Crossing over de cultura de segurança dos alimentos e cultura organizacional

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Nos dez anos do Food Safety Brazil, trago uma reflexão para todos nós da cadeia de alimentos. É hora de mergulhar de cabeça no tema cultura de segurança dos alimentos. A questão é: não podemos fazer isto somente do ponto de vista técnico.

O blog já nos proporcionou alguns momentos interessantes falando de cultura de segurança dos alimentos. Insights podem ser vistos aqui.

A cultura de segurança dos alimentos deve ser o princípio básico dentro da cultura organizacional em todas as empresas que produzem, transformam, armazenam ou transportam alimentos, incluindo seus fornecedores. Deve ser, mas não é. Na verdade estamos longe disto.

Cultura de segurança dos alimentos não está na ótica do princípio na maioria das organizações, não está na base do DNA,  infelizmente. O que vemos, por vezes, é a segurança dos alimentos elencada na lista de valores da empresa, dentro da sua cultura organizacional.

Vale lembrar que estar nesta lista está longe de dizer que tem o seu peso reconhecido.

Princípio tende a ser inabalável, imutável, enquanto valores são maleáveis, mudam com o passar do tempo, inclusive sob a ótica da cultura instaurada na organização.

A cultura organizacional será a responsável por direcionar os caminhos da empresa através do planejamento estratégico e seus objetivos, balizados pela missão, visão e os valores.

Sendo assim, não seria correto a cultura de segurança dos alimentos ser o caminho orientador da cultura organizacional?

Na teoria sim, na prática nem tanto…

Pense: o que a alta direção faz para difundir e enraizar a cultura de segurança dos alimentos na organização? Provê todos os meios necessários? Colaboradores realmente capacitados? Conversa ou promove ações para todos os colaboradores com a frequência mínima necessária? Mede o nível desta cultura dentro da organização? É o pilar nas tomadas de decisões (principalmente as de grande impacto financeiro)? É exemplo nas suas ações?

Na maioria dos casos, a resposta é não para todas as perguntas acima.

A ação que deve ser priorizada neste momento é fazer a alta direção entender que a implantação da cultura de segurança dos alimentos é o caminho para a perpetuação e saúde financeira da empresa. Ainda é muito difícil este entendimento.

Vejo o conceito de cultura de segurança dos alimentos ser citado com frequência atualmente, porém somente pelo corpo técnico, principalmente por motivos de certificações no âmbito GSFI.

Temos que entender que enquanto o tema ficar enclausurado e não galgar voos até os donos, CEO, diretores, presidentes, acionistas, enfim, quem está a frente do negócio, a cultura de segurança dos alimentos continuará a caminhar a passos muito lentos.

Acredito que cabe a nós, corpo técnico, fazer parte desta mudança.

Precisamos fazer chegar ao andar de cima as informações financeiras referentes ao tema.

Podemos, por exemplo, citar as perdas com reprocessamentos e retrabalhos, perdas operacionais, absenteísmo, rotatividade de funcionários, food fraud e, claro, a possibilidade de recall.

Não tenho a menor dúvida de que todos os itens citados acima terão melhorias nos seus indicadores, ou redução da probabilidade de ocorrer, com a implantação, disseminação e perpetuação da cultura de segurança dos alimentos.

O que deve estar em jogo sempre é o valor que a empresa possui frente aos seus consumidores. Isto é intangível, é o maior ativo que se tem e a alta direção sabe disto, mesmo que por vezes as ações se mostrem em direção contrária.

Afinal, já não se priorizou o financeiro em vez da segurança de alimentos?

Muitas vezes a empresa opera com um desenho propício para isto acontecer, com ou sem aval da equipe técnica.

Aquela história de que no papel é lindo, mas na prática…

Cabe a alta direção demonstrar que todas as áreas da empresa, incluindo o setor administrativo, manutenção e empresas terceirizadas, devem atuar em sintonia, em prol do crescimento contínuo da cultura e segurança dos alimentos. Ganham todos.

A cadeia de alimentos inteira se fortalece e, o principal, a população tende a receber um alimento mais seguro do ponto de vista sanitário.

Entendo que, no cenário atual, é obrigação do profissional de segurança dos alimentos mostrar seguidamente os benefícios da cultura de segurança dos alimentos dentro da organização. Este é o único caminho para alavancar o assunto.

A semente já foi plantada pelas atualizações das normas internacionais focadas em segurança dos alimentos. A alta gestão é parte intrínseca do processo.

Não percam a oportunidade de levar o tema para uma reunião da alta direção, principalmente para as de planejamento ou demonstração de resultados, irá fazer toda a diferença.

Aproveite as “perdas financeiras “ atuais da organização, por falta de uma cultura de segurança dos alimentos, e canalize isto para as oportunidades da matriz SWOT. Trabalhe KPI específicos para estas perdas e não deixe de quantificar tangivelmente e intangivelmente um possível recall.

Estes números saltam aos olhos e tendem a um choque de realidade entre a cultura organizacional e cultura de segurança dos alimentos. É aqui que entra o crossing over destas culturas. Devem ser intimamente entrelaçadas e servirem de alicerce uma para a outra.

Alguns exemplos práticos do ganho financeiro das organizações com uma forte cultura focada na segurança dos alimentos:

  • Na Austrália, o foco na cultura resultou em uma redução de 70% nas reclamações de clientes e uma redução de 45% nos acidentes com afastamento em uma empresa de médio porte.
  • Nos EUA, em uma grande empresa produtora de alimentos, houve uma redução de 35% nas reclamações de clientes, redução no turnover de 23% para 12%, 50 por cento de redução na ocorrência de incidentes reportáveis além da melhoria de 32% na sua eficiência.
  • Também nos EUA, foi realizada uma pesquisa entre os 17.000 funcionários de uma empresa de distribuição de alimentos após foco na cultura e 91% se sentiram conectados aos valores da empresa, 91% entenderam como eles contribuíram para o sucesso da organização e 82% sentiram que a gerência se preocupava com seu bem-estar.

Sobre recall podemos citar:

  • De acordo com dados do FDA, a causa-raiz de recall – cerca de 26% da ocorrência – é o não cumprimento dos POPs e 32% estão ligadas a treinamentos inadequados. Estes e outros dados podem ser visualizados aqui.

Aos profissionais técnicos que atuam na cadeia dos alimentos e ainda não implantaram o conceito de cultura e segurança dos alimentos na cabeça ou aos que já possuem e não praticam, não percam tempo, é urgente.

Não tenho receio nenhum de dizer que a cultura organizacional, na área de alimentos, não irá sobreviver, a longo prazo, como ela é atualmente. Quem conseguir fazer este entrelaçamento com a cultura de segurança dos alimentos mais habilidosamente e rapidamente estará muito a frente, colherá frutos financeiros e encantara ainda mais seus consumidores.

A certeza é que estas culturas alinhadas têm um poder gigante de fidelizar, além de trazer mais segurança ao consumidor final. Verdadeira relação de negócios com ganhos bilaterais.

Geidemar Oliveira é farmacêutico industrial pela UFOP, especialista em Controle da Qualidade e Toxicologia dos Alimentos pela Universidade de Lisboa e MBA Gestão Empresarial pela FGV. Tem trabalhos realizados em cozinha industrial, catering, indústria de alimentos e grandes eventos nacionais e internacionais.

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