Considerações sobre o padrão microbiológico para Bacillus cereus em produtos lácteos

3 min leitura

Uma leitora nos escreveu questionando os padrões microbiológicos legais para Bacillus cereus. Segundo ela, os regulamentos permitem até 5000 UFC/g para leite em pó e a Anvisa só permitiria 1000 UFC/g para diversos outros produtos lácteos. Ela nos faz, então, quatro perguntas:

1 – Se posso tomar um leite com 5000 UFC/g, por que não posso comer um bolo ou sobremesa com 1000 UFC/g?

Bem, em primeiro lugar, o limite de Bacillus cereus em leite em pó é estabelecido pela Anvisa na Resolução 12/2001. Considerando amostragem indicativa, ou seja, com número de unidades inferior ao mínimo para compor um plano amostral representativo do lote, o limite é de 5000 UFC/g. Este valor não se aplica ao leite em pó destinado à alimentação infantil. Nesta mesma Resolução, vemos que a mistura em pó para o preparo de bebidas de base láctea tem o limite de 1000 UFC/g. Outros produtos lácteos, como sobremesas lácteas pasteurizadas, têm limite ainda menor, de 500 UFC/g.  Por que esta aparente discrepância?   

É preciso considerar que são produtos distintos e que serão consumidos de forma distinta. Enquanto a sobremesa está pronta para o consumo, o leite em pó deverá ser reconstituído antes de ser consumido, assim como a mistura em pó. A proporção normalmente utilizada para reconstituição do leite em pó é de 1 parte de leite em pó para 7 partes de água. Portanto, se dividirmos 5000 por 8, o valor encontrado está próximo de 500, considerando-se que resultados de análises microbiológicas têm uma amplitude elevada.

2 – Se eu usar leite em pó na minha formulação, como partir de uma matéria-prima com 5000 UFC/g e obter um produto final com menos de 1000 UFC/g?

O que vemos na indústria muitas vezes (quando se trata de processo de mistura simples, sem etapas para destruição de microrganismos) é ter que considerar o requisito legal aplicável ao produto acabado e, a partir da formulação, determinar valores mais restritos para a especificação de matérias primas. Nestes casos, não é possível se basear apenas nos valores previstos em legislação para estes insumos.  A partir daí, deve-se negociar com os fornecedores estas especificações como requisito de cliente.

Trocando em miúdos: se você utilizar mais de 10% de leite em pó na fórmula de um produto pronto para consumo que deverá ter menos de 500 UFC/g de Bacillus cereus, terá que negociar uma especificação mais restrita com seu fornecedor de leite em pó.

3 – Você faria recall de um produto cuja análise indicasse 1500 UFC/g?

A decisão de realizar ou não um recall a partir de um resultado de 1500 UFC/g de B. cereus depende do produto analisado. Se for leite em pó, não há necessidade; se for uma sobremesa láctea pronta para o consumo, sim.

4 – Qual a real quantidade de Bacillus cereus que causa danos à saúde?

B. cereus pode causar duas formas distintas de gastrenterite: a síndrome diarreica e a síndrome emética. Segundo Landgraf e Melo Franco, no livro Microbiologia de Alimentos (ed. Atheneu, 2005, p. 42), “estas síndromes só se manifestam quando um alimento contém número elevado de células viáveis de B. cereus: entre 10.000.000 e 100.000.000 de células/g”. No entanto, citando estudo da pesquisadora Regina Célia Milagres, o BAM – Bacteriological Analytical Manual (Rhodehamel & Harmon, 1995) informa que o consumo de alimentos com contagem de B. cereus acima de 1.000.000 UFC/g já é capaz de causar intoxicação alimentar.

E mais: já foram observadas cepas de B. cereus capazes de causar intoxicação alimentar com números bem mais baixos, entre 1.000 e 10.000 UFC/g, fato que suscitou a preocupação de produtores de alimentos.

É importante lembrar aqui que, para a maioria dos microrganismos, a questão sobre a dose infectante mínima não pode ser respondida facilmente. Deve-se ter em mente que entre os consumidores existem grupos especiais de risco – crianças, idosos, mulheres grávidas e pessoas imunodeficientes – que podem adoecer quando expostos a um número menor de microrganismos patogênicos. Além disso, há vários fatores fisiológicos que influenciam a dose infectante mínima, como o grau de acidez gástrica, o conteúdo gástrico, a microbiota intestinal e o estado imunológico da pessoa.

Autor Colaborador: Ana Cláudia Frota

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4 thoughts on

Considerações sobre o padrão microbiológico para Bacillus cereus em produtos lácteos

  • Everton Santos

    Outro fator a ser considerado é que como medida de segurança não devemos apenas trabalhar em cima dos limites máximos, ainda mais se tratando de contaminação microbiológica, a qual tende sempre a aumentar em condições favoráveis.

    • Humberto

      Perfeito, Everton, e neste caso os microrganismos são patogênicos.

  • Gabi

    Olá! Estou fazendo uma pesquisa sobre padrões de qualidade em cervejas artesanais. Fiz uma análise,mas estou com dificuldades em encontrar parâmetros da ANVISA ou do MAPA sobre as cervejas. No resultado da minha análise apareceu Bacillus cereus, mas não sei dizer se é preocupante ou não.

    • Humberto Soares

      Gabi,
      A RDC nº 331/2019 dispõe sobre os padrões microbiológicos de alimentos e sua aplicação e a IN nº 60/2019, estabelece as listas de padrões microbiológicos para alimentos. Entrarão em vigor a partir de dezembro de 2020. A Anvisa publicou em julho de 2020 um documento de “Perguntas e Respostas – Padrões Microbiológicos”. Este documento traz instruções sobre como proceder quando não há padrão estabelecido para determinado alimento. Segundo este documento, para diversos “alimentos” não foram incluídos critérios microbiológicos na Resolução, pois alguns podem possuir características intrínsecas que não permitem a multiplicação de micro-organismos (mel, bebidas alcoólicas, arroz e feijão crus, etc). Para os alimentos prontos para o consumo que não possuem uma categoria especificamente listada, aplicam-se os padrões da categoria “Alimento pronto para o consumo”. Para outras dúvidas, consulte diretamente o documento no site da Anvisa.

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