Desregulares endócrinos de origem alimentar

3 min leitura

O IV Encontro dos Profissionais da Garantia da Qualidade foi palco para uma excelente palestra da Profa. Dra. Elaine Maria Frade Costa, cujos aspectos principais são resumidos aqui.

A palestrante trouxe a definição da Environmental Protection Agency para o termo desregulador endócrino.  

 Desregulador endócrino é o agente exógeno que interfere na síntese, secreção, transporte, metabolismo, ação ou eliminação de um ou mais hormônios  naturais circulantes responsáveis pela  homeostase, reprodução, desenvolvimento e/ou comportamento dos organismos.

 

São substâncias que interferem no sistema hormonal dos indivíduos, muitas vezes devido a similariedade das estruturas químicas destas substâncias com os hormônios.  O organismo passa a reconhecer os desreguladores endócrinos como se fossem hormônios.

 

Exemplos de substâncias desreguladoras do sistema endócrino são:

 

  • Pesticidas (DDT e methoxychlor);
  • Fungicidas (vinclozolin), Herbicidas (atrazine);
  • Químicos industriais (PCBs , PBBs e dioxinas);
  • Plásticos (ftalatos, BPA, alquilfenóis)
  • Fitoestrógenos (genisteina e coumestrol)
  • Fármacos (DES)

 Trata-se de substâncias amplamente utilizadas na cadeia produtiva de alimentos (Ex: BPA, pesticidas, fungicidas) ou então são naturalmente presente (Ex: fitoestrógenos presentes na soja).

 A palestrante apresentou os seguintes princípios fundamentais:

  • Idade da exposição =  as janelas de susceptibilidade são a fase fetal, infância e adolescência, fases em que o organismo passa por grandes mudanças.
  • Período de latência da exposição= doenças que apareceram na fase adulta têm base no desenvolvimento
  • Importância das misturas = diferentes classes de desreguladores endócrinos podem ser aditivas ou sinérgica.
  • Os desreguladores endócrinos apresentam dinâmica dose-resposta não convencional
  • Efeitos epigenéticos transgeracionais = efeitos não genômicos (ausência de mutação gênica)

 Em seguida, foram apresentados dados bem alarmantes sobre o efeito de cominações de desreguladores endócrinos, mais especificamente de antiandrogênicos no sistema reprodutivo de camundongos machos. Estes tiveram as consequências aumentadas quando foram submetidos a misturas quando comparado com estudos onde camundongos foram submetidos a substâncias individualmente.

Como não é possível realizar estudos similares com humanos, as informações sobre o impacto dos desreguladores endócrinos em humanos devem ser  extrapolados dos testes realizados em animais. 

Sabe-se que em humanos tem se observado um declínio das taxas de concepção nos USA de 44% desde 1960, além de um aumento das taxas de doenças da puberdade ou em adultas jovens (Ex: ovário policistico, endometriose). Estas alterações podem ter sido desencadeadas por fatores ambientais ou pela dieta.

Um dos principais desreguladores endócrinos obtidos pela dieta é a isoflavona, uma classe de fitoestrógeno, presente na soja.  Os fitoestrógenos são compostos não esteroides capazes de ativar os receptores de estrógeno devido à semelhança conformacional.

Existem poucos estudos sobre o efeito das isoflavonas em humanos, mas alguns resultados são:

  • Estudo (Zung A. et al. J.Pediatr.Gastroenterol.Nutr. 2008) evidenciou maior prevalência de broto mamário no 2°ano de vida nas meninas alimentadas com fórmulas a base de soja do que naquelas com leite materno ou de vaca.
  • Estudo (D’Aluisio AA et al. Environ.Health Perspect. 2010) indicou maior risco de tumor uterino nas mulheres que foram alimentadas com soja na infância.

 Sabe-se que o assunto é polêmico e dentre os fatores  de confusão, pode-se citar as diferenças no metabolismo das isoflavonas entre os modelos animais e humanos.

 Apesar de não existir dados conclusivos, a palestrante se mostrou preocupada com a grande ingesta de fórmulas infantis a base de soja por infantes de 0 a 1 ano (uma das janelas de susceptibilidade), já que o consumo deste alimento representa 50 a 100 vezes os níveis de estradiol na gravidez.

 Outro desregulador endócrino que merece destaque, segundo a palestrante, é o Bisfenol A.

 Trata-se de um dos químicos de maior produção mundial,  sendo

utilizado em plásticos com policarbonato, selantes dentários, resina epóxi entre outros materiais.  Esta substância foi encontrada em amostras de 93% dos indivíduos testados e tem a cadeia alimentar como principal via de contaminação.

 Estudo (Von Saal et al 2012) demonstrou que o Bisfenol A apresenta potente ação estrogênica, está relacionado com programação fetal da obesidade, fetos são muitos suscetíveis aos seus efeitos  e que reações adversas são provocadas com doses muito baixas.

 Os ftalatos também foram abordados, já que a exposição humana ocorre principalmente pela alimentação. São usados para dar flexibilidade ao PVC, material este que faz parte da composição de diversas embalagens primárias.

 Para concluir, a palestrante apresentou dados sobre a presença de desreguladores endócrinos na água de algumas regiões do mundo, inclusive do Estado de São Paulo.

 Em 400 amostras dos rios Sorocaba, Cotia, Atibaia e Reservatório Tanque Grande testadas por laboratórios renomados como UNICAMP, CETESB e Univ. Tenessee, 83%  apresentaram  elevada atividade estrogênica (estrona, estradiol, estriol, etinilestradiol , BPA, fitoestrógenos, etc).

 Segundo a especialista, os riscos associados aos desreguladores endócrinos pela ingestão de água potável não são avaliados no Brasil. Pouco se conhece sobre os efeitos crônicos na saúde da população exposta. Os critérios para o abastecimento de água potável no Brasil e no mundo são baseados em dados de toxicidade de compostos analisados individualmente não levando em conta as misturas.

Para o reuso seguro da água são necessários:

  • Avanços tecnológicos para medição dos desreguladores endócrinos
  • Monitorização intensiva do consumo e descarte de água de mananciais
  • Novas tecnologias de tratamento são necessárias para remover os desreguladores endócrinos da água e dos alimentos
  • Implementação de diretrizes que definam a concentração máxima aceitável de desreguladores endócrinos conhecidos e misturas na água de beber.

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