No Brasil e em diversos países do mundo, cada vez mais agricultores vêm produzindo alimentos sem a utilização de agrotóxicos, transgênicos ou fertilizantes químicos, em um conceito que está se popularizando como agroecologia. No entanto, a utilização de produtos fitossanitários, incluindo os de uso aprovado para a agricultura orgânica, é ainda para a grande maioria, essencial para a produção comercial, desde que sejam controladas sua produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, conforme previsto no Artigo 225 da Constituição Federal.
Neste contexto, dúvidas sobre quais produtos fitossanitários podem ser utilizados para a produção de alimentos de origem vegetal e animal e quais os limites autorizados para o uso (também denominados “tolerâncias”) são frequentes, buscando atender clientes cada vez mais exigentes, requisitos governamentais cada vez mais complexos, utilizando o mínimo de recursos com sustentabilidade e rentabilidade. A pedido dos leitores, abordaremos neste post aspectos relevantes da legislação brasileira sobre este assunto.
Recomendo a leitura de um post anterior sobre este tema direcionado para produtores e exportadores, contendo mais informações sobre as “Tolerâncias de Importação”, termo utilizado quando nos referimos ao LMR estabelecido com base na prática agrícola (GAP) de outro país, normalmente necessário quando a cultura agrícola não existe no país importador, quando o ingrediente ativo não possui registro no país importador ou quando o LMR no alimento é muito baixo no país importador.
A Lei Federal nº 7.802/1989 regulamenta através do Decreto nº 4.074/2002 e suas respectivas atualizações, que agrotóxicos, seus componentes e afins só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.
O registro federal é concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) mediante a avaliação agronômica através da aprovação do rótulo e bula do produto, ficando sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a avaliação ambiental e ecotoxicológica e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a avaliação toxicológica do produto abrangendo os riscos à saúde do trabalhador (exposição ocupacional), assim como os riscos à saúde do consumidor e do alimento tratado.
No contexto de Segurança de Alimentos, a ANVISA é a autoridade brasileira responsável pelo estabelecimento dos Limites Máximos de Resíduo (LMR) e a publicação das monografias dos ingredientes ativos, e pela recomendação da Ingesta Diária Aceitável (IDA) obtida a partir do processo conhecido como “avaliação de risco”.
O LMR é o nível máximo oficialmente permitido em alimento após o uso de produtos agrícolas de acordo com as Boas Práticas Agrícolas (Good Agricultural Practices, GAP). É obtido por meio do registro de produtos e estabelecido por ingrediente ativo (i.a) em culturas específicas, alimentação e processados de origem vegetal (ex.: frutas, cereais, óleo de soja, etc) e para alimentação e processados de origem animal (ex.: ovo, leite, carnes, etc.), podendo ser estabelecido também para grupo de culturas, como por exemplo as culturas com suporte fitossanitário insuficiente – CSFI (minor crops), conforme legislação específica do país ou região, e sua unidade é expressa em mg i.a./kg (ppm – partes por milhão).
Para o estabelecimento destes limites, considera-se que toda a cultura é tratada com o produto, utilizando o pior cenário. Estes são calculados com base nos limites toxicológicos, maior consumo “per capita” e a partir de dados oriundos de Estudos de Resíduos conforme requerimentos da Resolução Diretoria Colegiada RDC nº 4/2012 da ANVISA, gerados de acordo com uma prática agrícola específica:
- Dose máxima de aplicação
- Número máximo de aplicações
- Menor intervalo entre aplicações
- Menor intervalo entre a última aplicação e a colheita Û Menor Carência (Intervalo de Segurança)
Analogamente, a legislação brasileira da produção orgânica Lei 10.831/2003, regulamentada pelo Decreto nº 6.323/2007 e suas respectivas atualizações, dá tratamento diferenciado aos insumos destinados à agricultura orgânica, por serem considerados produtos de baixo impacto ambiental e também de baixa toxicidade, sem deixar de lado a preocupação com a saúde, o meio ambiente e a eficiência agronômica. Deste modo, os agrotóxicos ou afins que tiverem em sua composição apenas produtos permitidos na legislação de orgânicos, recebem, após o devido registro, a denominação de “produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica”.
No Brasil, somente são estabelecidos limites máximos de resíduos para as culturas vegetais in natura, através da publicação da monografia do ingrediente ativo pela ANVISA, sendo esta portanto, o resultado da avaliação (ou reavaliação) toxicológica dos ingredientes ativos destinados ao uso agrícola, entre outros, e traz informações como os nomes comum e químico, a classe de uso, a classificação toxicológica e as culturas para as quais os ingredientes ativos encontram-se autorizados, com seus respectivos limites máximos de resíduo, que podem ser consultadas no site da ANVISA.
