A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China não está apenas nos jornais — ela pode estar dentro do seu sistema de gestão de segurança de alimentos.
O que parece um embate político e econômico distante pode estar afetando diretamente a sua operação, o seu fornecedor, a composição do seu produto… e, principalmente, a segurança do alimento que você entrega ao consumidor.
Você já refletiu sobre como uma política de tarifas comerciais pode fazer com que o seu SGSA precise ser revisto? Quando insumos desaparecem, custos aumentam e fornecedores mudam, o SGSA exige ação rápida e estratégica — e é aí que muitas organizações falham ou se destacam.
Neste artigo, vamos entender:
- Como a guerra tarifária entre EUA e China vem afetando diretamente o setor alimentício global;
- Quais os impactos disso para empresas certificadas pela ISO 22000 e FSSC 22000;
- Que requisitos da norma são diretamente acionáveis nesse contexto;
- Como transformar um cenário de crise em oportunidade de reforço do SGSA;
- E por que manter a segurança de alimentos no centro das decisões é mais urgente do que nunca.
O que está em jogo na guerra tarifária EUA x China?
A disputa comercial entre Estados Unidos e China, iniciada em 2018 no primeiro mandato de Donald Trump, ainda reverbera no mundo inteiro — especialmente nos setores que dependem de insumos, ingredientes e matérias-primas importadas ou exportadas.
Segundo a OMC, essa guerra tarifária já impactou milhões de toneladas de produtos alimentícios, como grãos, carnes e ingredientes amplamente utilizados pela indústria, como o xarope de milho.
A imposição intempestiva mais recente de tarifas vem causando aumento nos preços, dificuldades logísticas e instabilidade nas cadeias de suprimento e no mercado financeiro.
A disputa entre os dois gigantes econômicos afeta diretamente o mercado global, inclusive o de alimentos.
O impacto direto no setor alimentício e no SGSA
O setor de alimentos sofre com:
- Aumento no custo de insumos, ingredientes, peças e equipamentos;
- Redução da oferta desses mesmos produtos;
- Alteração forçada em fórmulas e fornecedores.
Esses fatores desafiam diretamente a integridade dos Sistemas de Gestão de Segurança de Alimentos (SGSA), que exigem padronização, controle e validação rigorosa.
Para empresas certificadas em qualquer protocolo de segurança de alimentos, cada alteração pode gerar riscos adicionais à segurança dos produtos finais.
As mudanças podem afetar não só a qualidade, mas a segurança dos alimentos, ao longo de toda a cadeia.
O impacto organizacional e a necessidade de resposta estratégica
A guerra tarifária não afeta apenas os produtos. Ela altera também:
- O contexto organizacional, que deve ser monitorado continuamente conforme exige a ISO 22000;
- As expectativas de partes interessadas (clientes, fornecedores, órgãos reguladores);
- A estabilidade dos contratos e a conformidade com normas legais e sanitárias.
Clientes pressionam por preços menores. Fornecedores podem falhar nos prazos e nas quantidades. E as autoridades exigem comprovações mais detalhadas sobre ingredientes e origem dos insumos.
O impacto da guerra tarifária não deve ser visto apenas como aumento de custos, mas como uma potencial alteração no risco de segurança de alimentos.
Requisitos da ISO 22000 diretamente relacionados ao cenário
A seguir, os principais pontos da ISO 22000:2018 que se conectam a esse contexto de crise:
- Requisito 4 – Contexto da Organização: Compreensão de fatores externos (econômicos, políticos e legais) que afetam o SGSA.
- Requisito 5 – Liderança: Comprometimento da alta direção em manter a segurança dos alimentos como prioridade, mesmo sob pressão financeira.
- Requisito 6 – Planejamento: Avaliação e gestão de riscos e oportunidades. A guerra tarifária demanda planejamento para substituição de fornecedores, gestão de mudanças e controle de riscos emergentes.
- Requisito 7 – Apoio (Recursos): Manutenção de recursos críticos, mesmo com cortes ou ajustes orçamentários: pessoas, infraestrutura, conhecimento e sistemas.
Esses pontos não são apenas requisitos documentais — eles formam a base da resiliência organizacional para a Segurança de Alimentos em tempos de instabilidade global.
Oportunidade estratégica: adaptar o SGSA e reforçar compromissos
Em vez de apenas reagir, sua organização pode usar este cenário para revisar, fortalecer e tornar mais estratégico seu SGSA. Veja como:
1 – Reavaliação da cadeia de suprimentos: mudar fornecedores ou diversificar origens pode ser necessário. A ISO 22000 exige que você mapeie riscos e implemente ações preventivas.
Situações de crise aumentam as oportunidades para operações fraudulentas.
2 – Revisão da análise crítica de segurança de alimentos: as mudanças exigem uma nova avaliação de riscos, especialmente se houver alteração nos processos ou matérias-primas.
3 – Atualização de planos de contingência: Escassez de produtos, atrasos de entrega ou custos elevados? É preciso prever cenários e garantir continuidade sem comprometer a segurança de alimentos.
Não deixe a Segurança de Alimentos sair do primeiro plano
Momentos de crise colocam empresas à prova. É aqui que muitas negligenciam o SGSA — e pagam caro por isso. Priorize:
- Manutenção de recursos críticos (pessoas, infraestrutura, tempo e conhecimento);
- Validação de mudanças antes de implementá-las (ingredientes, processos e fornecedores);
- Comunicação clara e treinamentos atualizados com todas as equipes;
- Análise imediata de desvios: aumento de NCs, atrasos, falhas logísticas e mudanças na qualidade.
Um SGSA eficaz é aquele que é interativo com o contexto, mas que não perde de vista seus princípios fundamentais – a Qualidade e a Segurança do Alimento.
Em tempos de guerra comercial, o SGSA deixa de ser apenas uma ferramenta de conformidade e se torna um instrumento de sobrevivência e reputação.
O que separa empresas resilientes das que apenas sobrevivem é a capacidade de manter a segurança de alimentos como prioridade inegociável.
Revise agora mesmo sua cadeia de suprimentos, reavalie seus riscos e valide todos os processos impactados por variações de insumos. Promova reuniões com sua equipe de SGSA. Atualize o plano de contingência. Treine. Reforce. Antecipe-se.
Sua próxima decisão pode ser o que define o quanto a sua organização vai sofrer — ou crescer — em meio à turbulência global.
Diogo Ximenes é técnico em alimentos pela UFRPE, graduado em administração de empresas e pós-graduado em engenharia de alimentos. Com 17 anos de experiência na área de Qualidade e Segurança de Alimentos, é auditor líder FSSC 22000 e classificador oficial de açúcar pelo MAPA. É especialista no processamento de cana-de-açúcar para alimentos e bebidas, incluindo açúcar, cachaça e aguardente. Atualmente ocupa o cargo de Supervisor de Qualidade e Segurança de Alimentos em indústria sucroenergética em Pernambuco.
Leia também:
- Gestão de mudanças no contexto estratégico da segurança dos alimentos
- Gestão de Riscos e Segurança de Alimentos
- Análise crítica do SGSA
- Food Safety: riscos e oportunidades no comércio internacional