Existem algumas possibilidades técnicas de limpeza dentro da indústria de alimentos: seca, úmida, manual, semi-automática e automática. A limpeza CIP, ou Cleaning in Place, é amplamente utilizada quando estamos falando de bebidas ou alimentos que tenham fluidez tal que possam ser processados em circuito fechado.
Você já parou para estudar o que as normas de certificação em segurança dos alimentos requerem para limpeza CIP? Se não, vou contar, pois transcrevi e comento aqui os requisitos de três esquemas adotados no Brasil.
FSSC 22000
A ISO TS 22002-1, que detalha os pré-requisitos do esquema preferido do Brasil, a FSSC 22000, é a única norma que nos dá uma definição (no item 3.10) do que vem a ser Cleaning in Place (ou “limpeza CIP”, como falamos no Brasil com um cacoete de redundância, já que praticamos anglicismo):
Cleaning in Place (CIP)
Limpeza de equipamentos através da circulação de um fluxo de soluções químicas, detergente e enxágue com água, dentro, por fora e sobre superfícies nos equipamentos ou sistemas sem desmontagem, projetado para o propósito.
A norma em si nos traz apenas dois requisitos explícitos sobre o assunto:
11.4 Sistemas Cleaning in Place (CIP)
Sistemas CIP devem ser separados das linhas de produção operantes.
Os parâmetros para o sistema CIP devem ser definidos e monitorados (incluindo tipo, concentração, tempo de contato e temperatura de qualquer químico usado).
Aqui entra um aspecto de engenharia e projeto sanitário importante. Destaco que “separação” das linhas em conceito de projeto sanitário envolve mais do que o óbvio e o macro, além de todos os tranques e tubulações. Um ponto de interface onde pode haver mistura do circuito são as válvulas, e por isso não perca este post.
11.5 Monitoramento da eficácia da sanitização
Os programas de limpeza e sanitização devem ser monitorados a frequências especificadas pela organização para garantir sua contínua adequação e eficácia.
Mais detalhes preciosos sobre como fazer aparecerão na leitura da norma BRCGS Food, mais adiante, e no final deste post.
SQF Código de Segurança de Alimentos, Edição 9:
11.2.5.4 Os sistemas de limpeza CIP, quando usados, não devem representar risco de contaminação química para matérias-primas, ingredientes ou produtos. Os parâmetros de limpeza CIP, críticos para garantir a eficácia da limpeza, devem ser definidos, monitorados e registrados (por exemplo, produto químico e concentração usados, tempo de contato e temperatura). Os equipamentos de limpeza CIP, incluindo esferas de pulverização, devem ser mantidos, e todas as modificações nos equipamentos de limpeza CIP devem ser validadas. O pessoal envolvido nas atividades de limpeza CIP deve ser efetivamente treinado.
O risco de contaminação química tem a ver tanto com a separação que a FSSC 2200 menciona, quanto com fatores operacionais e de uso da linha. Falhas neste sentido resultaram em dois casos de recalls famosos aqui no Brasil envolvendo bebida de soja em 2013 e um achocolatado em 2011.
Interessante que esta norma faz menção específica à manutenção dos “spray balls”, que conforme publicamos aqui, pode determinar o sucesso ou não da limpeza.
A gestão de mudanças, um componente de gestão de projeto sanitário, foi evocada. Não é raro linhas passarem por modificações, como terem a inclusão ou retirada de tanques, filtros, homogeneizadores, amortecedores e máquinas de envase depois do início das atividades! Então a avaliação dos riscos dessas modificações deve ser avaliada e se aprovada, validada.
IFS Food
A versão 7.0 da IFS Food não faz menção específica ao CIP nos requisitos de higienização, embora sejam extrapoláveis.
Esta é a norma mais prescritiva e autoexplicativa, e por isto deixei-a por último, para que possamos enxergar os requisitos como a base de uma série de boas práticas sobre o assunto CIP.
