É possível associar bem-estar na criação de poedeiras com a qualidade dos ovos?

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Há um crescimento constante nos índices produtivos de aves de postura, alcançados principalmente pelos avanços na genética, sanidade, nutrição, ambiência e manejo das aves. Entretanto, junto com estes avanços surgem diversos questionamentos a respeito do bem-estar animal, especialmente quando se trata do sistema intensivo de criação de poedeiras com o uso de gaiolas, já que estas limitam as atividades comportamentais da ave. Diante disso, os sistemas de criação alternativos estão sendo cada vez mais estudados.

O ovo “caiu nas graças” dos consumidores de variados perfis e atualmente é uma das fontes de proteína animal mais consumidas no país (255 unidades per capita, segundo os dados da ABPA, 2021). Assim, apesar de ser um segmento em franco crescimento, transformações no sistema de produção de ovos brasileiros são previstas para um futuro próximo, da mesma forma como tem ocorrido em países da União Europeia e da América do Norte.

Atualmente, cerca de 95% dos produtores de ovos brasileiros trabalham com sistemas intensivos de criação. Porém, pressões de grupos nacionais, internacionais e da sociedade civil preocupados com o bem-estar animal têm feito com que subsidiárias de grandes indústrias do ramo alimentício realizem comprometimentos públicos pelo fim das gaiolas na produção nacional de ovos. Assim, muitas dessas indústrias e redes de restaurantes comprometeram-se a deixar de usar ovos produzidos por galinhas criadas em gaiolas convencionais a partir de 2025.

Este fato gera uma quebra de paradigmas na produção de ovos brasileira. Avicultores que antes mantinham o foco apenas na produção, agora veem o conforto animal como uma forma de aumentar a produção e agregar valor ao produto.

Entre os principais sistemas de criação de poedeiras visando o bem-estar, estão o  cage free, o free range, o caipira e o orgânico.  Estes sistemas apresentam peculiaridades conforme pode ser visto no quadro abaixo, mas possuem em comum o fato de retirar as aves das gaiolas permitindo que elas tenham maior conforto e possam expressar seus comportamentos naturais.

Características dos sistemas de criação de poedeiras com ênfase em bem-estar

 

Sistema de criação

 

Densidade na área coberta (galpão)

 

Acesso à área de Pastejo?

 

Alimentação

 

Uso de melhoradores de desempenho

Cage free Piso ripado (9,1 aves/m²); galpão de piso único (7,1 aves/m²).

 

Sem acesso Ração preparada com ingredientes de origem vegetal Proibidos: antibióticos preventivos e coccidiostáticos

 

  Free range 9 aves/m² 0,19 m²/ave Pasto e ração preparada com ingredientes de origem vegetal Proibidos: antibióticos preventivos e coccidiostáticos

 

 Caipira 7 aves/m² 0,5 m²/ave Pasto e ração preparada com ingredientes de origem vegetal Proibidos: antibióticos preventivos e coccidiostáticos

 

Orgânico 6 aves/m² Sistema intensivo: 3 aves/m². Sistema rotacionado: 1 ave/m². Pasto e ração preparada com ingredientes de origem vegetal (80% da ração deve ser com ingredientes orgânicos autorizados pela certificadora) Proibidos: antibióticos preventivos e coccidiostáticos.

1Normas de acordo com a lei nº 10.831, de 23/12/2003 e regulamentado pelas IN nº46 de 06/10/11 e IN n°17, de 18/06/2014.    Fonte: Adaptado de Silva (2019); Certified Humane Brasil (2018).

Estes sistemas alternativos de produção melhoram o bem-estar animal, mas não podemos deixar de dar importância ao produto final que é o ovo. Uma das grandes preocupações é com a qualidade química, física e microbiológica do ovo, já que nestes sistemas o maior contato dos ovos com as excreções presentes no ninho ou na cama pode gerar maior penetração dos microrganismos no interior dos ovos, com maior risco à segurança do alimento e menor tempo de prateleira.

Estudos associam um grande número de doenças transmitidas por alimentos (DTA) ao consumo de ovos in natura ou produtos que contenham ovos, contaminados com enterobacterias, em especial Salmonella sp. Sabe-se que independentemente do sistema de criação das poedeiras (intensivo x alternativo) não é possível garantir a inocuidade de um produto in natura como o ovo, porém técnicas adequadas de manejo podem melhorar a saúde das aves e minimizar os riscos de contaminação dos ovos.

Neste sentido, é importante que nos sistemas alternativos de criação de poedeiras sejam intensificadas as práticas de manejo nutricionais e sanitárias tais como:

– Balancear a alimentação de acordo com a idade e linhagem das poedeiras. Animais bem nutridos tendem a ser mais resistentes às doenças. Além disso, em sistemas nos quais não é permitido a utilização de antibióticos, o uso de aditivos fitogênicos como óleos essenciais, pré/probióticos e ácidos orgânicos auxiliam a prevenção de disbioses intestinais mantendo as aves saudáveis e, consequentemente,  produzindo ovos com menor possibilidade de contaminação;

– Aumentar a frequência de coletas dos ovos após a postura, realizando no mínimo três coletas diárias. A coleta deve ser feita até 4 horas após a postura. Para isso, o monitoramento dentro da granja deve ser rigoroso;

– Estimular a postura em ninho, realizando semanalmente a reposição do substrato (palha) e mantendo a relação de aves boca de ninho (5 aves: cada boca de ninho individual ou 0,8m2 para cada 100 aves)

– Fazer a troca de material de cama com frequência, para diminuição do risco de contaminação do ovo e também para que o animal possa estar em ambiente limpo, diminuindo o risco de patologias;

– Respeitar a densidade máxima de criação de acordo com o sistema de produção utilizado,  a idade e o peso das aves;

– Manter criteriosamente as técnicas de biosseguridade (tratamento da cama, limpeza, desinfecção, vazio sanitário, controle de pragas e roedores);

– Vacinar as aves de acordo com a necessidade regional, evitando ocorrência de doenças e infecções secundárias;

– Utilizar técnicas que reduzam a contaminação dos ovos como implantação de um rígido controle sanitário na granja como lavagem com água que esteja ao menos 10°C acima da temperatura dos ovos, secagem com ar filtrado, inspeção com luz (ovoscopia), detector de rachaduras, balança para classificação de ovos, detecção de sangue;

– Armazenar os ovos em local limpo, arejado e com temperatura entre 4 a 12oC e 70 a 85% de umidade relativa.

