Meu estabelecimento de alimentos aderiu ao delivery. E agora? Basta avisar os clientes, anotar os pedidos e realizar a entrega; parece bem simples, mas não é. Muitos proprietários que sempre tiveram como patrimônio o contato direto com seus clientes, aquele atendimento olho no olho, de repente viram seus estabelecimentos fecharem da noite para o dia devido à pandemia. Como alternativa ao retorno das atividades, tiveram que lançar mão do sistema delivery para continuar no mercado. Nesse momento, o delivery tem sido uma fonte importante de receita para muitos negócios. Porém, adequar-se a ele tem demandado atenção, agilidade e cuidado redobrado com a segurança dos alimentos.
Se você é de uma destas empresas e está preocupado em garantir que aquele produto feito com muito amor, carinho e sobretudo segurança, chegue ao cliente com a mesma qualidade com que foi preparado e, principalmente sem risco de levar coronavírus ao cliente, esse post é para você. Embora os estudos existentes (ANVISA, FDA, European Food Safety Authority (EFSA), etc) não sejam totalmente conclusivos sobre a possibilidade de transmissão do vírus por meio dos alimentos, é de conhecimento geral que o microrganismo sobrevive em superfícies, e que o tempo de sobrevivência varia conforme o material, por isso é necessário cuidado ao realizar entregas.
A primeira questão a ser levantada é como garantir que aquele alimento que saiu da cozinha vai chegar até o cliente com a mesma qualidade com que foi preparado? As questões são maiores, pois além de manter a qualidade, é preciso chegar quente, não derramar, ter certeza de que ninguém vai violar o produto no caminho, etc.
Nesta quarentena vi um pouco de tudo, incluindo embalagens inadequadas ao tipo de produto, produto derramado, entrega errada (troca de pedido), produtos transportados de forma inadequada, para citar alguns problemas.
Ao optar pela oferta do serviço de entrega, a empresa deve se preparar de forma a passar segurança ao consumidor, aliás pesquisas apontam que este será o diferencial para o “novo normal” em serviços de alimentação. As empresas que conseguirem fidelizar clientes, passando confiança pelos procedimentos adotados em termos de higiene e medidas para evitar a disseminação do coronavírus, terão mais chances de fidelizar clientes e angariar novos. Portanto, não esqueça disso ao estruturar seu serviço delivery. Geralmente o consumidor escolhe primeiro aqueles estabelecimentos que ele conhece e nos quais confia, então você não pode desapontá-lo na entrega.
Alguns pontos importantes
– Higiene: é preciso preocupação ainda maior com a higiene e as boas práticas de produção, pois além do coronavírus, existem todas as doenças transmitidas por alimentos (DTAs) que não deixaram de existir por causa da pandemia, não é mesmo? A RDC nº 216/2004 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância sanitária) estabelece procedimentos de Boas Práticas para serviços de alimentação, visando garantir as condições higiênico-sanitárias do alimento preparado e aborda diversos itens essenciais para garantir a segurança dos alimentos, portanto vale a pena dar uma olhada.
– Cardápio: escolha pratos que sejam adequados para entrega, que não desmontem durante o percurso e que não percam a qualidade. Batata frita, por exemplo, a sua pode ser a melhor da região mas é difícil que ela resista à embalagem comum de transporte e não chegue murcha ao cliente, então que tal oferecer batata palha? Frituras em geral não vão bem nas embalagens de entrega e perdem a qualidade durante o percurso. Se tem dúvidas, faça o teste, experimente seus itens, mande entregar a alguém de sua confiança (um auditor anônimo) que possa lhe dar o retorno. Nas entregas procure oferecer como mimo algo que só você tem, seja um tipo de pão, uma conserva, algo que seja característico do seu estabelecimento, o cliente perceberá esse carinho.
– Organização: para oferecer este novo serviço, a empresa deve ter um planejamento mínimo para garantir as entregas de forma adequada, não fazer troca de pedidos, não errar na escolha dos pratos, etc. Aqui não se trata de improviso e sim de nova estratégia de negócio, mesmo que você se sinta forçado pelas circunstâncias a oferecer o serviço. Empresas que oferecem o serviço no improviso dificilmente vão consolidar as ações. Mesmo que a comida seja boa, logo o cliente escolherá outro fornecedor.
