Agricultura familiar na merenda escolar: importância de uma boa higienização para garantir a segurança dos alimentos

5 min leitura

A alimentação escolar é um direito garantido pela legislação brasileira aos estudantes da educação básica pública. Para a garantia desse direito, foi criado pelo governo federal o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), regulamentado pela Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, e gerido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Para o êxito do programa, a atuação do profissional nutricionista é uma importante ferramenta na prevenção e promoção da saúde dos estudantes de todo o país. O cardápio escolar é um instrumento que assegura a oferta de uma alimentação saudável e adequada aos alunos durante o período letivo, a partir de alimentos variados, nutritivos e que atendam a cultura alimentar local.

O Guia Alimentar para a População Brasileira preconiza o consumo preferencialmente de alimentos in natura e minimamente processados, propondo como base uma alimentação balanceada, saudável, saborosa, culturalmente apropriada e promotora da soberania alimentar. Estabelece que a compra e inserção de alimentos in natura nos cardápios das escolas favoreçam as recomendações brasileiras para a alimentação saudável.

As refeições devem ser preparadas com condições higiênico-sanitárias adequadas, atendendo à legislação vigente, assegurando a qualidade e a inocuidade dos produtos manipulados. Dessa forma, os serviços de alimentação escolar devem cumprir os procedimentos de Boas Práticas de Manipulação (BPM) e proporcionar o treinamento necessário aos manipuladores de alimentos, de acordo com as diretrizes da RDC 216/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A realização desses procedimentos, de acordo com a legislação estabelecida, é necessária para evitar casos de infecção ou intoxicação alimentar, bem como para manutenção da qualidade dos serviços de alimentação.

Um marco do PNAE é a obrigatoriedade de que, no mínimo 30% do valor repassado a estados e municípios seja utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar.  Essa obrigatoriedade é de fundamental importância para os pequenos agricultores, pois estimula a economia local, a permanência das famílias no campo e ainda fomenta a soberania alimentar.

A aquisição dos alimentos provenientes da agricultura familiar pelos gestores e nutricionistas proporciona aos alunos a oferta de um alimento de melhor qualidade nutricional e que respeita o hábito alimentar regional. Além disso, a agricultura familiar, por meio dos serviços públicos de extensão rural, vem sendo estimulada a produzir com base agroecológica, preservando a diversidade biológica dos ecossistemas, o uso saudável do solo, da água e do ar e a reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo o emprego de recursos não renováveis. Com isso, é possível promover a diversificação de cultivos e o menor uso de produtos químicos.

Os gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar são, de forma geral, de produção rural cuja gestão e mão de obra são provenientes do núcleo familiar. Esse tipo de cultivo, muitas vezes, pode favorecer a presença de parasitas nesses gêneros alimentícios, em especial nas hortaliças como a alface, quando irrigadas com água contaminada. Outras formas de manejos inadequados que podem levar à contaminação são: o emprego de adubo orgânico com dejetos de material fecal; presença de animais na área de cultivo e a forma inadequada de armazenamento e transporte dessas hortaliças no escoamento da produção. A alface, por ser normalmente consumida crua, quando não higienizada adequadamente, pode conter ovos e larvas de helmintos e cistos de protozoários, sendo uma importante via de transmissão de parasitas intestinais.

Diversos trabalhos têm avaliado a qualidade nutricional, microbiológica e parasitológica dos produtos oriundos da agricultura familiar no Brasil. Inúmeras podem ser as fontes de contaminação de parasitas, sendo a água contaminada um dos principais veículos de transmissão. O uso das fezes de animais como adubo, sem o devido manejo, também pode se converter em fonte de contaminação para hortaliças, legumes e frutas. A transmissão de enteroparasitos ocorre na maior parte dos casos por ingestão, principalmente de água e/ou comida contaminadas com formas infectantes, em razão de condições higiênico-sanitárias insuficientes associadas à falta de saneamento básico e à manipulação inadequada dos alimentos.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)  e a Organização Mundial da Saúde (OMS), certas medidas devem ser adotadas para reduzir o risco de infecção por parasitas. Para os produtores, é importante o manejo correto dos fertilizantes orgânicos, através da técnica de compostagem adequada. A qualidade da água utilizada para irrigação dos alimentos também precisa ser monitorada. Boas práticas de produção devem ser adotadas, a fim de garantir a segurança do alimento.