O MAPA disponibiliza um sistema de agrotóxicos fitossanitários (AGROFIT), oficialmente instituído como cadastro oficial dos agrotóxicos, produtos técnicos e afins registrados no Brasil através da Portaria Nº 23, de 6 de abril de 2016, que está em processo de auditorias, a fim de verificar a confiabilidade dos dados, entre outros, cabendo aos interessados solicitar as devidas correções quando necessário. Este cadastro é uma fonte de pesquisa para o controle de pragas, doenças e plantas daninhas na agricultura brasileira, contém todos os produtos e ingrediente ativos registrados, textos explicativos, fotos, bem como os dados de LMRs atualizados ANVISA e do CODEX, conhecido como “CXL – CODEX MRL”.
Uma vantagem do AGROFIT em relação ao sistema da ANVISA é a possibilidade de pesquisar nas opções por marca comercial, cultura, indicação de uso, ingrediente ativo, titular do registro, classificação toxicológica e classificação ambiental, muito útil para obter informações sobre a tolerância (limite máximo de resíduo) de diversos ingredientes ativos para diversas culturas, sendo que na ANVISA só está disponível a consulta por ingrediente ativo.
A recente Instrução Normativa Conjunta MAPA/ANVISA – INC N° 01, de 28 de junho de 2017, estabelece critérios para o reconhecimento de limites máximos de resíduos de agrotóxicos em produtos vegetais in natura (revogação da Resolução GMC Nº 14/95 “Resíduos Praguicidas em Produtos Agropecuários Alimentícios In Natura”) entre os Estados Partes do Mercosul. Esta instrução normativa conjunta visa facilitar os processos de importação e exportação destes produtos no comércio intrabloco, considerando a diversidade de agrotóxicos autorizados pelos diferentes países para os produtos vegetais in natura comercializados entre os Estados Partes, garantindo que haja critérios adequados e conferindo agilidade ao comércio.
Dentre os critérios apresentados para efeito de reconhecimento dos limites máximos de resíduos (LMRs) de agrotóxicos entre os Estados Partes do MERCOSUL, é obrigatório, entre outros, que:
- O ingrediente ativo esteja registrado no país exportador;
- Os LMRs adotados pelo país importador sejam cumpridos pelos Estados Partes do MERCOSUL;
- Quando não há LMR estabelecido para o produto vegetal no país importador, deve ser adotado como referência o LMR do Codex Alimentarius para o produto em questão, disponíveis no site da organização.
Cabe ressaltar que o “CXL – CODEX MRL” é estabelecido por órgãos independentes de “experts” sob a responsabilidade do Codex Alimentarius administrado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (Food and Agriculture Organization, FAO) e Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, WHO). Estes limites são utilizados como referência também por países em desenvolvimento que não possuem legislação específica.
Na ausência de limites nacionais (ANVISA/Mercosul) ou Codex, temos adotado como principal referência a União Europeia. Os limites estabelecidos pela União Europeia podem ser obtidos nos links abaixo:
- Agrotóxicos:
http://ec.europa.eu/food/plant/pesticides/eu-pesticides-database/public/?event=download.MRL
- Drogas Veterinárias:
Regulamento 37/2010, que pode ser obtido no site http://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt. Acessar a “última versão consolidada”, que incorpora eventuais atualizações.
- Contaminantes:
Regulamento 1881/2006, que pode ser obtido no site http://eur-lex.europa.eu/homepage.html?locale=pt.
Acessar “última versão consolidada”, que incorpora eventuais atualizações.
Para monitorar o cumprimento da legislação sobre o uso de produtos fitossanitários e seus limites legalmente permitidos, são estabelecidos programas de monitoramento para gerenciamento de risco, dentre os quais destacam-se o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) sob coordenação da ANVISA com o objetivo de garantir que produtos como frutas, verduras e legumes cheguem à mesa do consumidor brasileiro com qualidade e segurança; e o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/Animal) sob a coordenação do MAPA para promover a segurança química dos alimentos de origem animal produzidos no Brasil, entre eles ovos, leite e mel encaminhados para processamento e animais encaminhados para abate em estabelecimentos sob Inspeção Federal, através de testes que incluem drogas veterinárias autorizadas (para as quais é testado o atendimento dos limites aplicáveis) e proibidas (incluindo hormônios), agrotóxicos, contaminantes inorgânicos, micotoxinas e dioxinas.
Apesar destes programas de monitoramento não definirem quais análises devem ser realizadas pelos operadores privados das cadeias, as normas e resultados são recomendados como referência para a análise de risco das empresas e elaboração de programa próprio de monitoramento e controle de resíduos.