– Embalagens: as embalagens primárias devem ser escolhidas levando-se em conta uma série de questões, como o tipo de alimento que será embalado, a temperatura, presença de molho, etc.. Se tiver molho, deverão ser implantados procedimentos para evitar vazamentos, afinal o cliente quer receber o alimento quente ou frio conforme o caso e em ordem, não é mesmo? Durante a escolha de fornecedores é preciso avaliar a qualidade e a capacidade deles para garantir que você poderá usar o mesmo tipo de embalagem (isso gera confiança do cliente) todos os dias. Uma empresa que manda seu produto cada dia numa embalagem diferente mostra desatenção e descaso com seu produto.
Além disso, é importante lembrar que existem normas sanitárias sobre embalagens em contato com alimentos, item de suma importância para a segurança dos alimentos. Os fornecedores devem obedecer aos regulamentos específicos de cada tipo de embalagem conforme o material (plástico, metal, vidro, papel, cerâmica etc). Cabe ao fabricante do alimento estabelecer seus critérios de seleção de fornecedores com base na legislação sanitária, e exigir documentos e laudos analíticos que comprovem que a embalagem está de acordo com os requisitos legais, e portanto, são seguros para contato com alimentos.
Outro ponto importante é permitir que a embalagem seja higienizada pelo consumidor, conforme as recomendações do Ministério da Saúde. Cuidados com o armazenamento deste novo item no estabelecimento devem ser tomados, pois não queremos uma contaminação por poeira ou insetos, por exemplo. As embalagens secundárias, além de proteger seu produto, podem lhe servir de propaganda. Não esqueça também das questões de sustentabilidade que podem ser um diferencial para sua marca.
– Lacres de segurança: são um item importante para evitar violação das embalagens. Aproveite para colocar sua marca ou o telefone para realização de novos pedidos. Use a criatividade, esse item tem sido considerado essencial por muitos consumidores. Cabe a você dar garantias de que seu alimento não foi violado durante o transporte (no ano passado aconteceram vários escândalos nas mídias sociais sobre isso).
– Transporte: esse item é o mais complexo, pois embora não exista legislação federal exclusiva, cabe avaliar o que há relacionado ao tema nas normas sanitárias vigentes. A RDC nº 216/2004 da ANVISA é clara sobre as Boas Práticas para transporte de alimentos em serviços de alimentação, o qual deve ocorrer em condições de tempo e temperatura que não comprometa a qualidade higiênico-sanitária do alimento desde a distribuição até a entrega ao consumo. A temperatura deve ser monitorada nesta etapa. Além disso, o meio de transporte deve ser higienizado, e medidas para evitar vetores e pragas urbanas devem ser adotadas. Também o veículo deve apresentar cobertura para proteção de carga, não devendo transportar outras cargas que afetem a segurança do alimento. É evidente que aqui temos um ponto-chave com relação à manutenção de qualidade e segurança do produto que você preparou.
É relevante notar que, em relação à responsabilidade desta etapa, caso o transporte seja realizado pelo próprio estabelecimento, cabe a ele a responsabilidade pelo atendimento das Boas Práticas durante o transporte. Caso o estabelecimento terceirize o transporte, é possível entender que o terceiro também tem sua atividade caracterizada como serviço de alimentação e, portanto, deve cumprir as Boas Práticas. De acordo com a RDC nº 216/2004 da Anvisa, toda atividade econômica que inclua manipulação, preparação, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo é serviço de alimentação. No caso da terceirização, o estabelecimento fabricante do alimento também tem sua responsabilidade ao selecionar seu fornecedor para transporte do produto.
No estado de São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde apresenta a Portaria CVS nº 15/1991 do Centro de Vigilância Sanitária, a qual normatiza e padroniza o transporte de alimentos para consumo humano. Tal Portaria traz muitos requisitos de higiene no transporte de alimentos que devem ser obedecidos. É importante conferir!
