Câncer de mama e pesticidas: possível relação de causa e efeito

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O mês de outubro é marcado por um movimento internacional de conscientização para o controle do câncer de mama, o Outubro Rosa. Esta campanha, que foi criada na década de 1990 e desde então é celebrada anualmente, tem como objetivo compartilhar informações e promover a conscientização sobre a doença, proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e de tratamento e contribuir para a redução da mortalidade.

No ano de 2020, segundo o IARC, aproximadamente 2,3 milhões de novos casos de câncer de mama foram diagnosticados, representando 24,5% dos casos novos por câncer em mulheres naquele ano, também a causa mais frequente de morte por câncer nessa população.

O câncer de mama é uma doença complexa e apresenta diversos fatores de risco como idade, fatores endócrinos/história reprodutiva, fatores comportamentais/ambientais e fatores genéticos/hereditários. Segundo uma revisão feita por pesquisadores científicos em 2006, níveis elevados do hormônio estrogênio podem estimular o desenvolvimento do câncer de mama.

Com objetivo de proteger culturas agrícolas, os pesticidas são amplamente utilizados. O Brasil é o país que mais utiliza essas substâncias no mundo – cerca de 2.300 formulações são atualmente comercializadas em nosso país, incluindo produtos químicos altamente tóxicos já banidos em diversos países. Só no ano de 2020, segundo o MAPA, foram registrados 493 novos agrotóxicos. No entanto, sua aplicação indiscriminada (excesso de defensivo gerando Limite Máximo de Resíduos, acima do permitido, uso de pesticidas não permitidos para determinada cultura e ou não cumprimento do tempo de carência para colheita, etc) pode acarretar inúmeros prejuízos para saúde dos consumidores.

Para minimizar esse impacto, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) foi criado em 2001 com o objetivo de avaliar continuamente os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que chegam à mesa do consumidor. Desde a criação do PARA, já foram analisadas mais de 35 mil amostras referentes a 28 tipos de alimentos.

Para exemplificar como essas substâncias podem contribuir para o possível desenvolvimento do câncer de mama, vamos considerar dois importantes pesticidas utilizados em nosso país: o imidacloprido e o glifosato.

O imidacloprido é um inseticida usado no combate a pragas em diferentes tipos de plantações, e foi considerado o principal contaminante em alimentos, conforme o último relatório do PARA (ANVISA, 2019). Trabalhos científicos demonstraram que a exposição a este composto ocasiona alterações em genes que podem estar relacionadas com o desenvolvimento de câncer de mama hormônio-dependente, além de também apontar atividade estrogênica desta substância, mediada por ativação de receptores estrogênicos.

O glifosato é o pesticida mais vendido no Brasil, com mais de 195 milhões de toneladas comercializadas em 2019. Humanos são expostos indiretamente a este composto através do consumo de alimentos contaminados, como carnes, frutas e vegetais. Este herbicida é considerado um xenoestrógeno, pois possui atividade estrogênica, induzindo a proliferação de células de câncer de mama humano MCF-7 estrógeno-dependentes.

A existência destes estudos e seus preocupantes resultados evidenciam a importância de praticar a segurança de alimentos em toda a cadeia de produção de alimentos, desde o campo até a chegada às mesas dos consumidores, a fim de minimizar os impactos negativos na saúde.

Autoras: Viviane Pascotto, bióloga e doutora em Patologia pela Faculdade de Medicina da UNESP; Marina Trevisan Guerra, biomédica e doutora em Biologia Celular (Unicamp)

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Imagem: foto de Laura James no Pexels

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