Rancidez em alimentos e efeitos adversos à saúde

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A formação de odores e sabores estranhos e desagradáveis em óleos e gorduras e nos alimentos que as contêm como batatas e salgadinhos fritos, macarrão instantâneo, biscoitos amanteigados, entre outros, geralmente descrita como rancidez, é seguramente uma das reações mais importantes de deterioração de qualidade, podendo também implicar em riscos de segurança dos alimentos.

A rancidez é a propriedade do alimento definida como fator adverso de qualidade, promovida direta ou indiretamente por reações dos lipídios endógenos, que produzem sabor e aroma indesejáveis ou propriedades funcionais inaceitáveis, podendo ocorrer por via hidrolítica ou oxidativa.

A rancidez hidrolítica é um tipo de rancidez na qual os ácidos graxos são liberados dos triglicerídeos pela ação de enzimas presentes naturalmente, adicionadas intencionalmente ou por enzimas de microrganismos contaminantes.

Os resultados desta hidrólise são o aparecimento de sabor desagradável, aumento de acidez, aumento de susceptibilidade dos ácidos graxos às reações de oxidação e alteração de propriedades funcionais.

A rancidez hidrolítica deve-se à ação de lipases, amplamente distribuídas nos alimentos e que catalisam a hidrólise dos triglicerídeos, liberando ácidos graxos, e se o ácido graxo livre for C6, C8, C10 ou C12 será notado um sabor de ranço e ou de sabão.

TRIGLICERÍDEO —> lipase  —> GLICERÍDEO + ÁCIDO GRAXO

Produtos da rancidez hidrolítica:

A rancidez oxidativa, também conhecida como lipoperoxidação, pode ocorrer por via enzimática pela ação das enzimas lipoxigenases ou por via não enzimática, através da autoxidação ou da fotoxidação.

O processo de oxidação é dividido em 3 fases:

  1. Iniciação, na qual a presença de fatores internos e externos como luz, altas temperaturas, especialmente acima de 180°C, e presença de íons metálicos, principalmente Fe++, Cu++, Zn++ e Ni++, dará início ao processo, gerando instabilidade nas insaturações dos ácidos graxos, portanto, nas ligações duplas e triplas entre carbonos, com isso, possibilitando a quebra das insaturações e permitindo a formação de radicais livres;
  2. Propagação, que ocorre na presença do oxigênio. Os radicais livres formam os compostos primários da oxidação, chamados de peróxidos e hidroperóxidos, e nesta mesma reação provoca a formação de novos radicais livres de forma exponencial. Por isso esta fase é conhecida como propagação, sendo que quanto maior o consumo de oxigênio, maior a formação de peróxidos e de novos radicais livres;
  3. Terminação, onde os compostos primários gerados, peróxidos e hidroperóxidos, por serem moléculas muito instáveis, são responsáveis por processos de oxidação que resultam na degradação de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), de ácidos graxos com a potencial produção de substâncias reconhecidamente tóxicas como malonaldeído ou indesejáveis como aldeídos, ácidos graxos cíclicos, cetonas, álcoois, epóxidos, hidrocarbonetos, etc., e que trazem como consequência final a alteração no sabor, aroma, cor, textura e redução no valor nutricional, e além disso, algumas também podem ser nocivas à saúde.

O malonaldeído (MDA) é um aldeído de cadeia curta, sendo um dos compostos medidos pela reação com o ácido tiobarbitúrico (TBARS), cuja formação ocorre pela decomposição dos hidroperóxidos lipídicos e sua concentração tem sido utilizada para estimar a intensidade da peroxidação lipídica em sistemas biológicos, em células e tecidos. O malonaldeído pode ser formado “in vivo” ou pré-formado em alimentos, e há estudos sugerindo que seja cancerígeno e mutagênico.

O artigo “Oxidação lipídica em alimentos e sistemas biológicos: mecanismos gerais e implicações nutricionais e patológicas”, que pode ser visto aqui, analisa os potenciais impactos à saúde humana de alimentos rançosos. Este artigo discute diversos problemas nutricionais decorrentes da ingestão crônica de alimentos oxidados e suas implicações fisiopatológicas, relatando o papel potencial da oxidação lipídica na ocorrência de diversas doenças como aterosclerose, diabetes, deficiências nutricionais, outros processos que envolvem a formação de radicais livres, e possivelmente até câncer.

Contudo, embora diversos estudos “sugiram” uma relação entre oxidação lipídica e neoplasia, pouco ainda se conhece a respeito da patogenia e, ainda mais, dos riscos genotóxicos, ou seja, da afinidade para interagir com o ADN, conferindo potencial mutagênico ou cancerígeno.

Por todos estes motivos, a natureza dos processos de oxidação lipídica em alimentos e em fisiologia humana deve ser mais estudada e conhecida, mas até lá, pelo princípio da precaução, alimentos rançosos, portanto, com seus lipídios oxidados, com elevada acidez e/ ou alto índice de peróxidos, devem ser evitados e estes limites controlados, sendo considerado um risco potencial.

Veja que na formação destas moléculas, os peróxidos surgem como intermediários das reações químicas, sendo que eles não são prejudiciais ao organismo humano, e sim os seus derivados, que podem ser tóxicos.

Esta peroxidação lipídica é iniciada, como visto, por formas químicas de oxigênio, de grande reatividade, chamadas de radicais livres, e a sua formação é acelerada pela presença de íons metálicos, por altas temperaturas, especialmente se acima dos 180°C, efeito da luz solar, pela concentração de oxigênio e por outros tipos de irradiações como micro-ondas, raio X, etc.