4.11.7.1 Todos os equipamentos do CIP devem ser projetados e construídos para garantir uma operação eficaz. Isso deve incluir:
- validação para confirmar o projeto correto e operação do sistema;
- um diagrama esquemático atualizado do layout do sistema CIP;
- onde as soluções de limpeza são recuperadas e reutilizadas, uma avaliação do risco de contaminação cruzada (por exemplo, devido à reintrodução do alergênico).
Aqui ficou bem destacada a importância da aplicação dos conceitos de projeto sanitário e engenharia incluindo instrumentação e qualidade da solda sanitária.
Isto faz todo o sentido, dado que num sistema fechado não enxergamos rotineiramente o que está acontecendo.
4.11.7.2 Limites de desempenho aceitável e inaceitável para os principais parâmetros do processo devem ser definidos para garantir a remoção dos perigos-alvo (por exemplo, sujidade, alergênicos, microrganismos, esporos). No mínimo, devem incluir:
- tempos para cada estágio;
- concentrações de detergente;
- vazão e pressão;
- temperaturas
Estes devem ser validados e registros de validação devem ser mantidos.
Aqui no blog temos várias dicas sobre validação de limpeza, incluindo alergênicos.
4.11.7.3 O equipamento CIP deve ser mantido por pessoal devidamente treinado para assegurar que a limpeza efetiva seja realizada. Isso deve incluir:
- concentrações de detergente devem ser verificadas rotineiramente;
- soluções pós-enxague recuperadas devem ser monitoradas para checar o acúmulo de residuais dos tanques de detergente;
- os filtros, quando instalados, devem ser limpos e inspecionados a uma frequência definida;
- quando utilizadas, as mangueiras flexíveis devem ser armazenadas de forma higiênica quando não estiverem em uso e inspecionadas em uma frequência definida para garantir que estejam em boas condições.
4.11.7.4 As instalações da CIP, quando usadas, devem ser monitoradas em uma frequência definida com base no risco. Isso pode incluir:
- monitoramento dos parâmetros do processo definidos na cláusula 4.11.7.2;
- garantir que as conexões corretas, a tubulação e as configurações estão implementadas;
- confirmar que o processo está funcionando corretamente (por exemplo, abertura / fechamento de válvulas sequencialmente);
- garantir a conclusão efetiva do ciclo de limpeza;
- monitoramento de resultados efetivos, incluindo a drenagem, quando necessário.
Os procedimentos devem definir a ação a ser tomada se o monitoramento indicar que o processamento está fora dos limites definidos.
Estes requisitos normativos, embora sejam genéricos e não contenham todas as respostas para um assunto com poucas referências bibliográficas, são um bom ponto de partida para quem pretende se aprofundar nos estudos sobre projeto sanitário e engenharia de CIP. Também nos ajudam a nortear um conjunto de práticas de gestão e operação diárias.
Espero que tenha lhe apetecido o gosto pelo tema, caso seja seu primeiro contato. Se for um expert, conte aqui o que mais é importante na sua opinião para evitarmos riscos de segurança de alimentos na limpeza CIP!
Leia também:
https://foodsafetybrazil.org/diretrizes-limpeza-higienizacao/
https://foodsafetybrazil.org/higienizacao-e-seguranca-de-alimentos/
Renato Ronchi
A engenharia de CIP durante o projeto e o fator mais importante para uma limpeza de sucesso, com segurança de alimentos garantida. Outro ponto muito importante para ser pensado, é manter facilitada a possibilidade de troca das vedações das centrais CIP e dos sistemas que recebem este tipo de limpeza, pois é comum haver desgastes de vedações devido contatos com químicos e temperaturas elevadas e as borrachas ressecarem. Quando não há troca nas vedações, danificadas é comum haver contaminações cruzadas.
Juliane Dias
Ótimo ponto, Renato! As vedações são uma barreira muito importante e são facilmente esquecidas.
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Stephanie Stein
Boa tarde, gostaria de conseguir as referências utilizadas para a criação deste post. Infelizmente não consegui acessar nenhuma das normas citadas sem ter de pagar pelo material. Seria possível acessar de outra forma?