O dietilenoglicol é um composto químico usado em equipamentos industriais chamados trocadores de calor, pois à temperaturas negativas, ele não congela. Líquido, o dietilenoglicol praticamente não tem sabor, havendo descrição de ser ligeiramente doce e transparente, de forma que pode não ser facilmente percebido quando degustado.
Nos anos 30, foi pivô de tragédia da indústria farmacêutica nos EUA, pois um xarope para crianças tinha em sua composição este excipiente, que causava os seguintes sintomas: forte dor abdominal, interrupção da micção, náuseas, vômitos, cegueira, convulsões e coma. A morte ocasionada pela falência renal não era imediata, podia acontecer até três semanas da ingestão do medicamento. A substância que produz os sintomas é uma substância derivada do dietilenoglicol: o ácido oxálico, que forma cristais nos rins e os impede de funcionar corretamente.
Como funcionam trocadores de calor?
Um trocador de calor é um dispositivo para transferência de calor eficiente de um meio para outro. Tem a finalidade de facilitar s troca de calor de um fluido para o outro, encontrando-se estes a temperaturas diferentes. Na indústria de alimentos e bebidas, os meios são separados por uma parede sólida, de forma que o alimento e o fluido nunca se misturam. Existem vários modelos, como placa, espiral, casco e tubo (um reservatório, o casco, preenchido por vários tubos.
Já o trocador tubo em tubo, tube in tube no original, é constituído de um tubo dentro de outro e dentro da serpentina corre o líquido de troca de calor.
Podem ser usados para aquecer ou resfriar.
Fluidos que não congelam, como dietilenoglicol, são muito úteis para manter em circulação o material congelante que irá trocar calor com a bebida ou alimento. É uma tecnologia bem estabelecida, utilizada no mundo todo.
Legislações sobre fluidos para troca de calor para alimentos
No Brasil não temos legislação específica para trocadores de calor. Contudo, é de responsabilidade da indústria garantir a segurança dos produtos fabricados.
Os EUA têm uma lista específica de químicos permitidos para esta finalidade no 21 CRF 178.3570.
O FDA tem até um guia chamado “Heat Exchangers to Avoid Contamination”.
A NSF, também americana, tem um processo para registro de fluidos de trocadores de calor, nas categorias HT1 (eventual contato com alimentos) e HT2 (sem contato com alimentos) listados num Whitebook. Note que o dietileno não consta como HT1, não sendo permitido por exemplo, para ser usado em uma serpentina que esteja diretamente embebida num alimento ou bebida.
Algumas substâncias permitidas como HT1:
-Álcool etílico
-Glicerol (glicerina)
-Propilenoglicol
Todas em grau alimentício, ou seja, na pureza necessária para não ser um problema à saúde.
O dietilenoglicol pode ser registrado como HT2, desde que não tenha metais pesados ou comprovada não carcinogenicidade. Neste caso, pode ser usado em sistemas indiretos: dentro de uma serpentina que está separada por sua parede do contato com um fluido HT1. Este HT1 vai estar separado por uma parede do alimento.
Cuidados com trocadores de calor
Sabemos que a vida útil de um equipamento é limitada, e um dia eles poderão se deteriorar. Assim, é importante estar ciente de que vazamentos podem ocorrer por trincas, desprendimento de uma solda, uma rosca mal apertada e outras situações previsíveis.
Algumas maneiras de monitorar e evitar a migração de substâncias usadas em trocadores de calor:
1.Em primeiro lugar, somente utilizar substâncias que, em caso de vazamento, não comprometam a saúde.
Obs. É por isso que em normas de certificação, temos requisitos. A ISO TS 22002-1 estabelece no requisito 3.8: Lubrificantes e fluidos de transferência de calor formulados para serem adequados para utilização em alimentos e processos em que poderá haver contato incidental entre lubrificante e os alimentos.
2.Manter a pressão do produto que está passando na tubulação sempre maior que a pressão do líquido refrigerante, pois em caso de vazamento, quem se contamina é o fluido de refrigeração, e não o produto. Monitorar essa pressão. No auge da fermentação, a pressão do lado do produto pode ser maior do que a do interior da serpentina.
3.Realizar inspeção periódica e manutenção do equipamento, garantindo sua integridade. Há testes de estanqueidade realizados por empresas especializadas.