No aquecimento excessivo das gorduras, como na fritura, processos oxidativos e de degradação dos lipídios podem ser acelerados, por isso, é importante o controle da temperatura em processos industriais que usem fornos e fritadores, assim como se deve evitar reprocesso.

A oxidação pode levar à destruição de vitaminas, ácidos graxos, pigmentos e proteínas, mas a perda das qualidades sensoriais é o efeito mais visível decorrente deste processo.

Isso ocorre porque o número de moléculas geradas como subprodutos aumenta, sendo muitas delas pequenas e voláteis, liberando odor característico de ranço como é o caso de alguns aldeídos, e estes compostos voláteis formados podem fazer com que o alimento seja rejeitado mesmo estando em concentrações muito baixas, pois o odor de ranço é bem característico e causa repúdio.

Esta etapa geralmente é lenta, podendo durar horas, semanas ou meses, dependendo do tipo de gordura e dos fatores ambientais, porém uma vez iniciada a reação oxidativa dos lipídeos, é muito difícil de se controlar e reverter.

Um produto pode ao final do processo industrial estar com suas características sensoriais dentro dos padrões de especificação esperados, porém, já ter iniciado um processo de degradação lipídica, portanto, o problema poderá não ser detectado em atividdes de controle de qualidade, contudo, a shelf-life do produto será encurtada.

No processo de fritura, como exemplo, três componentes são responsáveis pelas mudanças ocorridas na estrutura dos lipídios: umidade do alimento que promove hidrólise dos triglicerídios, contato do óleo ou gordura com o oxigênio que promove alterações oxidativas e a alta temperatura do processo, especialmente se acima de 180ºC.

Ao final, na etapa de terminação, os substratos lipídicos tornam-se escassos, ocorrendo reações entre os próprios radicais livres.

Para medir a extensão da oxidação da gordura, dois tipos de testes normalmente são realizados:

  1. Acidez – Um elevado índice de acidez indica que o óleo ou gordura está sofrendo quebras em sua cadeia, liberando seus constituintes principais, os ácidos graxos. Por esse motivo, o cálculo desse índice é de extrema importância na avaliação do estado de deterioração (rancidez hidrolítica) do óleo ou gordura;
  2. Índice de peróxido – Um dos métodos mais utilizados para medir o estado de oxidação de óleos e gorduras via índice de peróxidos é determinado dissolvendo-se um peso de gordura em uma solução de ácido acético-clorofórmio, adicionando-se iodeto de potássio e titulando o iodo liberado com solução padrão de tiossulfato de sódio, usando amido como indicador. O resultado é expresso como equivalente de peróxido por 100 de amostra.

O artigo Métodos para avaliação da oxidação lipídica e da capacidade antioxidanteaprofunda a questão analítica.

DICAS PARA PREVENIR RANCIDEZ DE GORDURAS

Caixas, latas e baldes devem ser armazenadas ao abrigo de:

  • Luz solar direta e sob temperaturas amenas;
  • Umidade;
  • Longe de materiais com cheiro forte ou substâncias tóxicas;
  • Em embalagens íntegras e bem vedadas;
  • Com empilhamento adequado para evitar amassamento.

Gorduras armazenadas a granel devem:

  • Ter o descarregamento feito pelo fundo do tanque para se evitar respingos e incorporação de ar/ O2;
  • Ser mantidas em tanques de aço inox (AISI 304 ou AISI 316L) ou caso seja de aço carbono, revestido com resina epóxi grau alimentício, seguindo todas diretrizes para desenvolver um projeto sanitário;
  • Evitar contato com materiais de cobre, níquel e ferro e/ ou suas ligas inclusive em válvulas e tubulações;
  • Tampas devem ser herméticas para minimizar a entrada de oxigênio;
  • Ser mantidas em temperatura adequada em tanque isotérmico ou aquecido, sugerindo-se no máximo 5ºC acima do ponto de fusão;
  • Base do tanque de armazenamento deve ser inclinada para total esgotamento no esvaziamento;
  • Receber inspeção rotineira dos tanques para se verificar deposição no fundo ou nas paredes;
  • Possuir um desenho sanitário que facilite a limpeza;
  • Receber limpezas periódicas, indicando-se a cada dois meses, com água quente, preferencialmente com o uso de sprayballs (rotativo ou fixo), assim como limpezas profundas a cada 6 meses com detergente neutro. Em ambos os casos o tanque só deve ser usado após completamente seco;
  • Válvula de saída na parte inferior do tanque;
  • Ser dotado de isolamento térmico das tubulações ou aquecimento, seja por encamisamento ou traço elétrico, para se evitar entupimento;
  • Proteção do tanque com nitrogênio;
  • Evitar oxigênio em linhas de transporte e transferência, mantendo-as com nitrogênio.

Cuidados com manuseio

  • Evitar o contato das mãos diretamente na gordura ou usar luvas descartáveis;
  • Uso de utensílios de material inerte como inox ou plásticos;
  • Área de manuseio com superfícies de fácil limpeza, isto é, perfeitamente lisas;
  • As tubulações que transportam os óleos e gorduras dos tanques para áreas industriais devem ter uma inclinação que não permita empoçamento quando estiverem vazias, assim como não devem existir cantos mortos ou ângulos de difícil limpeza;
  • Cuidado com junções, válvulas e soldas não sanitárias e de materiais que possam catalisar processos oxidativos;
  • As tubulações devem ser mantidas cheias para minimizar contato com oxigênio, mas se for necessário esvaziá-las, devem ser preferencialmente preenchidas com nitrogênio. Após paradas prolongadas, como feriados ou férias coletivas, indica-se descartar o óleo ou gordura que ficou na tubulação.

Cuidados em processos de fritura

  • Evitar superaquecimento dos óleos e gorduras;
  • Evitar reúso de óleo e gordura.

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