Macrococcus spp.  em alimentos de origem animal

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A história do gênero Macrococcus é relativamente recente, apesar de ser estudado desde o final do século XIX, sendo que seus integrantes eram classificados como pertencentes ao gênero Staphylococcus. Em 1998, pesquisadores propuseram o gênero Macrococcus ao caracterizarem quatro espécies que apresentaram diferenças substanciais em relação à Staphylococcus. Ainda assim, ambos os gêneros podem ser considerados irmãos, pois compartilham determinadas semelhanças genéticas. Essa relação entre macrococos e estafilococos, no entanto, pode apresentar um problema de diagnóstico incorreto, uma vez que testes moleculares de identificação geralmente não são usados. Com isso, muitos macrococos acabam sendo identificados como estafilococos por métodos tradicionais.

O gênero Macrococcus compreende atualmente onze espécies e é representado por cocos Gram-positivos, oxidase-positivos, coagulase-negativos e catalase-positivos, pertencentes à família Staphylococcaceae. Membros do gênero Macrococcus podem ser encontrados na microbiota de diversos animais, sendo, na maioria das vezes, considerados apenas como comensais. No entanto, algumas espécies se sobressaem pelo risco clínico que representam a animais, como por exemplo, Macrococcus canis e Macrococcus bovicus.

Imagem: microscopia eletrônica de varredura da estirpe de Macrococcus caseolyticus.     (Fonte:  Microbiology Research)

Devido a essa associação, alimentos de origem animal, como leite, carne e embutidos, podem ser contaminados com essas bactérias. Existem na literatura alguns relatos destacando a presença do gênero, em alimentos de origem animal e enfatizando sua relevância. Nesse cenário, a espécie Macrococcus caseolyticus é a mais estudada e tem se tornado, recentemente, motivo de preocupação devido à sua capacidade de resistência a antibióticos.

Em uma pesquisa realizada em 2018, na Turquia, por exemplo, foram isoladas dez estirpes de M. caseolyticus provenientes de linguiça fermentada seca (sucuk) e sete delas apresentaram-se resistentes a pelo menos um dos antibióticos testados. Já em um estudo realizado aqui no Brasil em 2020, com leite pasteurizado comercializado na cidade do Rio de Janeiro, os autores foram capazes de detectar a presença de cepas de M. caseolyticus resistentes à penicilina e à tetraciclina.

Recentemente, os macrococos vêm ganhado grande destaque devido à sua comumente encontrada resistência à meticilina. A meticilina foi a primeira penicilina semissintética resistente às penicilinases bacterianas e tem aplicação no tratamento de infecções causadas por cocos aeróbicos Gram-positivos. Micro-organismos resistentes à meticilina também são, geralmente, resistentes a outros antibióticos, como todas as penicilinas, cefalosporinas e carbapenêmicos.

Diversos trabalhos descritos na literatura já relatam a resistência a esse antibiótico em isolados de macrococos provenientes de alimentos de origem animal. Um estudo feito na Inglaterra e no país de Gales isolou e caracterizou estirpes de M. caseolyticus provenientes de leite contido em tanques de armazenamento. Todos os isolados apresentaram resistência à meticilina. No Brasil, estirpes de M. caseolyticus resistentes à meticilina também já foram isoladas de amostras de queijo Minas.

No entanto, a maior implicação da presença de estirpes de Macrococcus sp. resistentes à meticilina associadas a alimentos é o fato de que os genes responsáveis por esse fenótipo podem ser transferidos para patógenos alimentares clássicos que ocupam o mesmo nicho, como é o caso dos estafilococos. Vários estudos destacam que os genes de resistência à meticilina encontrados nas espécies patogênicas de estafilococos foram obtidos das espécies de Macrococcus através de mecanismos de transferência gênica horizontal.

É possível afirmar, portanto, que o gênero Macrococcus, apesar de ser recentemente descoberto e possuir apenas onze espécies até o momento, é objeto de grande preocupação no que diz respeito à patogenicidade em animais e sua capacidade de resistência a antibióticos, que se mostra crescente no decorrer dos anos. Outro aspecto que merece destaque é o fato de este gênero estar presente em alguns alimentos de origem animal que apresentam vasto consumo mundial, como leite e carnes.

Faz-se necessário, portanto, dedicar uma atenção maior a isolados de Macrococcus sp. provenientes de alimentos de origem animal, a fim de que sua presença possa ser notificada com mais eficácia e possa ser localizada a fonte de contaminação, buscando mitigar, desta forma, a transferência de genes de resistência para outras bactérias presentes no alimento.

Autores:  Jessica Bezerra dos Santos1, Carlos Henrique da Silva Cruz1, Gustavo Luis de Paiva Anciens Ramos2 e Janaína dos Santos Nascimento1

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ)

2 Universidade Federal Fluminense (UFF)

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