4. Instalação de alarmes baseados em variação de pressão no circuito do refrigerante ou de nível do reservatório do mesmo, que poderiam indicar os vazamentos.
5.Utilizar corantes ou substâncias que deem sabor ao fluido refrigerante, pois em caso de vazamento, o problema pode ser rapidamente detectado.
6. Conferir na hora de fazer a reposição do fluido, se está preenchendo com o material correto. Essa atenção é especialmente importante se na empresa houver outros fluidos de aspecto similar que não são de grau alimentício e apresentem risco à saúde, para não haver troca de um pelo outro.
Fontes das imagens:
https://en.wikipedia.org/wiki/Ethylene_glycol
https://www.enerquip.com/industries/brewing-beverage/
Este texto foi escrito com a colaboração de vários profissionais da área de engenharia de alimentos: Lucas Fonseca, José Luis Martini, Daniel Janke, Ricardo Gonçalves.
Ingrid Mengue Klaus
Parabéns pela agilidade nos esclarecimentos!!!!! hoje de manhã fui procurar material sobre o ocorrido e o blog sempre na frente!!!!!!
Juliane Dias
Oi Ingrid, obrigada pelas palavras de incentivo. Você também foi uma das primeiras a buscar informação atualizada! 🙂
Juliane
wilian carlos cecilia
Um pequeno esclarecimento, trocadores casco e tubo, ou Shell and tube do original, são formados por um reservatório (casco) preenchido por vários tubos.
Já o trocador tubo em tubo, tube in tube no original, é constituído de um tubo dentro de outro.
Juliane Dias
Obrigada, Wilian. Editei o texto.
Humberto Cunha
Parabéns pela agilidade e esclarecimentos!
Juliane Dias
Oi Humberto, obrigada. Como você sabe, o tempinho à menos de sonho vale a satisfação de no dia seguinte saber que informação bem embasada está ajudando as pessoas a tomarem decisões corretas.
Um abraço, Ju.
Marcos Viana
Oi Juliane, Bom dia!
Parabéns pelo artigo postado.
Leda Burdzaki
Sobre esta parte: “Os EUA têm uma lista específica de químicos permitidos para esta finalidade no 21 CRF 178.3570.”
Esta referência trata de fluidos lubrificantes, não de fluidos refrigerantes.
Juliane Dias
Olá Leda, bem observado.
Também notei este fato e consultei a NSF. O FDA agrupa toda a família de químicos na categoria de lubrificantes. Muitos fluidos de troca de calor tem propriedades lubrificantes e vice-versa. A NSF acomoda na família H todos eles. Ex: H lubrificantes, HT fluidos de troca de calor, e HTX, ingredientes para fluidos de troca de calor.
Juliane
Evandro Arantes
Sobre o que pensa a FDA, é que do ponto de vista molecular, quando você altera PF ou PE você pode na verdade estar “lubrificando” internamente a molécula fluente ao meio requerido à alteração. Por isso do ponto de vista químico lubrificar e refriger são bem proximos.
Juliane Dias
Obrigada por complementar o conteúdo, Evandro.
Rosemary Gallindo
Parabéns Juliane!
Nota 10 pelo artigo! Perfeito!
Juliane Dias
Oi Rose, que bom te ver sempre buscando atualização. Juliane.
MÁRCIA CRISTINA BEDUTTI
Excelente post Juliane, obrigada por compartilhar.
Juliane Dias
Oi Márcia, que bom saber que foi útil para você. Um abraço.
Juliane
Carolina Alcover Rodrigues
Parabéns pelo conteúdo e agilidade Ju!!
Juliane Dias
Obrigada, Carol. E que bom que temos a NSF disciplinando os fluidos da família H (Lubrificantes, fluidos de troca de calor e ingredientes para fluidos de trocada de calor). Abraço!
Juliane
Ana
Segurança de alimentos é coisa séria. Obrigada por esclarecer mais essa, Ju;)
Thiago Lochini
Nossa. Excelente texto. Muito esclarecedor. A dúvida é. Com o aumento de cervejarias de pequeno porte, quantas delas possuem esse conhecimento pra evitar riscos a população?
