O IV Encontro dos Profissionais da Garantia da Qualidade foi palco para uma excelente palestra da Profa. Dra. Elaine Maria Frade Costa, cujos aspectos principais são resumidos aqui.
A palestrante trouxe a definição da Environmental Protection Agency para o termo desregulador endócrino.
Desregulador endócrino é o agente exógeno que interfere na síntese, secreção, transporte, metabolismo, ação ou eliminação de um ou mais hormônios naturais circulantes responsáveis pela homeostase, reprodução, desenvolvimento e/ou comportamento dos organismos.
São substâncias que interferem no sistema hormonal dos indivíduos, muitas vezes devido a similariedade das estruturas químicas destas substâncias com os hormônios. O organismo passa a reconhecer os desreguladores endócrinos como se fossem hormônios.
Exemplos de substâncias desreguladoras do sistema endócrino são:
- Pesticidas (DDT e methoxychlor);
- Fungicidas (vinclozolin), Herbicidas (atrazine);
- Químicos industriais (PCBs , PBBs e dioxinas);
- Plásticos (ftalatos, BPA, alquilfenóis)
- Fitoestrógenos (genisteina e coumestrol)
- Fármacos (DES)
Trata-se de substâncias amplamente utilizadas na cadeia produtiva de alimentos (Ex: BPA, pesticidas, fungicidas) ou então são naturalmente presente (Ex: fitoestrógenos presentes na soja).
A palestrante apresentou os seguintes princípios fundamentais:
- Idade da exposição = as janelas de susceptibilidade são a fase fetal, infância e adolescência, fases em que o organismo passa por grandes mudanças.
- Período de latência da exposição= doenças que apareceram na fase adulta têm base no desenvolvimento
- Importância das misturas = diferentes classes de desreguladores endócrinos podem ser aditivas ou sinérgica.
- Os desreguladores endócrinos apresentam dinâmica dose-resposta não convencional
- Efeitos epigenéticos transgeracionais = efeitos não genômicos (ausência de mutação gênica)
Em seguida, foram apresentados dados bem alarmantes sobre o efeito de cominações de desreguladores endócrinos, mais especificamente de antiandrogênicos no sistema reprodutivo de camundongos machos. Estes tiveram as consequências aumentadas quando foram submetidos a misturas quando comparado com estudos onde camundongos foram submetidos a substâncias individualmente.
Como não é possível realizar estudos similares com humanos, as informações sobre o impacto dos desreguladores endócrinos em humanos devem ser extrapolados dos testes realizados em animais.
Sabe-se que em humanos tem se observado um declínio das taxas de concepção nos USA de 44% desde 1960, além de um aumento das taxas de doenças da puberdade ou em adultas jovens (Ex: ovário policistico, endometriose). Estas alterações podem ter sido desencadeadas por fatores ambientais ou pela dieta.
Um dos principais desreguladores endócrinos obtidos pela dieta é a isoflavona, uma classe de fitoestrógeno, presente na soja. Os fitoestrógenos são compostos não esteroides capazes de ativar os receptores de estrógeno devido à semelhança conformacional.
Existem poucos estudos sobre o efeito das isoflavonas em humanos, mas alguns resultados são:
- Estudo (Zung A. et al. J.Pediatr.Gastroenterol.Nutr. 2008) evidenciou maior prevalência de broto mamário no 2°ano de vida nas meninas alimentadas com fórmulas a base de soja do que naquelas com leite materno ou de vaca.
- Estudo (D’Aluisio AA et al. Environ.Health Perspect. 2010) indicou maior risco de tumor uterino nas mulheres que foram alimentadas com soja na infância.
Sabe-se que o assunto é polêmico e dentre os fatores de confusão, pode-se citar as diferenças no metabolismo das isoflavonas entre os modelos animais e humanos.
Apesar de não existir dados conclusivos, a palestrante se mostrou preocupada com a grande ingesta de fórmulas infantis a base de soja por infantes de 0 a 1 ano (uma das janelas de susceptibilidade), já que o consumo deste alimento representa 50 a 100 vezes os níveis de estradiol na gravidez.
Outro desregulador endócrino que merece destaque, segundo a palestrante, é o Bisfenol A.
Trata-se de um dos químicos de maior produção mundial, sendo
utilizado em plásticos com policarbonato, selantes dentários, resina epóxi entre outros materiais. Esta substância foi encontrada em amostras de 93% dos indivíduos testados e tem a cadeia alimentar como principal via de contaminação.
Estudo (Von Saal et al 2012) demonstrou que o Bisfenol A apresenta potente ação estrogênica, está relacionado com programação fetal da obesidade, fetos são muitos suscetíveis aos seus efeitos e que reações adversas são provocadas com doses muito baixas.
Os ftalatos também foram abordados, já que a exposição humana ocorre principalmente pela alimentação. São usados para dar flexibilidade ao PVC, material este que faz parte da composição de diversas embalagens primárias.
Para concluir, a palestrante apresentou dados sobre a presença de desreguladores endócrinos na água de algumas regiões do mundo, inclusive do Estado de São Paulo.
Em 400 amostras dos rios Sorocaba, Cotia, Atibaia e Reservatório Tanque Grande testadas por laboratórios renomados como UNICAMP, CETESB e Univ. Tenessee, 83% apresentaram elevada atividade estrogênica (estrona, estradiol, estriol, etinilestradiol , BPA, fitoestrógenos, etc).
Segundo a especialista, os riscos associados aos desreguladores endócrinos pela ingestão de água potável não são avaliados no Brasil. Pouco se conhece sobre os efeitos crônicos na saúde da população exposta. Os critérios para o abastecimento de água potável no Brasil e no mundo são baseados em dados de toxicidade de compostos analisados individualmente não levando em conta as misturas.
Para o reuso seguro da água são necessários:
- Avanços tecnológicos para medição dos desreguladores endócrinos
- Monitorização intensiva do consumo e descarte de água de mananciais
- Novas tecnologias de tratamento são necessárias para remover os desreguladores endócrinos da água e dos alimentos
- Implementação de diretrizes que definam a concentração máxima aceitável de desreguladores endócrinos conhecidos e misturas na água de beber.