Os pilares da segurança dos alimentos na produção de grandes volumes em cozinhas industriais

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O Food Safety Brazil fez dez anos, isto mesmo, dez anos. Muitas atualizações, conhecimento e interação foram proporcionados a nós, amantes da produção de alimentos. Em comemoração, venho aqui, desta vez, falar um pouco sobre produção em cozinhas industriais com grandes volumes de produção (>10.000 refeições/dia), principais cuidados e riscos, de acordo com o racional que utilizo quando estou nestas operações.

Um exemplo deste tipo de operação foi alvo de uma entrevista concedida ao blog logo após os Jogos Olímpicos Rio 2016, onde chegamos a servir 70.000 refeições/dia em um único restaurante, o Main Dining na Vila dos Atletas. Na época foi considerado o maior do mundo em funcionamento. A entrevista na íntegra pode ser vista neste link.

Embora hoje eu esteja focando o texto nas grandes produções, ele pode ser aplicado a todos os tamanhos de produção.

QUALIDADE DA ÁGUA

A primeira preocupação é sempre a qualidade da água utilizada.

É obrigação das cozinhas industriais garantir a sua potabilidade, afinal é o principal insumo, seja para a produção ou higienização.

Quando falo em garantir, é garantir mesmo. Não dá para confiar na água disponibilizada pelo poder público na maioria das cidades brasileiras, infelizmente. Isto pode ser comprovado aqui.

Além disto, quantas vezes você chega lá com o seu medidor de cloro ou pH (calibrados) e se depara com números diferentes dos exigidos legalmente?

A empresa deixa por isto mesmo ou toma uma ação para sanar o problema?

E os caminhões pipa e poços artesianos, sabe como controlá-los, garantir que entregam água potável? As tais fontes alternativas… Ahh, não se esqueça do gelo.

Muito se fala sobre limpeza dos reservatórios, por causa da exigência da legislação, mas vai muito além disto.

Isto porque não falei das análises laboratoriais necessárias.

ESTRUTURA FÍSICA

Uma estrutura física condizente é fundamental, estruturas que não foram projetadas para a produção de alimentos ou foram mal projetadas normalmente são a regra. Devemos ser capazes de retirar o melhor destes lugares quando pensamos em armazenamento, produção, leiaute dos equipamentos, fluxos, seja produtivo, operacional ou de resíduos. Mitigar é a palavra chave. Avaliar todas as alternativas e definir o melhor caminho sem perder de vista os riscos que não foram possíveis de eliminar. Estes terão que ser alvo de supervisão e avaliações constantes.

PRODUÇÃO EM LINHA

A produção em linha  é um fator essencial que está intrinsecamente ligado à estrutura física. O ponto de atenção aqui é saber alocar cada equipamento no seu devido lugar, pensando no fluxo, cruzamentos e no número de manipuladores presentes em cada operação.

Parece óbvio, mas não é… Em um estádio de futebol bem conhecido foi necessário alterar todo o leiaute de distribuição dos equipamentos da produção para ter uma operação minimamente aceitável na ótica da segurança dos alimentos, em uma edição da Copa América disputada aqui no Brasil.

QUALIFICAÇÃO DE FORNECEDORES, RECEBIMENTO E ARMAZENAMENTO

Estes são assuntos que deveriam ter maior destaque nas cozinhas industriais. Muitas vezes o problema nasce aí. Como funciona a sua qualificação de fornecedores? Algo além de preço e documentação legal? E existe uma avaliação de performance deste fornecedor? São bons caminhos.

E aquele recebimento que ficou esperando na doca porque o colaborador foi almoçar ou o turno vai mudar?

Tem também aquele produto que estava fora da temperatura e não foi observado, ou pior, foi avaliado e recebido mesmo estando fora dos parâmetros.

O correto é a amostragem e triagem para garantir a qualidade do que será colocado para dentro das instalações.

O que não estiver apto, não existe “jeitinho”, é nota de devolução (armazenado em área própria) ou lixo.

O que implanto ou verifico sobre armazenamento são as relações de distanciamento existentes nas regras de estocagem. Distância do teto, piso, entre os itens, segregação por tipo ou grau de risco. O que não falta são problemas aqui, tipo: acabou de chegar, o colaborador se enganou, só hoje está assim, e por aí vai. Aquela câmara fria em que a temperatura está fora da faixa só hoje, ou o condensador bloqueado por gelo…

HIGIENIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS, UTENSÍLIOS E ÁREAS PRODUTIVAS

Um ponto que deve ser muito bem elaborado, supervisionado e auditado com rigor é higienização de equipamentos, utensílios e áreas produtivas.

É intrínseco da cozinha industrial de grande porte a produção contínua, normal. O que coloco em todo e qualquer planejamento de operação é que a higienização faz parte do processo de produção (atenção que não estou falando daquela geral que se dá no final de todas as atividades).