É importante enfatizar que há uma tendência mundial para a implantação de sistemas de produção de poedeiras comerciais que priorizem o bem-estar. No Brasil, embora a transição do sistema intensivo com gaiolas para a produção alternativa ainda seja tímida, algumas iniciativas de mudanças têm surgido.

Portanto, ao considerar a expressividade da produção nacional de ovos, o aumento do consumo consciente de uma parcela de consumidores e o compromisso público de grandes corporações em prol do bem-estar animal, estão abertas possibilidades para mudanças legais e para expansão de um nicho que já é realidade em muitos países.

Os sistemas alternativos de produção de ovos exigem técnicas de manejo, sanitárias e nutricionais próprias. Assim, pesquisadores, varejistas e  produtores brasileiros de ovos devem estar atentos às demandas destes sistemas para que possam associar de maneira positiva o bem-estar animal, produtividade e qualidade de ovos.

Autores: Hemylla Sousa Santos Barros, Cibele Silva Minafra, Fabiana Ramos dos Santos, todas do Instituto Federal de Goiás, campus Rio Verde

Referências

ABPA. Associação Brasileira de Proteína Animal. Relatório anual (2021). Disponível em:<https://abpa-br.org/abpa-projeta-desempenho-positivo-para-avicultura-e-suinocultura-em-2021-e-2022/ >Acesso em: 31 jan. 2022.

BARANCELLI, G. V.; MARTIN, J. G. P.; PORTO, E. (2012). Salmonella em ovos: relação entre produção e consumo seguro. Segurança Alimentar e Nutricional, v. 19, n. 2, p. 73-82.

BATISTA, E. S.; PEREIRA, D. F.; SANCHEZ, F. T.; GUIMARÃES, M. A.; NAGAI, D. K.; SOARES, N. M.; TOGASHI, C. K.; BUENO, L. G. (2012). Comportamento de uso do ninho e desempenho produtivo de poedeiras alojadas em diferentes densidades e tamanhos de grupo. Revista Educação Agrícola Superior, Brasília, n.27, v.2, p. 119- 123.

CALIMAN, C. Cage free: Galinhas livres de gaiolas é tendência mundial. (2019). Disponível em: <https://safraes.com.br/avicultura/cage-free-galinhas-livres-gaiolas-tendencia-mundial> . Acesso em: 26 jul. 2020.

CERTIFIED HUMANE BRASIL, Guia digital para criação de galinha poedeiras. [S.l.: s. n.], 2018. Disponível em: < http://materiais.certifiedhumanebrasil.org/guiadigital-para-criacao-de-galinhas-poedeiras >. Acesso em 02 fev. 2022.

DUTRA, D. R.; PASCHOALIN, G. C.; SOUZA, R. A.; MELLO, J. L. M. DE.; GIAMPIETRO-GANECO, A.; FERRARI, F. B.; SOUZA, P. A.; BORBA, H.;  PIZZOLANTE , C. C. (2021). Qualidade dos ovos frescos e armazenados em função do tempo de permanência nos ninhos em sistema cage-free. Research, Society and Development, 10(2) <https://doi.org/10.33448/rsd-v10i2.11881> Acesso: 31 jan. 2022.

MIRAGLIOTTA, M. Y. Ovo produzido sem gaiola: é viável ao produtor?. (2018). Disponível em:<http://conic-semesp.org.br/anais/files/2020/trabalho-1000005417.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2022.

SILVA, I. J. O. (2019) Sistemas de produção de galinhas poedeiras no Brasil. Disponível em:< https://eubrdialogues.com/documentos/proyectos/adjuntos/b26c49_X-GUIA-GALINHAS-2019.pdf> Acesso em: 01 fev. 2022.

VIEIRA, M. F. A.; TINOCO, H. F. F.; BARRETO, S. L. T.; COELHO, D. J. R.; SOUZA, G. S.; INOUE, K. R. A.; MENDES, M. A. S. A.; CASSUCE, D. C. (2014). Efeitos da densidade de alojamento e sistemas de criação sobre o comportamento, desempenho produtivo e a qualidade de ovos de poedeiras comerciais. Revista Eletrônica de Pesquisa Animal, v.2, p.169-185.

One thought on

É possível associar bem-estar na criação de poedeiras com a qualidade dos ovos?

  • Fernanda Spinassi Facca

    Prezadas Hemylla / Cibele / Fabiana, parabéns pelo conteúdo!
    As empresas que assumiram compromissos de migração para o uso de ovos com melhores condições de bem estar animal estão passando por uma fase de transição importante. Desde a concretização do compromisso transformada em práticas pela alta direção, o aumento do custo do produto derivado da matéria prima diferenciada e também da disponibilidade do insumo. Alguns fornecedores só terão disponibilidade daqui a 1 ou 2 anos….. então o planejamento vai fazer toda a diferença!!!
    Obrigada!

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