A ANVISA publicou, em meados de agosto, o novo marco regulatório para avaliação toxicológica de agrotóxicos.
Particularmente, não gosto do termo “agrotóxicos”, assim como não concordo com “defensivos”, outro termo usado por alguns para os produtos químicos aplicados na agricultura.
Por mais que pareça apenas uma questão de semântica, deixa clara a forma antagônica como o órgão regulador e os fabricantes tratam e enxergam a forma e o uso desses produtos.
E isso é muito ruim!
Como químico entendo que a terminologia correta para a categoria é “pesticidas”, como aliás são chamados nos centros mais desenvolvidos do mundo.
Mas deixando a minha opinião e a forma de nomenclatura de lado, vamos ao que interessa: o novo Marco Regulatório publicado pela ANVISA.
O novo marco chega em um momento no qual o Brasil virou alvo de várias acusações relacionadas à preservação do meio ambiente e da vida, provocadas por uma enxurrada de fake news multiplicadas por pessoas que não são especialistas, mas que se sentem donas de conhecimento exemplar.
Para muitos, a palavra de um “ator global”, de uma “celebridade de canal de receitas culinárias” ou de qualquer “youtuber da moda” tem mais valor do que a de especialistas e doutores que dedicam suas vidas a estudar os efeitos do uso de produtos químicos na produção de alimentos.
Em um país com as condições climáticas como as nossas, o ataque de certos tipos de pragas (especialmente fungos) é muito alto e não há como fazer produção em grande escala sem o uso de produtos químicos.
A produção sustentável passa pelo uso adequado e dentro dos limites legais e está claro para todos que produtos usados em excesso significam aumento de custos, o que ninguém deseja.
Também é preciso lembrar que o que difere uma droga como remédio ou veneno é a dosagem.
O ponto de discussão deveria ser o uso correto e responsável, de acordo com a prescrição de especialistas.
Muitos acham normal se automedicar, mas apontam o dedo para outros que fazem o mesmo. Nosso problema está sempre na terceirização das responsabilidades.
Falando sobre o processo de registro: anteriormente o processo de registro de um produto demorava cerca de 10, 11 anos para ser finalizado porque havia a necessidade de aprovação em 3 instâncias (MAPA, ANVISA e IBAMA) sequenciais e isso fez com que muitas empresas se sentissem desestimuladas a investir porque o prazo para recuperação dos investimentos através da exclusividade da patente ficava curto demais.
Há diversos casos reais sobre marcas que já saíram do mercado sem terem cumprido todos os requisitos de registro, um absurdo!
O governo brasileiro (e aqui não há propaganda!) alterou o modelo para dar maior velocidade às aprovações. Hoje as avaliações são feitas nos três órgãos simultaneamente e não mais como antes, onde um órgão emperrava a ação de outro.
Outra fake news muito divulgada dava conta de que o governo liberou “centenas” de moléculas, quando na verdade o que houve foi a liberação de novos produtos, mas na grande maioria com moléculas já existentes.
A legislação brasileira, nesse aspecto, estava muito defasada com relação a outros países mais desenvolvidos.
Para se ter uma ideia da nossa “atualização”, o arcabouço legal para pesticidas é: Lei 7.802/89 (Lei de agrotóxicos), os Decretos 4.074/02 e 5.981/06 (regulamentam a Lei 7.802), a Lei 10.603/02 (proteção de dados) e a Portaria SNVS-MS nº 3/92 (diretrizes para avaliação toxicológica). Essa última, a Portaria nº 3/92, está vigente há 27 anos e está desatualizada frente ao conhecimento técnico-científico atual, às questões relacionadas ao bem-estar animal e às melhores práticas regulatórias adotadas no mundo.
A harmonização da classificação e rotulagem de produtos químicos foi uma das seis áreas programáticas endossadas pela Assembleia Geral da ONU para fortalecer os esforços internacionais relativos à gestão ambientalmente segura de produtos químicos. O Sistema de Classificação Globalmente Unificado (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals – GHS), lançado em 1992, na ECO 92, ainda não foi implementado em muitos países.
A Comunidade Europeia adotou o GHS em seu regulamento para classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e produtos, nestes incluídos os agrotóxicos, a partir de 2008, com sua implementação completa em 2017. Os EUA não adotam o GHS como um critério de classificação toxicológica, mas estabeleceram, em 2012, uma fase de transição, com a inserção de símbolos e alertas de perigo oriundos do GHS.
