Muito tem se debatido nas mídias e redes sociais sobre a possibilidade da contratação de Fiscais Agropecuários terceirizados. O assunto já foi exposto aqui no blog (veja), e a sociedade tem demostrado bastante interesse no assunto, visto várias manifestações que vêm ocorrendo pelo Brasil.
Pensando em trazer mais esclarecimento sobre o assunto, o blog Food Safety Brazil entrevistou o Fundador e atual Presidente da ANFFA Sindical, Dr. Maurício Rodrigues Porto. A ANFFA é a Associação Nacional de Fiscais Federais Agropecuários.
Como a ANNFA ve a terceirização no setor público, especialmente dentro do trabalho da inspeção e fiscalização sanitária?
Exatamente a grande diferença é que se trata de setor privado x setor público. O setor privado se autorregula. Suas atividades são de domínio próprio, particular e de mercado. As ações de fiscalização, ao contrário, são exclusivas de governo, ou de Estado. São indelegáveis. Há inconstitucionalidade e também ilegalidade numa possível terceirização desse setor. O agente fiscalizador tem de estar munido de autonomia funcional. Ele fiscaliza, interdita, condena, multa, portanto há que possuir o poder de polícia. E isso é prerrogativa do servidor, admitido por concurso público. A contratação de profissionais terceirizados caracteriza contratação de mão de obra indireta (sem concurso público), portanto sem as prerrogativas inerentes ao desempenho das atividades de fiscalização/inspeção.
Outro aspecto que deve ser observado é que se trata de segurança alimentar da população, ou seja, uma questão de saúde pública.
A terceirização dos serviços de inspeção e fiscalização de produtos de origem animal já é uma pratica usada em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso. Estariam esses estados sendo negligentes quanto ao trabalho de inspeção ou poderia ser visto como inovadores na garantia da eficiência dos serviços?
Citados Estados estão incorrendo na ilegalidade dessas ações. Aliás todos estão sendo questionados judicialmente, já com algumas sentenças desfavoráveis a esse tipo de regime terceirizado. Não estamos aqui colocando em dúvida a capacidade técnica dos médicos veterinários da iniciativa privada, porém desprovidos do poder de polícia, teriam eles a autonomia necessária ao desempenho da função?
Os grandes frigoríficos têm apoiado a ideia da terceirização juntamente com a posição favorável da Ministra. Estariam os frigoríficos interessados na revolução e modernização do sistema de inspeção?
A afirmação referente às grandes empresas do setor não é nossa. Não podemos afirmar isso. Com o que concordamos na afirmação é que há necessidade de modernização do sistema de fiscalização/inspeção e da própria defesa agropecuária. O sindicato defende essa proposição, aliás apresentou pleito à sra. Ministra nesse sentido, incluindo aí a atualização/modernização de diplomas legais que regulamentam as atividades.
O Ministério da Agricultura experimentou na última década grande rotatividade de ministros, trazendo sérios problemas de gestão. A falada modernização pode (e deve) ser promovida no âmbito do próprio serviço público. A terceirização, com certeza, não é a solução adequada para o caso.
Existe embasamento jurídico para a terceirização?
Não há embasamento legal
O número de Fiscais Federais Agropecuários hoje é insuficiente para atender a demanda das atividades?
Sim, há uma grande defasagem no número de fiscais federais agropecuários. A categoria experimentou a partir do início do exercício de 2013 uma grande quantidade de aposentadorias. Com o advento do concurso público/2014, houve a reposição de cerca de 25% apenas.
Vale registrar que o quadro atual de FFA’s executa todas as atividades inerentes ao MAPA, incluindo as áreas de fiscalização/inspeção, defesa sanitária animal e vegetal, vigilância internacional, controle laboratorial, fiscalização de convênios, cooperativismo, relações internacionais e outras.
