Fui convidado pelo NEHTPOA (Núcleo de Estudos em Higiene e Tecnologia de Produtos de Origem Animal) da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) a palestrar no dia 10 de Setembro sobre “Fraude na Indústria de Produtos de Origem Animal”. O objetivo deste post é resumir os principais tópicos abordados no evento, divididos em parte 1 e parte 2.
Primeiramente vamos saber “o que é fraude?”. Gosto de um conceito da norma IFS FOOD:
“Fraude Alimentar é a substituição deliberada e intencional, a alteração de rotulagem e adulteração ou falsificação de alimentos, matérias-primas ou embalagens colocadas no mercado com a finalidade de ganho econômico.” (grifo nosso)
Atenha-se a essas duas palavras: INTENCIONAL + GANHO (VANTAGEM) ECONÔMICO, afinal para uma ação ser categorizada como fraude é necessário que essas duas coisas andem juntas. Primeiro, costumo dizer que ninguém comete fraude “sem querer querendo” mas é necessário que exista a intenção e segundo, o fraudador não quer adulterar ou falsificar algo para ter prejuízos econômicos, mas sim para obter vantagem econômica indevida sobre o consumidor.
Observe a tabela abaixo com uma divisão e exemplificação dos quatro tópicos elementares para a gestão da qualidade e segurança dos produtos alimentícios, sob a ótica de adulterações acidentais ou intencionais:
ADULTERAÇÃO ACIDENTAL X INTENCIONAL | ||
Acidental | ||
Food Quality
(Qualidade dos Alimentos) |
Padrões e características de qualidade dos produtos | Exemplo: Uma característica de qualidade de um biscoito de polvilho é que ele seja sequinho e crocante. Armazenar este produto em um ambiente com excesso de umidade conduzirá a falhas de qualidade. Note, aqui não há intenção em cometer tais falhas de processo. |
Food Safety
(Segurança dos Alimentos) |
Lesões à saúde do consumidor oriundas de perigos químicos, físicos e/ou biológicos | Exemplo: Falhas de manutenção preventiva em equipamentos industriais que podem levar o consumidor a ser lesado sob o aspecto saúde (um pasteurizador de leite mal calibrado e/ou regulado). Todavia, note que aqui não há intenção de causar tais danos ao consumidor, são falhas de processo que consequentemente conduzem a essa situação |
Intencional | ||
Food Fraud
(Fraude Alimentar) |
Motivação de cunho econômico: LUCRO | Exemplo: Produção de queijo de búfala com leite de vaca (parcialmente ou totalmente). Pelo fato do leite de vaca ser mais barato do que de búfala, existe aqui a intenção de enganar o consumidor a fim de obter vantagem econômica indevida. Note, aqui há intenção. |
Food Defense
(Defesa dos Alimentos) |
Motivação de cunho ideológico: CAUSAR DANOS | Exemplo: Funcionário sabotar o produto inserindo dentro da embalagem, de forma intencional, um corpo estranho (parafuso, tampa de caneta, etc), de modo a causar uma lesão física/moral no consumidor |
Os protagonistas no combate à fraude em produtos de origem animal são:
- Setor público: Sob as esferas municipais, estaduais e federais, atuando sob poder de polícia dentro da jurisprudência a que pertencem. As ações fiscais nesse caso implicam em auto de infração, suspensão, interdição e até mesmo cassação do registro do estabelecimento, conforme cada caso.
- Setor público e privado: Os Programas de Autocontrole (PAC) do MAPA possuem um elemento de inspeção chamado “Controle de Formulação e Combate à Fraude”. Nesse caso, o autocontrole é descrito, implantado, monitorado e verificado pela iniciativa privada e auditado, por sua vez, pela iniciativa pública.
