Entrevista Beach Park V: Cultura de Segurança de Alimentos

6 min leitura

O Food Safety Brazil teve a oportunidade de entrevistar a Gerente de Desenvolvimento de Alimentos e Bebidas do Beach Park, Luciana Adriano, e a Supervisora de Qualidade e Segurança de Alimentos, Maciella Gamma, que também é colunista do blog. O Beach Park é um complexo turístico à beira-mar, localizado em Aquiraz, Ceará, formado por parque aquático, hotéis e resorts. A empresa é uma das únicas do setor hoteleiro nacional a possuir certificação ISO 22000 em seu Sistema de Gestão e nos recebeu para uma entrevista antes do Workshop Food Safety na Prática.

A entrevista foi separada nos seguintes temas:

O assunto de hoje é a Cultura de Segurança de Alimentos.

FSB: Como é a rotina das visitas das nutricionistas às unidades?

Maciella: As nutricionistas e as auxiliares de nutrição são as responsáveis pelas visitas diárias, que são planejadas de acordo com uma escala. Eu divido as profissionais e mesclo, para que todos os dias elas estejam em um hotel diferente, sempre tentando cobrir tudo. O auxiliar da noite acompanha a produção de todos os restaurantes e PDVs deste horário e uma vez por mês nós chegamos na madrugada, de surpresa, para acompanhar as produções de café da manhã e coletar os alimentos da madrugada e mandar para o laboratório. Estamos aqui direto – de domingo a domingo.

FSB: É comum as empresas serem bem separadas: P&D é uma coisa, Qualidade é outra. Pela fala de vocês, parece que aqui não é bem assim. Quem cria algo aqui no Beach Park? É o chef?

Luciana: Antes era assim, mundos opostos. Era muito difícil, pois os chefs de cozinha viam as nutricionistas como inimigas: “não sabem cozinhar e ainda querem dar palpite”. Mas então a Diretoria, entendendo isso, resolveu juntar tudo, e colocar todos sob a mesma Gerência. Desta forma, hoje, os chefs de cozinha trabalham junto com o Desenvolvimento. O setor de Desenvolvimento tem um Chef Corporativo e um Consultor Gastronômico, uma nutricionista responsável pela Cozinha Escola e os profissionais de Serviços e Materiais, Utensílios e Equipamentos – e todos montam os novos cardápios juntos. Os chefs também participam, a cada 6 meses podem sugerir novas ideias.

beach park V

Na sua opinião, no início, qual ação foi relevante para fazer estas equipes trabalharem melhor juntas, além da mudança da percepção da Diretoria sobre o assunto?

Luciana: No início, havia muitas suspeitas de doença transmitida por alimentos (DTA) – principalmente na alta estação. A pessoa não podia ter uma dor de barriga no hotel que já se suspeitava de DTA, e isso assustava muito. Nós então fizemos um trabalho e vimos que a maior parte dos casos estava relacionada a crianças que engoliam água de piscina, insolação, doenças prévias – a maioria não estava relacionada à alimentação realmente. Quando fizemos este trabalho, e começou um trabalho mais intensivo no cuidado das piscinas, houve uma parte de conscientização e a nutricionista acompanhava todos os casos, fazendo a anamnese. Hoje é raro que tenhamos uma suspeita de DTA.

Maciella: Reforçando, nos treinamentos nós focamos muito a questão de eles serem funcionários do Beach Park, o que é um diferencial de mercado de trabalho incrível para cada um, pois são capazes de entender uma certificação internacional de qualidade. Focamos muito a autoestima deles. Na época da auditoria, eles são inclusive mais empolgados do que a gente, pois é o momento do seu show. Claro, temos colaboradores que dão mais trabalho, mas na sua grande maioria, principalmente os chefs, são muito envolvidos.

FSB: Então você acredita que quando reduziu o medo das DTAs, as equipes começaram a trabalhar mais em conjunto?

Luciana: Não, para mim quando aumentou este medo é que começaram a ficar mais preocupados! A gente também tem treinamentos com eles sobre a questão de alérgenos, pois é comum os hóspedes chegarem com esta demanda e é necessário ter conhecimento para dar um atendimento. Temos casos de clientes que pedem até para comprarmos as panelas para fazer a comida de seu filho.

FSB: E os alimentos tabus, como o ovo de gema mole?

Maciella: Pois é, temos um chef polonês no resort cujo grande sonho era servir este prato. As nutricionistas logo responderam com o preconceito normal. Porém, junto com ele, depois de muito convencimento por parte dele de que seria muito importante este produto, nós conseguimos validar este processo. Ele até apresentou o produto para a auditora da ISO e ela comeu! Foi até engraçado, “você vai comer o ovo Benedict!”, pois ele queria provar que daria certo. Fizemos vários testes e análises e hoje servimos pratos que, no passado, seriam tabus – por isso um dos diferenciais do Beach Park é a questão da mente aberta, porque tem o lado da gastronomia.

Luciana: Este é um caso que podemos controlar via temperatura, porém há alimentos que servimos que não usam cozimento, como o ceviche, o filé malpassado, o carpaccio.

FSB: E neste caso, vocês comunicam o risco aos clientes?

Luciana: Não, porque validamos todos os processos, até apresentamos na auditoria.

Maciella: Antes, o chef tinha intenção de servir certos pratos e a nutricionista barrava – até pedia para assinar um termo de responsabilidade. Com a aproximação das equipes, e a validação dos processos, foi possível servir estes pratos e isso ajudou a melhorar a relação entre as equipes também.