Juliane Dias
Olá Thiago,
Segundo o depoimento de profissionais da área, o uso de dietilenoglicol (mais eficiente na troca de calor) não é esperado por cervejarias pequenas, por ter um custo maior do que o álcool etílico.
Sempre é bom trazer o tema da profissionalização dos artesanais, pois ainda há muito equívoco entre ser “caseiro” e ser feito em pequena escala, porém com todos os controles mínimos para preservar a saúde da população.
Juliane
Débora Buzinaro
Parabéns Juliane!!!
Ótimo artigo.
Léurie Martins
Juliane, obrigado pelo artigo e esclarecimentos!
Juliane Dias
Oi Léurie, obrigada pelas palavras de incentivo. Tenho certeza que você será mais um a multiplicar informação correta sobre o tema. Abraço, Juliane.
Léurie Martins
Claro!!! =)
A Segurança de Alimentos é uma ciência aplicada e prol da investigação e da certeza de que o óbvio quase sempre não é o que parece ser.
Bene Ribeiro
Juliane, Muito esclarecedor o artigo!! Agradecendo à todos os especialistas que colaboraram !!
Juliane Dias
Oi Bene, que bom te ver por aqui. É muito bom contar com uma rede que rapidamente se apoia e distribui conhecimento esclarecedor. Abraço, Juliane.
Mateus Dias Ferriera
No caso de fermentadores de parede dupla onde a serpentina fica entre essas paredes poderia ser utilizado HT2 de acordo com a legislação americana?
Juliane Dias
Oi Mateus,
Se pelo circuito, em caso de vazamento, não houver a possibilidade de contato direto, ainda que em pequenas quantidades, pode ser usado nesta categoria HT2. Juliane
Natália
Será que vem uma nova legislação brasileira para alertar sobre esse controle? Quando não vai pelo amor, vai pela dor (infelizmente)…
Mateus Dias Ferriera
Juliane, muitíssimo obrigado pela resposta. E obrigado pelo texto também. Você teria o texto original que explica sobre a relação entre os tipos de trocadores vs HT1 ou HT2?
Everton Moraes
Boa tarde Juliane.
Os fluídos refrigerantes de ar condicionado possuem compostos similares ao dietilenoglicol?
Minha irmã veio a óbito no final de 2019 e pergunto isso pois desde o início suspeitei que ela tivesse sido vítima de intoxicação por fluído refrigerante de ar condicionado, os sintomas apresentados são bem similares às vitimas do dietilenoglicol noticiadas recentemente.
José Lima
Olá Juliane, como sou engenheiro de outra área, gostaria de saber a sua opinião a respeito da causa da contaminação da cerveja em MG, pois ao que parece o etileno e o dietileno não deveriam ter contato com o alimento. Como sou da área de instalações, em face do seu artigo, me parece que houve um vazamento na tubulação do chiller, misturando os líquidos, já existe alguma ocorrência anterior desse tipo na literatura especializada? Parabéns pelo seu artigo, muito bom!
Reginaldo Ribeiro
Muito bom o artigo, esclarecedor e direto ao assunto, parabéns Juliane.
Júlio Cesar Ferreira
Parabéns Juliane, excelente artigo, em muitos casos a serpentina e soldada internamente entre as camisas do tanque o que não permite uma prévia manutenção em caso de oxidação, podendo ocasionar fissuras na solda e aumentar o risco de contato do líquido com a Cerveja.
izabel
muito esclarecedor eu não tinha conhecimento sobre estes procedimentos.
Mara
Parabéns pelo artigo, segurança alimentar é uma ciência complexa! Sempre aprendendo! Muito obrigada!
Ana Pelegrino
Muito Obrigada pelo esclarecimento, Juliane!
Como é bom ter fontes confiáveis de conhecimento na nossa área!
Parabéns!
LEILA MUSSI
Só concluo uma coisa: esse produto é um RISCO EM POTENCIAL para a saúde pública e saúde animal, uma vez mal utilizado!
Do jeito que andam as coisas…..boiada da solta….PL 1293…..estado fraco…..quadro efetivo de servidores da fiscalização no ralo…..e aí vai……pergunto:
CADÊ AS REGULAMENTAÇÕES PARA O USO DESSE PRODUTO EM INDÚSTRAIS DE ALIMENTO E DE ALIMENTAÇÃO ANIMAL?