Lembra daquele liquidificador que ficou com um resíduo após higienização e foi utilizado mesmo assim? Ou daquele forno combinado que não foi minimamente limpo entre produtos totalmente diferentes?

Atendendo a exigência da RDC 216, sempre elaboro um plano de limpeza macro, vinculado a um POP de higienização, contendo todos os equipamentos, utensílios e áreas, descrito de forma esquemática o passo a passo para cada item.

A utilização de limpeza concorrente e terminal é um grande diferencial.

TREINAMENTO CONTÍNUO E EFICAZ DOS MANIPULADORES

Sempre que falo de produção de alimentos reforço que o treinamento contínuo e eficaz dos manipuladores sobre BPF  e prevenção de DTA são os pontos mais fortes da organização. Eles é que são os principais players, não adianta ter tudo perfeito se o colaborador não sabe O QUE está fazendo e principalmente, o PORQUÊ das regras.

Construa um plano anual de treinamento básico e o incremente de acordo com a necessidade. Supervisione o dia a dia, instrua, de feedback (positivo ou negativo) mas sempre estimule o colaborador a fazer o certo, preferencialmente da primeira vez.

Não se esqueça de validar o plano com a alta direção. Você e a equipe irão precisar de tempo para realizar os treinamentos e normalmente a produção não irá permitir. A direção da empresa pode precisar alocar recursos para estas ações também, o que normalmente gera entraves ao processo. Tente mostrar que não treinar pode sair bem mais caro. Posso dizer que funciona.

Por falar em manipulador, como anda o controle dos ASO? Melhor, você participa da definição do tipo de análise que cada tipo de manipulador precisa estar sujeito ou fica só com a medicina do trabalho?  Tem muito PCMSO que existe só para cumprir tabela.

PROCESSOS PRODUTIVOS

Falei isto tudo e só agora cheguei aos Processos Produtivos. A atividade-fim da cozinha industrial, produzir alimentos.

Já se perguntou se seus processos estão alinhados a sua capacidade operacional, estrutura, equipamentos, nível de entendimento dos colaboradores? Faça sempre esta pergunta a você mesmo e aos seus pares.

Os processos são simples e diretos, sem retrabalho ou etapas que não agregam?

Infelizmente o que não falta é gente gastando tempo e dinheiro para sanitizar FLV que passará por cocção, por exemplo.

O contrário acontece também, às vezes “se esquecem dos processos”. Já pensou nas frutas sem serem higienizadas, com resíduo de terra e tudo mais? Já estava a caminho de ser servido em uma operação em que participei.

E aquele carrinho com o produto pré-pronto que sai de uma ponta da cozinha até a outra para ser finalizado e volta ao ponto de origem para ser armazenado, quem nunca?!

Por uns momentos precisamos sair do processo para pensar nas melhorias aplicáveis.

Um ponto congruente entre as cozinhas industriais é a falha no descongelamento das proteínas. Não compactue com isto de forma alguma. O risco em grandes volumes é gigante.

Posso citar um exemplo de um episódio em que tivemos de descartar uma tonelada  de peito de frango por falha neste processo. Doeu muito, mas foi melhor assim.

CONTROLE DE PRAGAS

Outro ponto que é frequente na lista de problemas é o controle de pragas. Normalmente se pensa que a aplicação de pesticidas é a única solução.

Infelizmente muitos desconhecem, ou se conhecem, não aplicam a regra dos 5 As.

O link abaixo traz algumas informações importantes sobre o controle de pragas. https://foodsafetybrazil.upper.rocks/dicas-para-elaborar-um-procedimento-documentado-sobre-controle-integrado-de-pragas/

TEMPO X TEMPERATURA E CONTAMINAÇÃO CRUZADA

Deixei estes pontos/conceitos para o final por considerá-los os mais importantes em toda a cadeia produtiva dentro da cozinha industrial.

Binômio tempo X temperatura e Contaminação Cruzada (sujo X limpo e cru X cozido).

Estes pontos devem ser controlados desde o recebimento da matéria prima, seu armazenamento, pré-processo, produção, armazenamento do produto final, distribuição e exposição.

Além disto, os temas devem ser alvo de treinamentos constantes para toda a equipe e toda falha que for observada deve ser imediatamente corrigida.

Controle estes dois pontos e terá pelo menos meio caminho andado.

Grandes produções, apesar dos inúmeros detalhes da operação, são um mundo fantástico. Quem já foi picado por este nicho sabe bem do que estou falando.

 

A foto mostra a montagem do Main Dinung, restaurante da Vila dos Atletas Rio 2016. Dá para ter uma ideia do tamanho da área física e consequentemente, da complexidade da operação.

Geidemar Ferreira de Oliveira é especialista em Controle da Qualidade e Toxicologia dos Alimentos pela Universidade de Lisboa.

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