O Brasil implementou o GHS para classificação e rotulagem de produtos e substâncias por meio da Norma Regulamentadora 26 (NR-26) do Ministério do Trabalho.
O cenário global (atualizado) mostra que 53 países implementaram o GHS totalmente e 12 parcialmente.
A classificação toxicológica prevista pela Portaria nº 3/92 não está harmonizada com relação ao que é praticado no mundo.
No Brasil, a classificação toxicológica é feita com base no resultado mais restritivo de todos os estudos agudos de toxicidade oral, dérmica e inalatória, incluindo os resultados dos estudos de irritação cutânea e irritação ocular. Desfechos diferentes, como mortalidade e potencial de irritação, são tratados igualmente.
No GHS os resultados dos estudos toxicológicos de irritação dérmica e ocular e de sensibilização dérmica e inalatória não serão utilizados para fins de classificação toxicológica e sim utilizados para estabelecer a comunicação do perigo dos produtos.
A nova regulação da ANVISA propõe:
- Adoção de padrões similares de classificação aos adotados por outros países, promovendo a convergência regulatória;
- Melhorar a comunicação do perigo dos produtos avaliados;
- Promover a utilização dos métodos alternativos ao uso de animais em experimentação;
- Tornar as atividades de avaliação dos estudos toxicológicos mais eficientes e priorizar os produtos de baixa toxicidade; e
- Padronizar a comparação da ação tóxica entre produtos.
A proposta foi construída a partir de consultas feitas em 2011, 2015 e 2016.
O novo marco:
– CP 483/18 – Proposta de Resolução da Diretoria Colegiada – RDC que dispõe as informações toxicológicas para rótulos e bulas de agrotóxicos, afins e preservativos de madeira, no âmbito da Anvisa.
– CP 484/18 – Proposta de Resolução da Diretoria Colegiada – RDC que dispõe sobre os critérios para avaliação e classificação toxicológica, priorização da análise e comparação da ação toxicológica de agrotóxicos, componentes, afins e preservativos de madeira, e dá outras providências.
– CP 485/18 – Proposta de Resolução da Diretoria Colegiada – RDC que dispõe sobre os critérios para avaliação do risco dietético decorrente da exposição humana a resíduos de agrotóxicos, no âmbito da Anvisa, e dá outras providências.
– CP 486/18 – Proposta de Instrução Normativa – IN que estabelece e dá publicidade à lista de componentes não autorizados para uso em agrotóxicos e afins.
Nesse modelo, a avaliação toxicológica é feita com base na avaliação da força e do peso de evidência para fins de identificação e categorização do perigo.
Os principais objetivos do novo marco são: estabelecer os procedimentos para avaliação toxicológica para fins de registro e pós-registro de agrotóxicos, componentes, afins e preservativos de madeira; definir os critérios mínimos e procedimentos para submissão adequada dos dossiês de registro, inclusive com relação a utilização de métodos alternativos e regulamentar a possibilidade de aproveitamento das análises que subsidiaram as decisões de autoridades de outros países para aprovação do produto no país e exigência de estudos realizados em Boas Práticas de Laboratório.
A ANVISA também assumiu o compromisso de redução, refinamento e remoção de exigência de testes em animais de experimentação por substituição por outras técnicas.
Também a avaliação por analogia, quando um produto registrado por uma autoridade externa tem similaridade de medidas e controles, poderá ser usada para subsidiar o registro do produto no Brasil.
Quando houver pedido do requerente do registro, a Anvisa deverá priorizar a análise da avaliação toxicológica dos produtos de baixa toxicidade definidos por esta resolução de acordo com os seguintes requisitos:
I – Não apresentem suspeita de carcinogenicidade, de mutagenicidade, de toxicidade para a reprodução e de desregulação endócrina;
II – Não sejam sensibilizantes cutâneos;
III – Não sejam corrosivos/irritantes cutâneos ou oculares;
IV – Não apresentem efeitos neurotóxicos;
V – Não apresentem efeitos imunotóxicos; e
VI – Que sejam enquadrados como “Não Classificado” quanto à toxicidade aguda.