A escolha de como será realizada a entrega deve ser bem pensada: a pé, carro próprio, terceirizado, bicicleta, etc. O cliente não quer realizar um pedido e esperar horas pelo produto. Marcar horário de entrega pode ser uma alternativa, porém veja se você conseguirá cumprir o prometido, caso contrário o cliente ficará irritado com a demora. Neste momento, há empresa entregando em carro próprio e colocando as embalagens no tapete do chão do carro, entregadores sem máscaras e sem cuidados com o distanciamento, por isso é importante que algumas questões sejam avaliadas:
– Quem vai fazer o transporte? Se você optar por fazer o transporte, onde e como vai fazer? Se optar pelo transporte terceirizado é preciso ter procedimentos para garantir: higiene dos contentores, treinamento dos motoristas (entregar peças e correspondências é bem diferente de comida- as docerias que o digam: preparar uma torta linda e o entregador deixar ela aos pedaços no cliente), o entregador conhece os procedimentos de higiene pessoal e dos contentores (as caixas térmicas podem ser fontes de contaminação e por isso devem ser lavadas com detergente antes de cada turno de trabalho, e higienizadas com álcool a 70% frequentemente) e tomar estes cuidados, como é realizado o controle de saúde deste prestador de serviço, os produtos são separados por categoria (não se entregam congelados, bebidas e pratos quentes ao mesmo tempo no mesmo contentor).
– Quanto isso vai custar? Aqui chamo atenção ao custo/benefício, pois não adianta ser barato e nunca conseguir entregar no horário ou ter produto derramado ou trocado ao chegar ao cliente. O consumidor está pagando pelo serviço, certo?
O entregador é parte do processo, precisa ser treinado; se for terceirizado precisa de atenção pois ele é a cara do seu negócio ao chegar no cliente. Muitos entregadores nem sabem o que estão transportando, outros sabem que a refeição deve ser gostosa e talvez algo que ele nunca comeu, que tal provar? Pesquisas americanas apontaram que 28% dos entregadores já provaram de suas entregas. É bom pensar sobre isso!
– Entrega ao cliente: muitos aplicativos estão oferecendo entrega sem contato e para isso a embalagem deve estar preparada (pense no feijão dentro de uma embalagem maleável pendurada no gancho do portão!), quais os cuidados o entregador está tomando em caso de contato com o cliente, se está mantendo o distanciamento, se usa álcool gel, usa máscara de forma adequada, como está recebendo o dinheiro e dando o troco, se as máquinas de cartão estão sendo higienizadas (uma dica é proteger a máquina com plástico filme para facilitar a higienização e evitar danos ao equipamento), se este entregador conhece os procedimentos em caso de tosse ou espirro e se faz isso de maneira adequada (já tem vídeos na internet de flagrantes de atos anti-higiênicos de entregadores).
Muitos clientes relatam problemas diretamente ao entregador, não se esqueça de conversar com eles para ter acesso a este feedback. A relação com o entregador tem mudado muito. Atenção ao tempo entre a realização do pedido e a entrega, se você não consegue atender a tempo, reorganize seu processo. Se for com hora marcada tem que cumprir, pode regionalizar as entregas, por exemplo.
Sob o ponto de vista sanitário, é válido enfatizar mais uma vez que, nesta etapa da entrega também cabem as Boas Práticas normatizadas pela ANVISA, como já citado anteriormente no item transporte. Além disso, quanto ao procedimento do entregador, é importante lembrar que, de acordo com a RDC nº 216/2004 da Anvisa, manipulador de alimentos é qualquer pessoa do serviço de alimentação que entra em contato direto ou indireto com o alimento. Ou seja, o entregador é manipulador de alimentos. Portanto, o entregador deve atender às Boas Práticas, o que inclui itens sobre condições de saúde, lavagem das mãos, asseio pessoal, práticas inadequadas (por exemplo, fumar, tossir, espirrar, etc), entre outros tópicos de extrema relevância para segurança dos alimentos.
– Formas de pagamento: os clientes preferem pagar via aplicativo. Se isso não for possível, ofereça opções e se usar máquinas de cartão tenha certeza de que ela está sendo higienizada de forma adequada e frequentemente. Você não precisa usar os aplicativos mais tradicionais se não quiser, existem aplicativos que podem ser personalizados ao seu negócio, basta você encontrar o que melhor atende sua demanda.
