O papel da avaliação quantitativa de risco microbiológico na gestão de alimentos

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A avaliação quantitativa de risco microbiológico (QMRA) é um dos elementos que compõe o processo de avaliação de risco, que se revela como uma evolução dos processos de gestão de segurança dos alimentos, visto que aborda toda a cadeia produtiva, desde a produção da matéria-prima até o momento do consumo. Para leites e derivados que são sujeitos a inúmeros desvios durante seu processo de fabricação (veja), torna-se uma ferramenta imprescindível.

A estrutura da QMRA se baseia na divisão de toda a cadeia de processamento em módulos de análise, nos quais são inseridos dados de prevalência, equações de microbiologia preditiva (que descrevem o comportamento de micro-organismos em determinadas condições), condições de estocagem, hábitos de consumo e dados de exposição. Como resultados, oferece uma estimativa de probabilidade numérica associada ao risco de infecção ou doença causada por determinado alimento, em uma população específica. Sendo assim, a complexidade do modelo de QMRA é proporcional ao número de etapas do processamento e ao número de parâmetros e condições que influenciam o comportamento do patógeno em estudo, como etapas em que ocorre crescimento, multiplicação ou contaminação cruzada.

Para nortear o alcance de objetivos no âmbito da QMRA, é utilizado o conceito de ALOP (Appropriate Level Of Protection), que define o limite tolerável de casos de doença ou contaminações, associado ao conceito de FSO (Food Safety Objective), que representa a concentração máxima de perigo no alimento no momento do consumo.

Por se tratar de uma ferramenta específica, é necessário desenvolver modelos de QMRA para cada alimento associado a cada patógeno de interesse, em determinada localização geográfica.  Para ilustrar a estrutura de um modelo de QMRA, vamos considerar um estudo abordando Listeria monocytogenes em um queijo maturado. Inicialmente, é necessário avaliar o módulo de matéria-prima, sendo necessárias informações de prevalência e incidência do patógeno no leite, condições de boas práticas de ordenha e saúde animal e condições de estocagem e transporte. No módulo de processamento da matéria-prima seriam considerados o tratamento térmico do leite (pasteurização) e condições de estocagem na planta. A seguir, no módulo de processamento do queijo, seriam avaliadas as etapas onde poderia haver desenvolvimento ou inativação microbiana, como nas etapas de coagulação (onde geralmente ocorre perda de células pelo soro) e maturação (onde geralmente ocorre inativação em função dos longos tempos utilizados), além de serem consideradas eventuais contaminações cruzadas (veja). Após, é necessário construir o módulo de varejo, no qual são abordadas condições de transporte e de estocagem no ponto de venda (temperatura, tempo de estoque), para finalmente construir o módulo de consumo, em que são considerados hábitos de consumo, estocagem doméstica e características da população local, assim como fatores de exposição.

É muito importante considerar as particularidades regionais no estudo, garantindo assim a aplicabilidade do modelo. Por exemplo: em estudos que abordam leite cru, onde é permitida sua venda, um dos fatores de maior importância é o comportamento do consumidor com relação à fervura do leite, ou seja, por quanto tempo e em qual temperatura isto ocorre, e qual a porcentagem de consumidores que efetivamente realiza este procedimento. Ao se avaliar diferentes tipos de queijo, é preciso avaliar se no costume local de consumo a casca é retirada ou consumida, assim como no caso de vegetais, em que os hábitos de sanitização devem ser considerados no modelo para fornecer a estimativa de risco mais próxima da realidade.

É importante ressaltar que a avaliação de risco comprova que não existe risco zero para alimentos. Ainda, evidencia que cada etapa da cadeia produtiva tem seu papel na segurança do produto final, fornecendo aos gestores de risco as informações científicas necessárias para a compreensão da natureza e magnitude do risco abordado, capacitando assim o planejamento de ações de controle e prevenção. A avaliação de risco também pode ser executada no sentido de avaliar a equivalência de processos tecnológicos para a inativação de um patógeno, comprovando a eficácia de novos processamentos frente aos tradicionais.

Os estudos existentes atualmente ainda são escassos, havendo a necessidade de desenvolvimento de modelos abordando uma maior diversidade de combinações patógeno/alimento em diferentes localidades, para o estabelecimento de limites reais no âmbito da gestão de alimentos internacional.

Autores: Gustavo L. P. A. Ramos1,2, Janaína S. Nascimento2  e Adriano G. Cruz2

1Departamento de Bromatologia, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal Fluminense (UFF)

2Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ)

Referências

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