Também serão considerados produtos de “Baixa toxicidade”:
I – Os produtos da categoria dos agentes biológicos de controle;
II – Os semioquímicos com características que os enquadrem como “Não Classificado” quanto à toxicidade aguda; ou
III – Os produtos microbiológicos sem efeitos adversos relacionados à toxicidade, infectividade ou patogenicidade aos organismos-testes.
A classificação em função da toxicidade aguda deve ser determinada e identificada com os respectivos nomes das categorias e cores nas faixas do rótulo dos produtos, de acordo com o estabelecido abaixo:
I – Categoria 1: Produto Extremamente Tóxico – Faixa Vermelha;
II – Categoria 2: Produto Altamente Tóxico – Faixa Vermelha;
III – Categoria 3: Produto Moderadamente Tóxico – Faixa Amarela;
IV – Categoria 4: Produto Pouco Tóxico – Faixa Azul;
V – Categoria 5: Produto Improvável de Causar Dano Agudo – Faixa Azul; e
VI – Não Classificado: Produto Não Classificado – Faixa Verde.
A Classificação conforme GHS X Portaria 3:
No GHS os resultados dos estudos toxicológicos de irritação dérmica e ocular e de sensibilização dérmica e inalatória não serão utilizados para fins de classificação toxicológica e sim utilizados para estabelecer a comunicação do perigo dos produtos.
Os critérios para classificação dos desfechos de irritação/corrosão também são distintos.
Isso é um enorme ganho com relação à Portaria 3/92!
A identificação dos produtos será feita conforme tabelas abaixo:
Abaixo, um exemplo de rotulagem:
É importante que o uso desses produtos seja cada vez menor e mais eficiente e isso só se faz com pesquisa e atualização de legislação, afinal a ciência, e só ela, pode fazer com que a produção de alimentos no campo seja cada vez mais segura e livre de contaminações.
Nossas vidas e o meio ambiente agradecem!
Mais informações podem ser obtidas em:
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA) –Trecho 5, área especial 57, Brasília –DF –CEP:71205-050, www.anvisa.gov.br, twiter.com/anvisa_oficial, ANVISA ATENDE –0800-642-9782 e ouvidoria@anvisa.gov.br .
*Todas as imagens (tabelas) têm como fonte a ANVISA.
Este é um texto autoral e não reflete necessariamente a opinião da Associação Food Safety Brazil.
Alan Eduardo Rodrigues
Texto bem explicativo e completo, parabéns!
Jose Luiz Bariani
Olá Alan! Obrigado pelo comentário. Espero que as informações lhe sejam uteis no seu dia a dia. Abraços!
Denyse
Parabéns pelo texto, muito bom. Mas uma dúvida recorrente é o que já acontece hoje em dia, como vamos avaliar quanto pode ter no produto/ matéria-prima na indústria? As informações são muito vagas e de difícil acesso.
Jose Luiz Bariani
Olá Denyse, tudo bem?
Antes de tudo, obrigado pelas palavras!
Vamos lá… Se entendi direito, sua dúvida está relacionada aos limites máximos nos alimentos, correto?
Esse é o grande problema no Brasil, hoje, porque muitas culturas carecem de moléculas registradas e aí os produtores acabam por usar moléculas não registradas. Como os monitoramentos do MAPA (PNCRC) e da ANVISA (PARA) são feitos considerando as moléculas registradas, temos um situação de não identificação de contaminantes bastante preocupante. O caminho, como disse no texto, é a facilitação de registro de novas moléculas para que os monitoramentos sejam mais assertivos e o uso de pesticidas não registrados acabe de vez. É importante lembrar que isso deve ser feito olhando para o que o mercado externo espera, pois senão teremos desperdício de tempo e dinheiro aprovando moléculas que já estão proibidas fora do Brasil. No mais, as empresas devem adotar programas rigorosos (anuais) de monitoramento de moléculas considerando a maior abrangência possível, porque eu penso que devemos fazer nossa parte e dependermos o mínimo possível dos governos para isso. Para finalizar com um exemplo: Eu trabalho com amendoim que é plantado em rotação com a cana de açúcar. Mesmo sabendo que a possibilidade de contaminação cruzada é quase zero, fazemos o monitoramento de resíduos de todas as moléculas registradas e aplicadas ao amendoim e à cana, também. Assim, ficamos seguros e demonstramos aos nossos clientes que nosso modelo é robusto e confiável.