Portanto, é recomendável considerar as moléculas autorizadas no país (no caso de produtos importados, no país de origem) e estimativas de volume de uso de produtos aprovados e não aprovados para alimentos de origem vegetal e animal em questão utilizando as referências citadas anteriormente.
Os LMRs regulamentam e aprovam os níveis de resíduos, e desta forma, indicam possíveis divergências entre as práticas agrícolas e a bula do produto, quando são encontrados resíduos acimas destes limites.
Exceder um LMR é uma violação da regulamentação e do comércio podendo acarretar consequências indesejáveis como problemas com governos e possíveis ações regulatórias entre países, rejeição de produtos/produção, restrições pré-embarque (ex.: necessidade de sempre analisar os resíduos), publicidade negativa, entre outros.
O uso de produtos não autorizados pelos órgãos do governo, acima do limite máximo permitido, bem como contrabandeados ou falsificados pode resultar em sanções administrativas, cíveis e/ou criminais conforme previsto na legislação vigente.
Devido a diferentes práticas agrícolas nos países e dificuldades na harmonização dos limites máximos de resíduo estabelecidos globalmente, é fundamental consultar os dados disponibilizados nos sites das agências regulatórias destes países ou regiões e realizar o monitoramento de resíduos para evitar restrições no comércio.
Ingrid mangue Klaus
Post de utilidade pública para profissionais da área de alimentos!! Parabéns, eu estava desolada com aquele site da Anvisa e todas aquelas monografias a dica do Agrofit me salvou obrigada!
Roberta Leite
Obrigada Ingrid! Fico feliz em ajudar e me coloco à disposição. Um grande abraço!
Renata Benito Damiatti
Roberta boa tarde
Como acessar o guia de limite de agrotoximos no Codex?
obrigado.
att
Renata
Roberta Leite
Olá Renata!
Para consultar os limites máximos de agrotóxicos nos alimentos estabelecidos pelo CODEX, favor acessar o link abaixo:
http://www.fao.org/fao-who-codexalimentarius/codex-texts/dbs/pestres/pesticides/en/
Note que existe um menu à direita onde você pode também consultar o banco de dados pela classe funcional do agrotóxico (ex.: fungicida, inseticida, etc) e também pelo tipo sw alimento (ex.: origem animal, origem vegetal, processados, etc), além da consulta pelo nome do composto.
Você viu um outro post que eu fiz, apresentando uma ferramenta para visualização de resíduos de agrotóxicos em alimentos na comunidade européia? Caso tenha interesse, segue link: https://foodsafetybrazil.org/conheca-nova-ferramenta-para-visualizacao-de-residuos-de-agrotoxicos-em-alimentos/.
Obrigada por entrar em contato e foi um prazer interagir com você! Sucesso na sua consulta!
Aline Wrobel
Ótimo post, de grande ajuda para nós da área de alimentos.
CPF Lda.
Parabéns pelo Post. Está muito bem escrito e foi bastante esclarecedor. Trabalho numa empresa em Portugal que exporta fruta para o Brasil e temos tido dúvidas quanto aos LMR a utilizar quando não existe LMR no Brasil ou no Codex. Gostaria de colocar a seguinte questão, quando afirma: “Na ausência de limites nacionais (ANVISA/Mercosul) ou Codex, temos adotado como principal referência a União Europeia”existe algum documento da ANVISA que dê esta informação? Muito obrigada.
Roberta Leite
Prezada Sonia, muito obrigada pelo seu comentário e por interagir conosco.
O estabelecimento de um LMR produtos de origem vegetal e cogumelos in natura é feito de acordo com os critérios dispostos na Resolução ANVISA RDC nº 4, 2012. Infelizmente nesta resolução não estão descritos detalhes o que deve ser feito em caso de ausência de limites nacionais.
Esperamos uma revisão nesta resolução, onde provavelmente será oficializado e adotado o LMR Padrão de 0,01 mg/kg para fins de monitoramento de resíduos de agrotóxicos registrados no Brasil, quando não houver um LMR estabelecido para determinada cultura ou grupo de culturas.
Recomendo a leitura de um dos meus posts, que aborda conteúdo sobre as tolerância de importação.
http://foodsafetybrazil.org/entenda-por-que-produtores-exportadores-devem-consultar-os-limites-maximos-de-residuo-lmrs-antes-de-exportar/
Me coloco à disposição!
Thiago Mendonça de Sousa
Roberta, parabéns pelo artigo. Muito útil e bem claro. Porém ainda tenho dúvida sobre como proceder quando não encontro limites para o produto final, apenas para a matéria-prima. Qual sua sugestão?