Marcelo Avolio é voluntário aqui da coluna de traduções do Food Safety Brazil, tendo contribuído em documentos como Código de Prática de Gestão de Alergênicos do Codex,Químicos na Higiene dos Alimentos do GFSI, Guia para a indústria de alimentos: Melhores práticas e planejamento para situação imediata (Covid), Guia de Cultura de Segurança de Alimentos do GFSI,
e Estratégias de mitigação para proteger os alimentos contra a adulteração intencional: Guia para a indústria.
Profissional com carreira consolidada na área de qualidade, teve passagem por empresas multinacionais de grande e médio porte dos segmentos de bebidas, alimentos e industrial.
Já foi expatriado, atuando nos EUA e Austrália, como líder na área de qualidade e segurança dos alimentos. Este ano venceu uma árdua luta contra a Covid-19, alegrando os corações de todos os colegas aqui do Food Safety Brazil em seu retorno. Inaugurando a coluna “Muito a ensinar” e celebrando a vida e a paixão pela segurança dos alimentos, ele nos concedeu esta entrevista:
O que faz uma equipe ter vontade de seguir procedimentos?
Na minha concepção, os procedimentos só serão seguidos se trouxerem algum benefício, principalmente de redução de tempo ou de diminuição de não conformidades. Vou dar um exemplo bem simples: em uma linha de enchimento de líquidos temos um sensor para verificar se a aplicação do selo está sendo feita. Temos um frasco sem selo para verificação se o sensor está funcionando que deve ser colocado na linha uma vez por hora. Caso seja detectado que o sensor não está funcionando, todas as caixas de produtos deverão ser colocadas invertidas para verificação de falta de selo. O retrabalho que dará será enorme, então é melhor verificar se funciona ou não uma vez por hora. Este procedimento não leva um minuto.
E também toda vez que a gente criava um procedimento, a gente consultava quem fazia a tarefa. Primeiro se levantava como era feito e depois faziam-se os ajustes necessários para adequar as especificações normativas e procedimentos de segurança. Depois eles voltavam para ser validados. Você dando esta responsabilidade para a pessoa e mostrando que se ela deixar de fazer a tarefa conforme o especificado, vai causar um dano ao errar, ela vai ter um pouco mais de carinho pela realização.
Como criar um ambiente de segurança psicológica para que os problemas sejam expostos por inteiro e resolvidos de maneira sustentável?
Acredito que pela demonstração de confiança mútua que é criada pela abertura de canais de diálogo. Posso dar um exemplo fácil: quem solicita ajuda do operador para a confecção de um procedimento? Acredito que ninguém quase faça isso. Desta forma estamos dando responsabilidade e também enaltecendo a atuação da pessoa. Quem não gosta de ser tratado desta forma?
Em tempos de pandemia, qual entendimento sobre o risco do uso das mãos, principalmente em processos que são realizados manualmente? Quais critérios e cuidados estão sendo adotados?
O risco é alto de contaminação como sempre foi. Procedimentos básicos devem ser adotados como lavagem constante das mãos, mesmo utilizando luvas. Deve-se evitar por as mãos no rosto, utilizando máscara e protetor facial dificultando o acesso ao rosto. Ainda, deve-se fazer o teste de PCR para detecção de covid frequentemente e ao menor sinal de sintoma deve-se afastar o funcionário. No caso de sintoma, pode ser qualquer coisa, até um mal-estar (experiência própria). A utilização de álcool 70% em gel também pode ser feita para facilitar a higienização.
Qual o maior desafio para implementação de programas de Food Fraud e Food Defense em indústrias de alimentos no Brasil?
Primeiramente vamos estabelecer as diferenças, pois a linha que divide os temas é tênue. Food Fraud é uma prevenção para contaminação com o intuito de ganho econômico, enquanto o programa de Food Defense é uma prevenção de possíveis sabotagens. Acredito que o maior desafio seja a realização de uma profunda avaliação de risco, incluindo o risco humano, equipamentos, cadeia de suprimentos e processo, além de investimentos necessários advindos desta avaliação de risco. Eu mesmo já vivenciei uma adulteração proposital com adição de soda cáustica em excesso que foi causada pelo descontentamento de um funcionário que queria ser mandado embora, solicitou e não foi atendido.
Na sua opinião, quais os maiores desafios para uma empresa que tem um sistema de gestão, mas pretende se certificar em um dos protocolos do GFSI?
Penso que o maior desafio seria a mudança de foco. Nos protocolos o foco principal é a segurança do alimento, enquanto que os sistemas de gestão são mais generalistas. Deve-se buscar sim um protocolo que agregue não só certificação, mas também a utilização da metodologia PDCA, parafraseando nosso blog Food Safety Brazil. Desta forma estaríamos sempre reavaliando os processos e o próprio sistema.
Existem diferenças em atuar com Qualidade no Brasil e no exterior? Se Sim, quais as principais existentes considerando o Brasil e os países em que atuou (EUA e Austrália)? E as dificuldades que encontrou?
A principal diferença é de cultura. Tanto nos EUA quanto na Austrália as pessoas entendem melhor a utilização de métodos e procedimentos, sem querer interferir no que está sendo colocado. Aqui no Brasil sempre querem modificar alguma coisa, é o tal jeitinho brasileiro. Eu entendo que se uma prática ou procedimento está colocado devemos seguir e buscar melhoramento contínuo através de melhores equipamentos e melhores práticas que já foram testadas e comprovadas.
A dificuldade encontrada foi nos EUA. Imagina um tupiniquim liderando um laboratório? O meio de ultrapassar esta barreira foi demonstrando entendimento do que deveria ser feito e demonstrar na prática como fazer. Desta forma fui ganhando respeito e depois correu tudo bem.
Já que falou do jeitinho brasileiro, o que nós temos de bom?
Flexibilidade. Somos muito mais maleáveis em relação a qualquer tipo de tarefa. Os estrangeiros não tem o mesmo jogo de cintura. Porém, a gente tem uma capacidade de “inventar” caminhos para não seguir procedimentos, não fazer da forma como foi estabelecido.
Você é um vencedor da Covid-19, tendo passado por um longo período de internação e recuperação. O que fica de perspectivas após esta luta?
Só quero voltar às atividades normais, como ir para a academia. Já está difícil porque trabalho o dia todo, rs. Viver todos os dias, um dia de cada vez, pois já soube o que foi não saber se teria o dia seguinte e estou feliz assim. Quero aprender coisas novas. E gostaria de voltar para a área de alimentos.
Alfonso
Excelente reportagem!! Parabéns ao autor Marcelo Avolio e a Food Safety Brazil