O papel da água eletrolisada na segurança dos alimentos

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As Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) ainda são consideradas um importante problema de saúde pública em nível mundial (WHO, 2015). De acordo com dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016), mais de 500 surtos e casos de DTA foram registrados no ano de 2015 no Brasil, com uma taxa de letalidade de 0,08%. Desse modo, a Segurança dos Alimentos é de grande relevância, uma vez que visa garantir um alimento seguro ao consumidor pelo controle de todas as etapas da cadeia produtiva até o seu consumo. O grande desafio da Segurança dos Alimentos não é só eliminar os microrganismos patogênicos, mas garantir que o local seja seguro para o processamento, produção e manipulação dos alimentos, além de prevenir a contaminação cruzada e reduzir a carga microbiológica dos alimentos e utensílios utilizados na sua preparação. Na indústria, diversos programas de autocontrole são utilizados visando garantir a qualidade sanitária dos produtos alimentícios. Esses programas incluem a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC (BRASIL, 1998), as Boas Práticas de Fabricação – BPF e os Procedimentos Padrões de Higiene Operacional – PPHO (BRASIL, 2003), entre outros. Dentre eles, o sistema APPCC é apontado como princípio essencial de higiene e segurança dos alimentos (FAO & WHO, 2006), sendo apoiado por diversos órgãos regulatórios internacionais. Além desses programas, agentes químicos são tradicionalmente aplicados como forma de sanitização nas unidades processadoras de alimentos. Como método alternativo de limpeza e sanitização, a Água Eletrolisada (AE) vem ganhando destaque por apresentar vantagens em relação aos sanitizantes comuns, podendo ser utilizada como ferramenta para solucionar os desafios da Segurança de Alimentos.

Diversas aplicações são atribuídas a AE. Desde os anos 80, a AE tem sido utilizada na esterilização de instrumentos médico-hospitalares no Japão. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, ela tem sido popularizada na área de alimentos. Autores evidenciam o uso da água eletrolisada como desinfetante alternativo em superfícies e utensílios de aço inoxidável usados na manipulação de alimentos, sendo eficaz na limpeza e na sanitização desses locais. A AE também pode ser utilizada na redução da carga microbiológica de eletrodomésticos na área de alimentação, que são considerados fonte de contaminação cruzada. Sugere-se também um uso promissor na indústria de laticínios. Além disso, a AE pode contribuir para melhorar a qualidade microbiológica de produtos de origem animal e vegetal sem afetar a qualidade sensorial desses alimentos, atuando tanto na redução da carga microbiológica desses produtos, podendo aumentar a sua vida de prateleira, quanto na eliminação de patógenos. A AE tem se mostrado eficiente na redução e na eliminação de patógenos de alto risco como Escherichia coli, Salmonella enteritidis, Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, entre outros considerados importantes causadores de surtos de DTA. Entre os alimentos envolvidos em estudos e aplicações industriais estão frutas, hortaliças, vegetais minimamente processados, ovos, peixes e carnes. A lavagem de carcaças de animais com AE antes do abate também tem se mostrado eficiente na redução de microrganismos (HUANG et al., 2008; HRICOVA et al., 2008; HATI et al., 2012).

Produção

De um modo geral, a produção da AE se dá pela passagem de uma solução clorada por um equipamento de eletrólise, que provoca a dissociação dos íons através dos eletrodos de carga positiva e negativa. Desse modo, pode ser dividida em três principais tipos de acordo com suas características de potencial de oxirredução (POR), valor de pH e espécie de cloro livre:

– Água Eletrolisada Alcalina (AEA): apresenta POR menor que -800 mV, pH maior que 11 e mais de 95% de cloro livre na forma de íon hipoclorito (OCl).

– Água Eletrolisada Ácida (AEAc): apresenta POR maior ou igual a 1000 mV, pH de 2 a 3,0 e 95% de cloro livre na forma de gás cloro (Cl2).

– Água Eletrolisada Fracamente Ácida (AEFA): apresenta POR de 500 a 900 mV, pH de 5,0 a 6,5 e mais de  95% de cloro livre na forma de ácido hipocloroso (HOCl).

Essas características são importantes, pois estão envolvidas no efeito dos diferentes tipos da AE. Por exemplo, a AEA pode ser empregada como desengordurante por apresentar alta alcalinidade (NaOH). Devido ao seu pH e ao alto valor de POR, a AEAc pode afetar o potencial redox dos microrganismos, promovendo danos nas suas membranas internas e externas, provocando alterações no seu metabolismo. Outro fator importante a ser considerado é controle do pH da AE,  pois influencia diretamente na forma de cloro livre presente em solução. Em relação a isso, o HOCL é o que apresenta maior poder sanitizante em comparação com outras frações de cloro livre devido a sua capacidade de penetração celular. O HOCL se mostra eficaz contra bactérias, fungos e vírus, necessitando de menor tempo de contato para sua ação. Sendo assim, estudos relatam que a AEFA apresenta maior eficácia de sanitização em relação à AEA e até mesmo aos sanitizantes comumente utilizados na indústria (HUANG et al., 2008; HRICOVA et al., 2008;).