FSB: Como esses resultados chegam à Diretoria?

Luciana: Nas reuniões de análise crítica, nas quais mostro os resultados do sistema de maneira mais macro – com dois indicadores principais: o ISA e o BPM. O ISA tem meta 100% e engloba análise microbiológica, swab de mãos, de equipamentos, validade, rastreabilidade, reclamações de clientes, atestado de saúde ocupacional (aso) e todas as planilhas. O BPM é baseado no check-list de inspeção do setor, um retrato do momento, baseado no check-list da ANVISA, cuja meta é 85%.

Muitos setores já atingem os 100%, porém estamos chegando num nível crítico para conseguir melhorar este nível. No caso de reclamações de clientes, apenas as relacionadas à segurança de alimentos são computadas neste indicador, apesar de todas serem compiladas.

O ASO entrou porque era uma dificuldade manter todos os colaboradores com os exames em ordem. Antes, este indicador estava com a Medicina do Trabalho, mas agora entendemos que faz parte da Segurança de Alimentos – e agora todo mundo tem que correr, porque o ASO está relacionado ao bônus.

FSB: Qual é a periodicidade da sua reunião de análise crítica?

Luciana: No início era mensal, depois passou para trimestral e agora é apenas semestral ou conforme a necessidade. Por exemplo, tivemos uma no mês passado, mas como neste período houve a auditoria de recertificação, farei uma na sequência para mostrar os resultados da auditoria.

FSB: Além desta parte de comunicação formal com a Diretoria, como funciona a comunicação não-formal?

Luciana: Existe muito apoio da Diretoria e eles deixam bastante a decisão para nós.

Maciella: Também são pessoas muito acessíveis, é uma relação muito boa e tranquila. A empresa como um todo é muito envolvida. Gostaria que vocês tivessem visto: nos dias da auditoria, todo mundo ligando para cá, querendo saber a que horas iríamos a seu setor, foi uma coisa! Hoje não precisamos dizer “você tem que fazer o certo porque o Diretor mandou” – nós temos muita autonomia e respeito aqui.

Luciana: Mas no início tivemos que conquistar nosso espaço, não era bem assim, não.

FSB: Dentro de missão, visão e valores do parque, está expressa esta preocupação com a Segurança de Alimentos?

Maciella: Sim, até como falei no início, na integração dos colaboradores, uma das primeiras coisas que se apresenta a eles é a segurança acima de tudo. É muito reforçado que ninguém tem o direito de colocar a empresa em risco.

FSB: Já aconteceram incidentes de Segurança de Alimentos (desvios importantes, mas que não causaram surtos)?

Maciella: Já aconteceu de o auditor estar na cozinha e a câmara fria quebrar. Porém, o pessoal é tão engajado que já sabia que a temperatura estava errada, e estava pensando no que fazer com os produtos que estavam lá. Aconteceu comigo também de um container inteiro descongelar completamente. Nem me lembro do valor, mas descartamos tudo.

Estamos presentes em todo o evento que acontece que envolve alimentos e bebidas. Qualificamos o buffet, acompanhamos o recebimento a distribuição, etc. Certa vez, os alimentos não chegaram nas condições necessárias. Tivemos que barrar a entrada dos alimentos, e todo mundo apenas comeu castanha.  Tinha até a Ivete Sangallo no evento!

Eu já fui Gerente de A&B, então entendo o outro lado. Fico sempre entre a cruz e a espada: vou deixar o cliente sem comer? Mas também não posso matar o povo!

FSB: Como vocês medem a Cultura de Segurança de Alimentos?

Maciella: Isso ainda não é pontuado diretamente, mas aparece nos relatórios de visita. Há também o monitoramento das câmaras – por exemplo, pode-se observar se os colaboradores estão usando os EPIs corretamente.

Luciana: Tem uma coisa que eu falo muito para o pessoal do Desenvolvimento, que é mais novo: que tenham paciência, pois é cultural. Podemos ver que a Segurança de Alimentos está num nível muito mais avançado do que o Desenvolvimento, mas isso demorou muito para acontecer. Segurança de Alimentos tem 8 anos, Desenvolvimento apenas 2, então vai demorar um pouco.

FSB: O pessoal do Desenvolvimento faz avaliação de risco durante o desenvolvimento?

Luciana: É feito um pré-mapeamento pela equipe de Desenvolvimento, porém o responsável final é o QSA.

Maciella: Lembrando, como falei antes, que antes de ir ao Desenvolvimento, a nova matéria-prima ou fornecedor precisa ser avaliada pelo QSA, para saber se ela pode entrar no Beach Park. Um ingrediente/prato novo descoberto pelo Desenvolvimento é sempre mostrado antes para o QSA.

Luciana: Também, para que a gente não se enforque e tenha que fazer isso tudo prato por prato, nós agrupamos os produtos em grupos. Então, se o chef conseguir inserir o novo prato num grupo existente, é meio caminho andado. Por exemplo, no grupo chamado “alimentos de origem animal, servidos crus ou que recebem um tratamento térmico brando” entram o ceviche, o carpaccio, o filé ao ponto, o ovo com gema mole. São todos mapeados da mesma forma.

Veja também a entrevista com a Gerente de Food Safety do Copacabana Palace, aqui.

One thought on

Entrevista Beach Park V: Cultura de Segurança de Alimentos

  • Everton Santos

    Interesante !

    Como seria a validação do ceviche, o carpaccio, o filé ao ponto, o ovo com gema mole ?

    Não consigo imaginar !

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