Salientamos ainda que o ANFFA Sindical reiteradas vezes vem reivindicando a realização de concurso público para provimento das vagas existentes, ressaltando que há hoje cerca de 800 candidatos aprovados/habilitados, aptos a ser nomeados imediatamente.
Recentemente a Presidente da República, Dilma Rousseff, aprovou o Decreto n° 8.444/2015 que altera o RIISPOA. Onde a inspeção em caráter permanente apenas será instalada nos estabelecimentos de carnes e derivados. Seria essa uma forma de resolver a demanda de fiscais federais?
O que ocorreu com o citado decreto foi, em parte, a regulamentação daquilo que já vinha ocorrendo na inspeção de produtos de origem animal, no RIISPOA. Isso não significa que haveria uma diminuição da demanda de FFA.
Em outros atos normativos, como o Decreto n° 8471/2015 que altera o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária e a Instrução Normativa n°16/2015, que aprova as normas específicas para agroindústrias de pequeno porte, foram recentemente sancionadas e publicadas pela Presidência e a Ministra Kátia Abreu. Essas regularizações tiveram respaldo técnico do setor?
O ANFFA Sindical considera que os atos administrativos citados contrariam a legislação vigente e informa que já ingressou na Justiça com ações contra sua aplicação.
Muitos outros setores têm apoiado a campanha “Não a terceirização“. Grande parte da sociedade também em aderido a protesto realizados. Quais os princípios defendidos dentro da campanha?
A ANNFA defende o Princípio da legalidade, do compromisso com a saúde pública e segurança alimentar da população e com a própria economia do País. Outros países já experimentaram a terceirização desse setor da economia, como a Austrália e a Inglaterra, e tiveram grandes prejuízos econômicos com a reincidência de doenças como a febre aftosa, a gripe equina e a doença da vaca louca.
Vale ressaltar que o agronegócio no Brasil é o setor que sustenta o PIB nacional, e uma possível crise seria uma catástrofe econômica.
Além disso, como justificar para o cidadão brasileiro que ele continuará pagando para que servidores federais trabalhem para garantir a qualidade da carne que os estrangeiros estão consumindo, enquanto ele mesmo estará sujeito aos riscos de um produto que foi inspecionado por um contratado do próprio frigorífico?
Quais as perspectivas da ANFFA para um final satisfatório dessa situação?
A expectativa é que o Ministério da Agricultura se estabeleça, de forma efetiva e eficaz, como condutor das políticas do setor agropecuário. As constantes mudanças e “inovações”, criadas em gabinetes, baseadas na “queda de braço” política e sem a participação ampla e efetiva de seu quadro técnico, geram insegurança no setor produtivo e desmotivam seus próprios especialistas, rotineiramente substituídos por assessores externos com pouco conhecimento técnico. Mudanças que chegam ao ponto de “inovar” serviços centenários, com resultados mais do que comprovados, até mesmo com reconhecimento internacional.
Importantes ferramentas administrativas como a meritocracia e discussões nas áreas técnicas do MAPA decoram discursos, mas, na prática, sofrem reveses diários, seja pela ingerência política, seja pelo descaso com a reposição de pessoal ou pela falta de investimento em capacitação técnica.
Apesar disso, a força do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vem, como sempre, de seu quadro funcional, apesar de diminuto, altamente qualificado, que dia a dia, no Brasil e no exterior, trabalha pelo sucesso do produtor rural, do fortalecimento da produção agropecuária e do desenvolvimento do Brasil. Registrando também, claro, a capacidade do homem do campo, do empresário rural e das cooperativas e agroindústrias.
Fortalecer toda a cadeia produtiva com sistemas de auditoria e qualidade eficazes, marcos regulatórios transparentes e capacitação permanente, enfim uma defesa agropecuária forte e atuante, é essencial para a preservação deste importante ativo: a produção agropecuária nacional.
Geysa Grangeiro
Excelente material. Parabéns pela publicação!
Dafné Didier
Muito obrigado!