- Setor privado: Existem clientes que exigem de seus fornecedores a implantação de um programa de controle de fraude em seus sistemas de gestão de qualidade e segurança. Nesse caso, numa relação de cliente-fornecedor, estes processos são implementados e auditados. As normas de certificação do GFSI, tais como FSSC 22.000, IFS FOOD, BRCgs também exigem a implantação de um programa de food fraud. Nesse caso, o setor público não se envolve em auditorias e fiscalização, por não ser obrigatória sua implantação sob o aspecto legal, mas para normas de certificação de qualidade e certos clientes.
É importante avaliarmos a VULNERABILIDADE do produto sob aspecto de risco à fraude alimentar, a fim de que o cliente esteja atento ao risco que seu fornecedor tem em seu processo, e dessa forma implantar medidas de prevenção e controle à fraude.
Os critérios utilizados para avaliar o nível de risco podem ser:
Critério | Exemplo |
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Se pesquisarmos no google duas frases “fraude em leite” e depois “fraude em ovo (de galinha)” qual dos dois encontrarem maiores históricos de incidentes? Sim, em leite. Devido a esse histórico, esse pode ser um dos critérios utilizados para o cliente avaliar seu fornecedor |
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Estamos em plena pandemia do COVID 19 e ainda não sabemos ao certos quais impactos econômicos a médio e longo prazo, porém uma coisa é certa, quando temos um cenário econômico crítico, as chances de realização de fraudes aumentam |
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No abate de frangos, por exemplo, é inerente ao processo a presença de sistema de pré resfriamento de carcaça em chillers (água gelada em tanques) e dessa forma, o controle de absorção de água (em excesso) se faz extremamente necessário pois torna-se fácil à atividade fraudulenta por ser parte do processo de fabricação a absorção de água pela carcaça |
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Quanto mais complexa é a cadeia de suprimento, mais chances de fraude existem. Por exemplo, imagine uma fábrica de cerveja que possui fornecimento complexo de malte, lúpulo, levedura, etc. Quando digo complexo é quando depende-se de uma cadeia logística muito ramificada e no qual sua matéria prima deve passar na mão de muitas pessoas físicas e/ou jurídicas até chegar em sua fábrica. Por isso quanto mais complexa, maiores as chances de fraude |
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Se na matéria prima e/ou produto que você compra já existem medidas de controle em uso, o risco diminui. Por exemplo, em leite já existe controle laboratorial contra adição de água e outras substâncias no leite para fraude. Agora que controle efetivo existe para controlar a fraude em vender coxão duro como picanha? Pouco ou inexistente, dessa forma aumenta-se o risco |
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Quanto mais tempo você possui de relacionamento entre cliente-fornecedor e com bom histórico de fornecimento, melhor é para confiança desse elo, diminuindo o risco. Por isso, o processo de homologação e qualificação de fornecedores é tão importante para o negócio de uma empresa |
Ficamos com a parte 1 por aqui. Gostou até agora desse resumo? Deixe nos comentários sua opinião.
Michely
Olá, parabéns pelo post 🙂
Adorei a divisão realizada por Acidental e intencional.
No entanto surgiu uma dúvida, por favor poderiam me ajudar?
Atualmente temos a legislação que descreve sobre os requisitos que a empresa alimentícia deve atender referente as BPF, o não atendimento seria considerado como fraude?
Ex: Se uma empresa de sorvete possui na especificação que o produto deve ser armazenado a X temperatura e a empresa possui infraestrutura que não alcança a temperatura de armazenamento, poderia ser considerado como fraude? Entendo que se a empresa está ciente que o produto não refrigera conforme descrito nas especificações e o sistema de armazenagem possui falhas e não atende os requisitos legais, pode ser considerado como fraude, pois a alta direção não oferecer recursos suficientes para melhorar o sistema de refrigeração do produto se tornando um fator econômico da empresa.
No entanto ao ler o post vejo que este tipo de falha seria classificado como ato acidental de food safety, não sendo considerado como fraud, entretanto a Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 descreve que o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade a saúde ou segurança.
Colocar um produto no mercado que não atende requisitos de qualidade e pode haver algum grau de nocividade devido o armazenamento, entendo que poderia ser classificado como fraude, ou não?