Para minimizar os riscos decorrentes das doenças causadas por alimentos contaminados, deve-se preconizar que as mãos sejam lavadas regularmente, antes, durante e depois do preparo dos alimentos, durante o manuseio de objetos, depois de tocar em animais, depois de ir ao banheiro, e em outras situações. É importante também assegurar que o alimento servido esteja bem cozido e quente; selecionar alimentos frescos com boa aparência, os quais antes do preparo devem ser bem lavados e desinfetados; não consumir alimentos crus, com exceção das frutas e verduras que podem ser previamente higienizadas, seguindo os procedimentos de higienização recomendado pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde (Portaria CVS no 5/2013). Para o processo de higienização devem ser retiradas as folhas deterioradas  e deve ser feita a lavagem em água corrente dos vegetais folhosos (folha a folha). Depois, fazer a imersão em solução clorada à base de hipoclorito de sódio, com 2% de cloro ativo estabilizado (imergi-las em solução contendo 1 colher de sopa de água sanitária comercial para cada litro de água). Aguardar 10 minutos, para o processo de sanitização, seguido de enxágue em água corrente. O processo de sanitização é primordial para a garantia de um alimento seguro.

Os manipuladores de alimentos também podem ser fonte de contaminação e disseminação, na condição de portadores assintomáticos de enteroparasitos, associada aos maus hábitos higiênicos, como a não higienização adequada das mãos, contribuindo para a prevalência das parasitoses.

É necessário fortalecer o sistema de Vigilância Sanitária e a orientação dos agricultores familiares, bem como dos manipuladores de alimentos e da população em geral sobre a importância de uma boa higienização dos vegetais antes do consumo, garantindo assim a qualidade dos alimentos do campo até a mesa.

Autores: Taisa C Machadoa,b, Cleide Cristina A. Borgesb, Flávia C.R.  Mendonçab, Barbara Cristina E.  P. D.  Oliveiraa

 a Laboratório de Microbiologia, Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Brasil

b Laboratório de Educação Profissional em Técnicas Laboratoriais em Saúde (LATEC) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio- FIOCRUZ, Rio de Janeiro,

Referências

ALVES, Ailla S.; CUNHA NETO, Adelino; ROSSIGNOLI, Paulo A. Parasitos em alface-crespa (Lactuca sativa L.) de plantio convencional, comercializada em supermercados de Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Revista de Patologia Tropical, Goiás, v. 42, n. 2, p. 217-229, abr./jun. 2013.

BARROS, Dayane M. et al. A atuação e importância do nutricionista no âmbito da saúde pública/Nutritionist’s role and importance in public health. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 5, n. 10, p. 17.715-17.728, 2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº. 216 de 15 de setembro de 2004. Dispõe sobre regulamento técnico de boas práticas para serviços de alimentação. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 set. 2004.

BRASIL. Ministéri da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, 2014.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11947.htm>. Acesso em: 1 set. 2019.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS/WORLD HEALTH ORGANIZATION (FAO/WHO). Multicriteria-based ranking for risk management of food-borne parasites. Microbiological Risk Assessment Series, Rome, n. 23, 302p, 2014.

MELÃO, Ivo B. Produtos sustentáveis na alimentação escolar: o PNAE no Paraná. Caderno IPARDES-Estudos e Pesquisas, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 87-105, 2012.

NERES, Alessandro C. et al. Enteroparasitos em amostras de alface (Lactuva sativa var. crispa), no município de Anápolis, Goiás, Brasil. Bioscience Journal, Uberlândia, MG, v. 27, n. 2, 2011.

PINTO, Lidia C. et al.  Estruturas parasitárias em alface (lactuca sativa l.), comercializadas na feira livre do município de jardim, Ceará. Caderno de Cultura e Ciência, Crato CE, v. 17, p. 1-14, 2018

São Paulo (Estado). Secretaria de Saúde. Coordenação dos Institutos de Pesquisa. Centro de Vigilância Sanitária. Portaria CVS no 5, de 9 de abril de 2013. Aprova o regulamento técnico sobre boas práticas para estabelecimentos comerciais de alimentos e para serviços de alimentação, e o roteiro de inspeção, anexo. Diário Oficial do Estado de São Paulo. 19 abr 2013.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Todos os textos são assinados e refletem a opinião de seus autores.

lorem

Food Safety Brazil Org

CNPJ: 22.335.091.0001-59

organização sem fins lucrativos

Produzido por AG74
© 2020, Themosaurus Theme
Compartilhar