As recentes notícias a respeito da Operação Carne Fraca e seu desenrolar de consequências têm assustado – com razão – a população brasileira. O Brasil é o maior produtor mundial de carnes e um dos seus maiores consumidores: notícias que colocam em xeque a integridade da cadeia de carnes abalam quase todos os lares.
Há muito alarmismo e confusão no que está sendo divulgado. Pegos de surpresa, e/ou sem conhecimento da área, jornalistas e os próprios agentes da Polícia Federal parecem ter confundido algumas informações. Há agências misturando as acusações – como por exemplo, a BBC falando que a JBS e a BRF usava ácido ascórbico para “recuperar” carnes, acusação que recai na verdade sobre o Frigorífico Peccin. A respeito dessa desinformação e espalhamento de notícias confusas e falsas, sugiro ler a recente peça da nossa editora-chefe que aponta como distinguir notícias de boatos.
Boatos à parte, é fato que o consumidor está desconfiado. Sendo o elo mais fraco desta cadeia, é muito difícil que ele consiga se proteger de fraudes em alimentos – afinal, a cada nova operação contra fraudes descobrimos que os métodos empregados são bastante sofisticados. Quem frauda sabe como o alimento será inspecionado, e busca formas de passar ileso por esta inspeção.
Desta forma, é bastante complicado fazer recomendações que de fato evitem o consumo de alimentos fraudados – uma busca rápida pela internet (de preferência em inglês, pois é tema amplamente discutido lá fora) mostra que a maioria das medidas sugeridas são direcionadas à indústria. Técnicas de Food Defense para proteção interna da cadeia de alimentos já foram tratadas pelo blog Food Safety Brazil aqui, aqui, aqui.
Para o consumidor, além de confiar na proteção das Agências de Inspeção de Alimentos, há poucas recomendações. Quando a fraude abala a confiança nestas agências – como é o caso atual – ele fica bem desamparado.
Contudo, há sim algumas recomendações a serem feitas. Elas são medidas de contenção de risco e não de eliminação: isso significa que REDUZEM o risco de consumir alimentos fraudados, mas não ELIMINAM o risco.
Vamos a elas.
Medidas para Consumidores: como se proteger de fraudes em alimentos (ou reduzir a sua exposição ao risco)
O Instituto de Proteção e Defesa de Alimentos, da Universidade de Minnesota, lista em um infográfico as medidas:
- Compre de marcas e fornecedores com boa reputação: alegando que uma marca não gastaria em marketing para na sequência abalar a sua reputação com uma fraude;
- Leia os rótulos dos alimentos que você compra: entender o que compõe um produto faz com que o consumidor se habitue com seus ingredientes e possa detectar erros. Da mesma forma, muitas vezes evita que se considere “fraude” aquilo que está previsto na legislação daquela categoria de produtos;
- Seja cético em relação a preços que são muito bons para serem verdade: alimentos têm um custo de ingredientes, produção e distribuição que é razoavelmente parecido na cadeia. Apesar de que grandes empresas têm acesso a economia de escala, ela normalmente não é tão grande a ponto de tornar a diferença de preços entre produtos completamente díspar. (Desconfiar de preços muitos baixos é um bom conselho tanto para consumidores, quanto para compradores industriais?);
- Quando possível, compre seus alimentos de cadeias curtas e visíveis: seguindo o conselho deste artigo, de que quanto mais longa é a cadeia, mais vulnerável ela é. Além disso, quando possível, compre os alimentos de produtores com quem se possa falar.
- Compre alimentos da forma mais minimamente processada: quanto mais processado o produto, mais complexa a cadeia e maiores as chances de fraude.
Você pode baixar o infográfico aqui.
A opinião a favor de compra local e de produtos menos processados é compartilhada pelo The Guardian. Ler os rótulos e atuar em prol da autenticidade dos produtos são as medidas que The Food Rush argumenta.
Uma Associação de Consumidores da Nova Zelândia lista ainda outras ações para identificar quando um produto pode não ser genuíno:
- Rotulagem não clara
- Logos de certificação que parecem terem sido inventados
- Um cheiro ou odor suspeito (citando o caso dos pinolis contaminados na China com uma variedade não comestível – cuja detecção se deu pelo sabor amargo).
Lembro aos leitores que fraudes em alimentos não são regalias brasileiras, nem a nossa cultura é responsável pelos piores casos entre elas. O clima de “o Brasil não tem esperança” não faz sentido se você acompanha as notícias internacionais a respeito. A história da fraude em alimentos tampouco é nova: há evidências de que o vinho já era adulterado na época do Império Romano.
Já escrevemos aqui sobre os 10 piores escândalos mundiais de segurança de alimentos até 2013 (50% eram fraudes) e o escândalo da carne de cavalo e da carne suína em alimentos Halal no Reino Unido. Carnes, um dos alimentos básicos mais caros, está também no topo da lista da fraude internacional.
A cadeia de alimentos brasileira como um todo, da qual o estimado leitor e estimada leitora fazem parte (no mínimo como consumidores), é bem estruturada e está em constante melhoria. Da mesma forma, os métodos de inspeção que previnem que tais fraudes cheguem ao mercado só se aprimoram.
