O ano de 2022 foi marcado por graves crises em empresas de alimentos. Um deles ocorreu com uma indústria de petiscos animais e levou à morte uma centena de cães que consumiram o produto. A falha foi provocada quando o item gestão de fornecedores não foi tratado com a devida importância. Nenhuma das empresas percebeu que o fornecedor de propilenoglicol não possuía registro de seus produtos na Anvisa.
A falha no procedimento de gestão de fornecedor também não foi identificada pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) que realizava constantes fiscalizações nestas empresas. A falha foi coletiva e não isolada, várias empresas a cometeram.*
Como visto, a gestão de fornecedores de matérias primas, ingredientes, insumos e embalagens é extremamente importante para a observância de todos os riscos inerentes de todos os itens que fazem parte do produto.
A falha causou descrédito total das marcas dos produtos envolvidos e algumas empresas trocaram suas marcas de nome.
Recentemente, em fevereiro de 2023, a indústria do vinho está envolvida em uma grave crise causada na gestão de fornecedores terceirizados. Aproximadamente 200 trabalhadores da safra da uva foram encontrados em situação análoga à escravidão, submetidos a comer alimentos estragados, spray de pimenta, cassetetes e choques elétricos. As normas de qualidade abrangem normalmente prestadores de serviços como lavanderia, controle de pragas, fornecedores de comidas para refeitórios, mas deve ser contemplado também qualquer tipo de contratação de terceiros, inclusive de trabalhadores temporários.
Recordo minhas atuações, quando realizava treinamentos dos safristas em normas de BPF quando eles iniciavam seus trabalhos na vinícola e atuariam na colheita da uva. O programa contemplava vistoria aos alojamentos, higiene e saúde destes colaboradores (a empresa fornecia vários itens de higiene), vistoria do refeitório que fornecia os alimentos para estes trabalhadores. Então este não foi um erro coletivo, muitas vinícolas realizavam este procedimento porque acreditam e investem em gestão de qualidade.
Outro programa que auxilia e contempla a gestão de fornecedores terceirizados é o programa de compliance.
A gestão de fornecedores de serviços terceirizados compreende a conformidade a requisitos legais específicos onde se encaixa o contrato de empresas terceirizadas, que devem atender as regras de compliance que englobam a legislação trabalhista.
O compliance trabalhista é um programa de integridade adotado pelas empresas, cujo escopo é formado por condutas e políticas que visam mitigar riscos e prejuízos e evitar a responsabilização por condutas ilegais, por meio da adequação e respeito às leis, acordos e convenções coletivas de trabalho.
É por meio da política de compliance trabalhista que a empresa mantém todos os aspectos trabalhistas dentro da legalidade, desde o recrutamento e seleção de funcionários, até o momento de uma eventual demissão.
O compliance preserva os valores da empresa, da cultura, da sua imagem perante o mercado, transmitindo credibilidade e transparência em suas ações.
Pergunto: será que a indústria ainda não percebeu o quanto a não observância da legislação deprecia sua imagem? A sociedade não aceita práticas de escravidão e de negligência e este é um fator determinante na hora de decidir na escolha por uma marca.
Atualmente, não existe uma lei que regulamente o compliance trabalhista, mas aplica-se a lei de terceirização.
A lei da terceirização, de número 13.429/ 2017, foi criada com o objetivo de promover o trabalho terceirizado em qualquer âmbito de uma empresa, seja para atividade fim ou meio, bem como trouxe novos aspectos contratuais, que podem ser aplicados aos negócios vigentes à época da lei, desde que por acordo das partes com a definição dos requisitos que devem ser cumpridos.
Entendo que o sistema de integridade de uma empresa de alimentos deve ser adotado para evitar problemas sistemáticos. Se aplicarmos uma série de conhecimentos adquiridos por nós, podemos entender como a empresa pode ter um sistema robusto que possa evitar grandes crises.
A gestão deve ser transformadora com gestores imbuídos nestes preceitos e com conceitos claros na cabeça.
No conceito de gestão de riscos os executivos precisam entender que serão assediados, mas que os seus limites são muito claros com linhas que eles não podem ultrapassar, onde o fator limitante é a não aceitação da sociedade para uma série de práticas que podem ser utilizadas como desculpas para práticas adotadas pelo mercado. Riscos que podemos exemplificar como práticas de pagamentos obscuros, contratos entre concorrentes, contrato de fornecedores sem prévia avaliação (como os casos citados) e que podem comprometer a existência de sua empresa.
O bom gestor de qualidade deve estudar todos os cenários e quais são os fatores críticos que podem causar riscos ao negócio, daí vem a importância de trabalhar sempre próximo da alta direção, que por sua vez deve compreender a importância dos alinhamentos destes conceitos aos valores e cultura da empresa.
A estrutura da empresa deve ser de acordo com o risco detectado e deve ser alinhada às politicas e procedimentos.
Saber da lei, mas não poder controlar e saber quem vai controlar é meramente ter um pedaço de papel que não tem valor algum para a organização. Não adianta ter politicas bem intencionadas, bem escritas, sem aplicá-las.
Sugiro os tópicos abaixo para uma boa condução da política de compliance:
– Identificação e mitigação dos riscos de compliance;
– Estrutura global adequada ao nível de risco;
– Engajamento externo e compartilhamentos de práticas;
– Detecção e implementação de medidas de remediação;
– Controles digitais e monitoramento ágeis adequados à dinâmica dos negócios;
– Análise contínua de parceiros de negócios;
– Treinamento, capacidade e comunicação
*Relembre o caso da intoxicação dos cães por petiscos contaminados:
Uma centena de cães foi intoxicada pela ingestão de petiscos contaminados por etilenoglicol. O fornecedor do propilenoglicol utilizado na formulação dos petiscos enviou etilenoglicol, que é altamente tóxico e não alimentício, ao invés de propilenoglicol.