No dia 21 de junho, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) regulamentou a produção e comercialização da carne cultivada em laboratório (cell-based meat) nos Estados Unidos. Por meio da FSIS DIRECTIVE 7800.1, que pode ser acessada na íntegra aqui, foram regulamentadas questões relacionadas à inspeção e verificação das atividades de fabricação destes alimentos.
A temática de carne cultivada em laboratório já foi discutida previamente aqui no blog, em duas publicações que merecem destaque. Em julho de 2022 a colunista Luiza Dutra realizou uma entrevista com a especialista e pesquisadora Aline Silva, em que foram discutidas questões de elaboração desse tipo de produto, bem como os principais desafios enfrentados na época. A postagem na íntegra pode ser acessada nesse link.
Em seguida, em setembro do mesmo ano, Juliane Dias dedicou uma postagem na íntegra detalhando as principais etapas de produção e questões relevantes para a segurança dos alimentos durante a elaboração dos produtos. A postagem pode ser acessada aqui e é altamente recomendada caso você queira entender um pouco mais sobre essa tecnologia.
No Brasil, ainda não há regulamentação ou especificações para esse tipo de produto. Entretanto, há um claro movimento de mercado no sentido da carne cultivada em laboratório e nós, como profissionais da segurança dos alimentos, devemos estar preparados para essa tendência.
Para nos auxiliar na compreensão desses aspectos, recentemente a FAO lançou o guia “Food Safety Aspects of Cell-Based Food” (Aspectos de Segurança dos Alimentos baseados em células – tradução livre), disponível para download nesse link. O documento aborda os seguintes elementos:
- Limitações de aspectos técnicos, como uso de terminologias para essa categoria de produtos, entendimento genérico de produção e questões regulatórias;
- Estudo de casos de países como Israel, Catar e Singapura;
- Identificação de perigos à segurança dos alimentos.
A identificação de perigos na produção de carne cultivada em laboratório foi resultado do trabalho de um painel de 23 especialistas sob coordenação da FAO em Singapura, em novembro de 2022. O trabalho foi desenvolvido com base na análise das quatro principais etapas de fabricação: fonte das células, produção, colheita e processamento do alimento.
Na tabela abaixo é possível observar um resumo dos principais perigos potenciais em cada uma dessas etapas.
Perigo |
Justificativa |
Perigos físicos |
Originado em qualquer etapa de processo que, se não controlado, pode resultar em uma contaminação física do produto |
Drogas veterinárias |
Originado dos tecidos utilizados, que não será degradado nas etapas posteriores de produção |
Toxinas microbianas |
Originado dos tecidos utilizados ou como resultado de uma contaminação microbiológica nas etapas de produção com geração da toxina em condições específicas de crescimento |
Transformação físico-química de substâncias químicas e aditivos |
Produtos utilizados durante as etapas de produção podem passar por transformação físico-química, gerando resíduos de metabólitos e outros químicos |
Resíduos |
Químicos adicionados intencionalmente durante a produção podem estar presentes no produto acabado, como antimicrobianos para prevenir contaminação, nutrientes e estabilizantes dos meios de cultura, moduladores da função celular e outros elementos usados para estabilidade celular |
Microrganismos patogênicos |
Microrganismos não detectados originados dos tecidos utilizados ou dos meios de cultura que sobrevivam às etapas iniciais de processo. Além disso, pode haver contaminação cruzada nas etapas de processamento ou dos operadores, assim como nos alimentos tradicionais |
Novas substâncias geradas pela modificação genética |
A modificação genética da fonte animal pode resultar em nova substâncias, como moléculas bioativas ou proteínas com efeito tóxico ou alergênicos |
Alergênicos |
Proteína animal e os demais agentes dos meios de cultura e químicos utilizados podem causar reações alérgicas. Além disso, as modificações genéticas podem resultar em novas ou aumentadas reações alérgicas |
O quadro apresentado é apenas um resumo. Caso você tenha interesse, o documento completo da FAO apresenta os perigos potenciais específicos para cada sub-etapa de processamento, assim como indica medidas de mitigação que podem ser utilizadas para controle ou redução dos perigos a níveis aceitáveis.
Ainda que as publicações sejam recentes e a tecnologia emergente, essa já é uma realidade que tende a se consolidar nos próximos anos. Cabe a nós, profissionais da segurança dos alimentos, nos atualizarmos e nos adaptarmos a essas tendências e inovações.
E você, já havia enxergado quais os perigos que podem estar presentes nas carnes cultivadas em laboratório? Faça seus comentários.
Imagem: www.startse.com
Andréa Boanova
De fato pensei em alguns desses perigos mas a matéria esclareceu outros aspectos importantíssimos. Muito bom!