Portanto, esfrie a cabeça, pare de compartilhar memes e selecione sua fonte de leitura. Há muito que ser desdobrado das operações da Carne Fraca e esperamos mais esclarecimento nas próximas semanas.
Quer se aprofundar sobre o assunto? A University of Michigan, através da Food Fraud Initiative, oferece duas vezes por ano um curso online gratuito a respeito. Fique ligado para as novas datas em que ele será oferecido.
Na próxima semana, o Food Safety Brazil vai realizar um webinar gratuito a respeito. Para acessar, é só usar este link. Se você tem dúvidas que gostaria de ver respondidas ao vivo, deixe aqui nos comentários.
Teremos um chat ativo e você poderá participar fazendo login com a sua conta do Gmail.
Quero ver todos os leitores presentes!
Juliana Levorato
Excelente artigo! Parabéns Cris! Extremamente importante para ajudar os consumidores se sentirem mais seguros em relação ao continuar consumindo carnes.
Cristina Leonhardt
Obrigada, Ju! Um pouco de cabeça fria ajuda bem nessas horas. Ontem li em boa parte a denúncia feita, e tem muito sensacionalismo até ali
Ellen Lopes
Excelente artigo, Cristina! Especialmente porque ajuda de forma clara a orientar o consumidor.
Cristina Leonhardt
Obrigada pelo comentário, Ellen! Que bom vê-la por aqui 😉
Eduardo Toledo
Excelente artigo! Parabéns Cris! Informações importantes nesse momento.
Cristina Leonhardt
obrigada pelo comentário, Eduardo! Venha participar do nosso webinar esta semana ?
Everton Santos
Excelente artigo ! Varias soluções ! Parabéns !
Gostaria de tirar algumas dúvida amanhã:
– Seguindo o que está sendo divulgado na mídia, as principais fraudes nas carnes são em CMS e EMBUTIDOS pois fica “mais fácil” acrescentar algo nelas. Nos outros tipos de carne quais são as fraudes mais comuns ?
– Na mídia também foi divulgado que alguns fiscais receberam propina para aprovar as carnes com fraude. Se essa notícia for verdade, existe algum tipo de avaliação do trabalho desses fiscais ? Como é ?
Obrigado.
Daisy Fortes
Muito bom! Apenas creio que muitos de nós se sentiu um tanto mais enganado por que muitas das marcas deste escândalo são justamente ditas até então “de boa reputação”.
Daisy Fortes
*nos sentimos um tanto mais enganados…
Giselle Mendes
Adorei o artigo. Quando vi no jornal eu também pensei que eles tinham aumentado muito o problema.
Quando se exporta para fora do país, esses países não mandam fiscais para fazerem visitas periódicas nos seus fornecedores? quando os produtos chegam nos outros países não tem os fiscais de lá que fazem as suas próprias inspeções nos produtos que estão comprando? fiquei com essas dúvidas depois que vi as notícias da operação carne fraca. Eles jogam a culpa toda em cima dos fiscais brasileiros, mas os fiscais desses países não deveriam fiscalizar o produto quando chega nos país tb? tipo uma forma de confirmar que a qualidade está sendo mantida…
Desculpa por perguntar tanto, é que não tenho muita noção dessas coisas.
Cristina Leonhardt
Oi, Giselle, tudo bem? Muitas perguntas mesmo, vamos ver se consigo lhe ajudar:
1) O esquema de exportação de produtos alimentícios de origem animal é bem controlado, como você supôs. Existem diversos tipos de acordo que permitem ao Brasil exportar para países (temos a Lista Geral, os acordos bilaterais, os acordos com blocos econômicos, por exemplo). Alguns destes acordos reconhecem o sistema de inspeção animal que conduzimos aqui (notadamente, derivado do RIISPOA), outros pedem controles adicionais a ele. Muitos países importadores mandam missões antes de permitir as primeiras exportações – então sim, seus fiscais vêm aqui fazer uma auditoria do nosso sistema fiscalizatório, para entender se ele é adequado ao seu.
Há uma tendência de harmonização nas legislações mundiais desta categoria, de forma a permitir o livre comércio.
2) Sobre a questão de “com quem reside a culpa”, há bastante controvérsias. Aqui no Brasil temos a ideia de que certas legislações “não pegam” porque não são fiscalizadas devidamente – mas esta não é a lógica de todos os países.
O entendimento mais contemporâneo sobre o assunto é de que a garantia de qualidade é de responsabilidade do produtor. No caso, da empresa ou do país de origem daquele produto. Este entendimento considera a complexidade de controles que existem em uma indústria de alimentos, e que seria muito difícil, para um fiscal que faz apenas uma análise amostral, encontrar riscos que não tenham sido prevenidos na indústria.
É meu entendimento também: a maior responsabilidade está com quem produz, que deve ter ética acima de tudo (ou ir produzir qualquer outra coisa que não coloque a saúde humana em risco).
Espero ter respondido à sua pergunta e obrigada por comentar!