Vantagens e desvantagens

Entre as vantagens da utilização da AE, está sua fácil utilização e aplicação, podendo ser produzida no próprio local de trabalho. Para sua produção, requer um equipamento de eletrólise e uma solução clorada (geralmente solução de cloreto de sódio), reduzindo necessidade de transporte e armazenamento de agentes químicos. Além disso, em comparação com desinfetantes clorados comuns, como o hipoclorito de sódio, a AE (em especial a AEFA) não provoca irritação na pele, conferindo segurança ao manipulador. Após seu uso, a AE volta ao seu estado original de água normal, sendo também considerada uma tecnologia segura para o meio ambiente.

O custo do equipamento é considerado uma desvantagem, já que exige alto investimento inicial. A liberação de gás cloro em alguns equipamentos pode gerar algum desconforto para o operador. Ainda, seu potencial de ação é reduzido na presença de matéria orgânica, sendo rapidamente inativada. Por isso é necessário um suprimento constante de AE dependendo da sua finalidade (HRICOVA et al., 2008; HATI et al., 2012).

Certificação

A AE é reconhecida por órgãos norte-americanos como FDA – Food and Drug Administration (agência norte-americana reguladora dos setores alimentícios e de medicamentos), USEPA – United States Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental) e USDA -United States Department of Agriculture (Departamento da Agricultura dos Estados Unidos) para fins de descontaminação de superfícies e na produção e processamento de alimentos. 

Diante do exposto, nota-se a importância da AE na Segurança de Alimentos devido às suas diferentes propostas de utilização: desde a higienização de superfícies até o controle microbiológico e redução de patógenos de alguns alimentos. É importante ressaltar que todos os programas já estabelecidos (APPCC, BPF, PPHO) fazem parte das etapas de controle da cadeia produtiva de alimentos, e a AE pode ser utilizada para contribuir com esse sistema visando garantir a segurança do consumidor.

Referências

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos e a Lista de Verificação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos produtores/Industrializadores de Alimentos. 20p. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 23 de out. 2003.

BRASIL. Ministério da Agricultura e Abastecimento. Portaria n. 46, de 10 de fevereiro de 1998. Institui o sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle: APPCC a ser implantado nas indústrias de produtos de origem animal. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 10 fev. 1998.

BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças Transmitidas por Alimentos. 2016, 11p. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/10/Apresenta—-o-dados-gerais-DTA-2016.pdf. Acesso em maio de 2017.

FAO & WHO. Food e Agriculture Organization of the United e World Health Organization. FAO/WHO guindance to governments on the application of HACCP in small e/or less-developed fodd busines. FAO, Food e Nutrition paper. 2006. 84p. Disponível em: <http://www.who.int/foodsafety/publications/fs_management/HACCP_SLDB.pdf>. Acesso em maio de 2017.

FDA & EPA. Certifications of Electrolyzed Water. 2p. 2016 Disponível em: http://www.environize.ca/wp-content/uploads/2015/03/FDA-EPA-Approvals-s.pdf. Acesso em maio de 2017.

HATI, S. et al. Electrolyzed Oxidized Water (EOW): Non-Thermal Approach for Decontamination of Food Borne Microorganisms in Food Industry. Food and Nutrition Sciences, v. 3, p. 760-768, 2012. Doi:10.4236/fns.2012.36102.

HRICOVA, D.; STEPHAN, E.; ZWEIFEL C. Electrolyzed Water and Its Application in the Food Industry. Journal of Food Protection, v.71, n.9, p.1934–1947, 2008. Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18810883. Acesso em maio de 2017.

HUANG, Y-C., HSU, S-Y.; HUANG, Y-W.; HWANG, D-F. Application of electrolyzed water in the food industry. Food Control, v. 19, n. 4, p. 329-345, 2008. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0956713507001697. Acesso em maio de 2017.

USDA. U.S. Department of Agriculture. National Organic Program. Policy Memorandum. PM 15-4 Electrolyzed Water. In: National Organic Program Handbook: Guidance and Instructions for Accredited Certifying Agents and Certified Operations.  2 p. 2015. Washington, DC. Sept, 11, 2015.  Disponível em: https://www.ams.usda.gov/sites/default/files/NOP-PM-15-4-ElectrolyzedWater.pdf. Acesso em maio de 2017.

WHO. World Health Organization. WHO estimates of the global burden of foodborne diseases: foodborne disease burden epidemiology reference group 2007-2015. 2015, 268p. Disponível em:  http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/199350/1/9789241565165_eng.pdf?ua=1. Acesso em maio de 2017.

Amanda Roggia Ruviaro é farmacêutica formada pela Universidade Federal de Santa Maria e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela mesma instituição. Atualmente, é doutoranda da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Tem experiência na área de ciência e tecnologia de alimentos, no desenvolvimento de produtos e na área de microbiologia dos alimentos.

Imagem: Food & Beverage Magazine

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  • Everton Santos

    Interessante ! Parabéns pela matéria !

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