados para outros propósitos que não sejam os pretendidos originalmente ou reprocessados, de forma que se tornem seguros. Dados como causa, extensão e resultado do recolhimento devem ser registrados e relatados à alta direção para uma análise crítica.

Com o aumento do número de recalls causado por falhas nas Boas Práticas de Fabricação, nos processos de rotulagem, embalagem e contaminações cruzadas nas linhas de produção, principalmente por alimentos alergênicos como ovos, amendoim, leite e glúten, aumentou também a troca de informações entre empresas alimentícias e autoridades governamentais.

Vários aspectos de produtos não conformes que são recolhidos podem ser melhor estudados pelos elos da cadeia produtiva de alimentos por meio da rastreabilidade. Muitas indústrias de alimentos utilizam o código de rastreabilidade para casos de recall, pois o problema encontrado pode ter diferentes responsáveis como fornecedores de matéria-prima, distribuidores ou armazenamento da indústria. A causa e o local do problema podem ser identificados, evitando a reincidência.

A legislação brasileira define o termo rastreabilidade como o conjunto de procedimentos que permitem detectar a origem e acompanhar a movimentação de um produto ao longo das etapas da cadeia produtiva, mediante dados e registros de informações. Já o recolhimento, diante da rastreabilidade, é a ação a ser adotada pela empresa interessada e demais empresas da cadeia produtiva, que visa à imediata e eficiente retirada de lotes de produtos do mercado de consumo.

A rastreabilidade é a capacidade de uma empresa recuperar informações relevantes ao longo da cadeia logística, tanto considerando o espaço e o tempo, quanto focando o conteúdo do produto, pois é capaz de fornecer todas as informações sobre a vida do mesmo. A rastreabilidade tem papel fundamental na garantia da segurança dos alimentos para os consumidores, pois garante a possibilidade de realização de recall, elimina produtos não adequados ao consumo e principalmente promove a investigação das causas das questões de segurança dos alimentos.

Para um rastreamento eficiente, é necessário que todas as partes da cadeia de suprimentos tenham processos integrados e dialoguem com frequência sobre informações relevantes. Existem dados que as empresas recebem dos fornecedores e entregam para os clientes. Estes dados estão relacionados, por exemplo, à produção, armazenamento e transporte de produtos. Alguns dados são apenas registrados e outros sistematicamente transmitidos. A precisão e a rapidez no registro e recuperação destes dados são elementos de referência em qualquer sistema de rastreabilidade. Os dados de identificação devem estar interligados a um sistema de armazenamento que irá permitir o acesso de todos os elos da cadeia produtiva.

A rastreabilidade permite o fortalecimento do relacionamento do produtor com os seus fornecedores e a conexão de todos os elos da cadeia produtiva. Todo o caminho percorrido pelo produto necessita de uma gestão estratégica, ou seja, de procedimentos operacionais que facilitem e tragam melhorias para cada um dos elos da cadeia produtiva de alimentos .

Assim, baseando-se na RDC n°24/2015, da Anvisa, recomenda-se que as empresas além de terem um plano que inclua um modelo de mensagem aos consumidores, tenham um programa de rastreabilidade eficiente e o avaliem periodicamente para que tanto o interessado no recolhimento, quanto os órgãos de saúde pública consigam identificar com clareza, recuperar e destinar produtos não conformes.

Autores: Flávia Pimentel Mattosa; Gustavo Luis de Paiva Anciens Ramoa,b; Iracema Maria de Carvalho da Horaa

a Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ),

b Universidade Federal Fluminense (UFF), Faculdade de Farmácia

Referências

 ABNT. (2019). Sistemas de gestão de segurança de alimentos – Requisitos para qualquer organização na cadeia produtiva de alimentos – NBR ISO 22000:2019.

Brasil. (2015). RDC N° 24 de 08 de junho de 2015. Dispõe sobre o recolhimento de alimentos e a sua comunicação aos consumidores.

Brasil. (2019). Boletim Recall 2019. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/news/BoletimRecall.pdf>

Cordeiro, A. C. C. (2019). Análise do uso do código de rastreabilidade em produtos vegetais frescos e processados comercializados na cidade de Florianópolis/SC. Universidade Federal de Santa Catarina.

Furlan, D. B. F. Viabilidade de coleta de dados para implantação de sistema de rastreabilidade na cadeia produtiva de ovos. Programa de pós-graduação em Agronegócio e Desenvolvimento. Universidade Estadual Paulista.

Paripassu. Recall de alimentos: Prevenção e Resposta. Disponível em: <www.paripassu.com.br/blog>

Procon SP. (2019). Recall. Disponível em: <http://sistemas.procon.sp.gov.br/recall/>

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