Quais são os perigos de uma alimentação à base de plantas?

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Aceite. Não existe zero risco. Todo alimento pode veicular perigos, independentemente de ser de origem animal ou vegetal. O importante é estarmos cientes daquilo que é “normal e esperado” para mitigarmos estes riscos a um nível aceitável e, independentemente do hábito alimentar, proteger a saúde dos consumidores. Por isso é fundamental conhecer os perigos de uma alimentação à base de plantas, ou plant-based.  Este post não tem o enfoque de discutir benefícios ou limitações nutricionais de determinado tipo de dieta, e sim o de  jogar uma luz sobre o tema plant-based, usando o “abajour da ciência” de uma referência quentíssima, o “Thinking about the future of food Safety. A foresight report” da FAO, publicado agora em 2022. Ele deve servir de estímulo para a construção do HACCP para este segmento.

Considerações iniciais

Os perigos dos “plant-based” dependem de:

– Solo

– Água

– Insumos agrícolas usados onde as plantas de origem são cultivadas

-Como as plantas são colhidas, armazenadas, transportadas e processadas para obter os isolados de proteína

– Formulação

– Processamento

– Manipulação de produtos pós-processamento e em nível de varejo

– Implantação de práticas de gestão de segurança de alimentos adequadas

Perigos microbiológicos

A contaminação de plantas com patógenos pode ocorrer através do contato com fontes como esterco animal ou água contaminada. O alto teor de umidade e o pH neutro das alternativas de carne à base de plantas podem fornecer um ambiente adequado para o crescimento de patógenos de origem alimentar.  A adição de ingredientes não estéreis após a extrusão, a manipulação não higiênica e a contaminação cruzada podem introduzir microrganismos, necessitando de tratamentos adicionais. Em termos de armazenamento, para evitar a proliferação da atividade microbiana sugere-se que o sistema de armazenamento e manuseio de alternativas de carne à base de plantas deveria ser semelhante ao da carne crua. Pesquisas são necessárias para determinar se bactérias formadoras de endosporos resistentes ao calor, como Bacillus spp. e Clostridium spp. sobreviveriam ao processo de extrusão ou a quaisquer outros métodos usados no processamento.

Em temperaturas tradicionalmente usadas para destruir patógenos e reduzir microrganismos associados à deterioração em produtos de origem animal, muitas proteínas vegetais se desnaturam, o que afeta o sabor, a textura e o valor nutricional das alternativas à base de plantas. Isso requer a exploração de diferentes técnicas de processamento para alcançar a segurança dos alimentos, mantendo intacto o sabor e a textura dos produtos à base de plantas.

Perigos químicos

Micotoxinas: As micotoxinas presentes nas matérias-primas – cereais (aveia, arroz), nozes (amêndoa, noz), leguminosas (soja) – podem ser transportadas para produtos finais, como bebidas à base de plantas. Estudos mostraram a susceptibilidade de DON, aflatoxina B1, aflatoxina B2, aflatoxina G1, aflatoxina G2, ocratoxina A, toxinas T-2 e zearalenona. Bebidas de aveia, soja e arroz mostraram-se suscetíveis a DON, enniatinas e beauvericina.

Antinutrientes: Certos compostos naturalmente presentes nas leguminosas – ácido fítico, inibidores de protease, lectinas, saponinas, entre outros – podem reduzir a biodisponibilidade de nutrientes essenciais e interferir na absorção de minerais quando presentes na dieta em quantidades moderadas a altas.

Fitoestrogênios, como isoflavonas, lignanas e cumestano, encontrados em vários alimentos à base de plantas podem afetar o sistema endócrino, levando potencialmente a implicações adversas para a saúde. Os fitoestrógenos mais estudados são as isoflavonas (daidzeína, genisteína, gliciteína) encontradas principalmente na soja. Existem várias técnicas de processamento que podem ser usadas para inativar ou reduzir os níveis desses fatores antinutrientes.

Potencial alergênico: Um dos principais componentes proteicos das alternativas à base de plantas é a soja. Embora as alternativas à base de soja aos produtos lácteos possam ser preferidas por aqueles que são alérgicos ao leite de vaca, pesquisas mostram que as proteínas da soja podem desencadear reações alérgicas em indivíduos alérgicos ao leite de vaca, possivelmente pela reatividade cruzada entre caseínas do leite de vaca e o polipeptídeo B3 da globulina 11S da soja. Outros componentes de alternativas à base de plantas que podem causar reações alérgicas graves são nozes, outras leguminosas (amendoins) e cereais contendo glúten.

Alguns outros alérgenos também estão ganhando atenção, como trigo sarraceno e gergelim. Enquanto o primeiro se tornou cada vez mais comum fora da Ásia, onde é amplamente consumido, o segundo está ganhando atenção internacional e deve ser o nono maior alérgeno que deve ser rotulado nas embalagens de alimentos.

A doença celíaca é uma doença caracterizada por uma intolerância ao glúten, uma proteína importante encontrada em alguns cereais (por exemplo: trigo, cevada, centeio) .