– Confiança do consumidor: o cliente precisa confiar no estabelecimento e no produto que está recebendo e cabe ao estabelecimento deixar claras as ações que está tomando neste momento, para garantir a segurança de seus produtos, seja no seu estabelecimento, seja durante o transporte.
Há recomendações para evitar alimentos crus ou mal cozidos, então cabe ao estabelecimento passar confiança de que a salada que está fornecendo não apresenta riscos graças aos procedimentos que está tomando. Mas, de forma geral, a segurança deve estar preservada se o estabelecimento seguir à risca a RDC nº 216/2004 da Anvisa, bem como outras regulamentações vigentes, uso de máscaras e luvas também pode ser boa ferramenta e deve ser avaliado caso a caso conforme orientações da NT nº 23/2020 da Anvisa.
Uma dica é usar as redes sociais ou mesmo folders para divulgar as ações que você está tomando, seja para informar ou receber feedback.
É importante que você substitua o contato que antes era frente a frente com o cliente, nem que seja por telefone ou aplicativos de conversa, não custa mandar uma mensagem para saber como foi a entrega, receber um retorno do cliente se ele está gostando do seu produto, muitas vezes ele mesmo dá dicas para você melhorar seu processo.
Segundo pesquisa realizada pela Galunion (especialista em foodservice) e o Instituto Qualibest (instituto de pesquisa), a principal preocupação do consumidor está na forma como a comida é preparada (56%), seguida de como a comida é embalada (19%) e como a comida é transportada/entregue (17%). Outro ponto relevante: a confiança no restaurante é o principal fator de escolha, e não promoções e descontos somente. Ainda nesta pesquisa, a questão das embalagens aparece preponderante, com a saúde em primeiro lugar, ou seja, 61% prefere receber refeições em embalagens que possam ser higienizadas ao serem recebidas em casa. Outros pontos são interessantes, com 21% desejando receber embalagens econômicas tamanho família, contrapondo 18% que preferem porções organizadas individualmente. É importante frisar que não há grande interesse em compra de bebidas hoje pelos consumidores, 41% afirmam que não compram bebida no delivery. Entre os que pedem, os refrigerantes com volumes maiores são os preferidos.
Cartilhas sobre o tema foram desenvolvidas por especialistas e podem auxiliar você a se preparar da melhor forma para oferecer este serviço. Elas poderão ser acessadas pelos links ao final deste post.
Para concluir é importante dizer que os negócios já estão em dificuldades por causa da pandemia e ninguém quer ver sua marca envolvida em escândalo por comida contaminada. Reflita! Procure testar todo seu processo, desde a embalagem, qualidade, tempo de entrega, etc. Você pode enviar a entrega a alguém de confiança e pedir seu feedback. Pense também no que você pode oferecer como diferencial (algum mimo como uma sobremesa, um recadinho direcionado, um frasquinho de álcool gel, ímã de geladeira com o telefone do restaurante ou coisas do tipo).
Acesse cartilhas de orientação
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/NO_08_SERVICOS_DELIVERY_DE_ALIMENTOS.pdf
https://abrasel.com.br/coronavirus/informacoes-e-orientacoes/
https://www.crn6.org.br/covid-19-crn-6-lanca-cartilha-seu-delivery-seguro-seu-alimento-protegido
https://drive.google.com/file/d/1u3vSZDLAqDJeVTLROp5WM5WcTED1tpKV/view
http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/NO_08_SERVICOS_DELIVERY_DE_ALIMENTOS.pdf
Outros links interessantes:
https://galunion.com.br/artigo-alimentacao-na-pandemia/
https://conteudo.galunion.com.br/pesquisa_alimentacao_na_pandemia_galunion
https://veja.abril.com.br/saude/coronavirus-mercado-delivery-covid-19/
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/zip/E_PT-CVS-15_071191.pdf
Meu agradecimento à colaboração para este post de Talita Santos Andrade, engenheira de alimentos e MBA em Marketing, especialista em Assuntos Regulatórios com mais de 12 anos de experiência e colunista deste blog.
Maria Cristina
Bom dia!
Como é um tema relativamente novo, gostaria de saber se há obrigatoriedade de rotulagem nutricional em embalagem delivery.
Grata,
Maria Cristina