Uma das principais fontes de proteína vegetal são as leguminosas (ervilha, soja, amendoim, tremoço, feijão verde, grão de bico, lentilha, outros feijões secos) e o potencial alergênico de várias delas já foi identificado e caracterizado. Há uma alta taxa de reatividade cruzada entre diferentes leguminosas, com indivíduos alérgicos a uma apresentando sensibilidade a outras, mas não necessariamente a todas. A tendência recente de adicionar fontes à base de plantas, como concentrados de proteína de ervilha e isolados de proteína de ervilha, em uma variedade de alimentos para adicionar volume e aumentar os níveis de proteína pode induzir reações alérgicas após o consumo. Indivíduos alérgicos a amendoim também podem ser vulneráveis a ervilhas e vice-versa

Perigos químicos decorrentes do processamento

A produção de compostos tóxicos devido ao processamento em alta temperatura de alternativas de carne à base de plantas ainda precisa ser investigada. Por exemplo: o potencial para a ocorrência de ésteres de ácidos graxos glicidílicos, 2-monocloropropanodiol (2-MCPD) e 3-monocloropropanodiol (3-MCPD), que são contaminantes induzidos pelo calor em alimentos. A possível ocorrência de ácidos graxos trans, que são formados durante a hidrogenação parcial do óleo vegetal, em certas alternativas à base de plantas, também precisará ser determinada.

Outros perigos químicos

Plantas podem absorver e acumular metais pesados do solo, o que pode levar à contaminação dos produtos finais com tais perigos químicos. Além disso, as concentrações de elementos de terras raras potencialmente tóxicos, como tálio e telúrio, estão aumentando em nosso meio ambiente devido às suas aplicações na agricultura e em várias indústrias. Esses elementos também foram detectados em vários alimentos à base de plantas (leguminosas, cereais, vegetais, entre outros) necessitando de avaliação de perigos. Também são necessárias pesquisas para avaliar outros perigos químicos, como resíduos de pesticidas e agentes antimicrobianos, que podem estar associados a ingredientes à base de plantas.

As preocupações de segurança da adição de leghemoglobina de soja a alternativas de carne à base de plantas, que é adicionada para melhorar o sabor de “carne” do produto, estão sendo exploradas atualmente. Correlações estão sendo feitas entre a alta ingestão de ferro heme, que pode ser obtido de produtos vegetais e animais, e um aumento nas reservas de ferro corporal com maior risco de diabetes mellitus tipo 2.

Comentários da autora do post, além do relatório-guia

Todos os produtos cultivados estão sujeitos a atingirem níveis residuais de pesticidas acima dos permitidos em legislação, ou terem um pesticida não autorizado presente no cultivo. Alguns princípios ativos degradam-se quando se respeita o período de carência, não chegando ao consumidor, mas outros são bastante resistentes, inclusive ao processamento. Temos que ficar atentos à regulamentação de diferentes países, pois o que é permitido em uma região do globo pode ser inaceitável em outra.

Nas formulações são utilizados farinhas e concentrados proteicos vegetais. A intenção é aumentar o valor nutricional, porém, ao se trabalhar com concentrados, proporcionalmente os perigos químicos também serão aumentados quando comparados com o vegetal in natura. Isso deve ser observado para definir níveis aceitáveis de perigos como micotoxinas e resíduos de agrotóxicos.

Note que há micotoxinas mencionadas no guia que não são referenciadas nas legislações brasileiras. Isso pode acontecer sempre que estudos avançam e se passa a conhecer mais sobre um determinado alimento. Espera-se que as empresas se antecipem e busquem entender preventivamente se determinados perigos ainda em estudos poderão surgir em seus alimentos.

Qualquer solo de circunvizinhanças afetadas por acidentes com radiação ionizante podem trazer perigos radiológicos em níveis inaceitáveis. Certas regiões também podem apresentar radiação natural, geralmente dentro de critérios de aceitação.

Perigos biológicos originados por contaminação cruzada e falhas de boas práticas de fabricação no ambiente, como Salmonella em produtos secos, e Listeria monocytogenes em produtos congelados ou resfriados, devem estar no radar.

A acrilamida não foi mencionada no documento, mas já há estudos específicos que averiguam se a presença de precursores, como açúcares redutores, não seria catalisadora da reação que dá origem a este possível carcinógeno, como por exemplo, durante a extrusão.

Por fim, devemos lembrar que talvez parte da população que priorize o plant-based restrinja suas opções alimentares. Assim, elas ficarão mais expostas a um tipo de alimento e terão uma frequência maior (e mais concentrada) de consumo de um determinado perigo em comparação a um público onívoro, por exemplo. Com isso, as métricas de Ingestão Diária Aceitável e outros parâmetros de segurança de alimentos para ela poderão ser um pouco diferentes.

Espero que estas informações iniciais tenham fomentado ideias para a Análise de Perigos de um HAPPC ou APPCC para “Plant-Based”.

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