Em tempos tão difíceis como este que estamos vivendo, diversas questões nos surgem à mente. Quando começamos a lavar as mãos de fato? Será que o brasileiro sempre teve esta cultura? E o banho, será que todos tomam de forma adequada? Será que os hábitos de higiene sempre estiveram presentes em nossas vidas?
A primeira coisa que me levou a pensar sobre a higiene das mãos foi a seguinte: antes de todas estas informações acerca da Covid-19, como era quando você estava em um restaurante qualquer, sentado à mesa e observando as pessoas? Tente lembrar como eram esses tempos… Você lembra quantas pessoas lavavam as mãos antes de servir o alimento? Tenho certeza de que era possível contar nos dedos de apenas uma mão.
Fui atrás dos fatos históricos para ver de perto essa questão. Quando falamos em higiene, falamos de questões de saúde e, claro, de “food safety” também. Analisando nossos antepassados pude constatar que não há grandes relatos históricos sobre o tema. Os povos indígenas, por exemplo, tinham hábitos higiênicos melhores que muitos brancos da época. Era comum a este povo viver próximo aos rios e isso facilitava o banho, que podia ser de 4 a 6 vezes por dia, claro que sem uso de sabão propriamente dito, no entanto usavam alguns óleos aromáticos que inclusive protegiam de doenças.
Os europeus vindos para o Brasil por sua vez tinham poucos hábitos higiênicos, somados às roupas europeias que não favoreciam em nada a ventilação dos corpos. Pelos moldes atuais podemos dizer que eram legítimos “Cascões”, com costumes medievais. Durante a pandemia de peste bubônica (Peste Negra) ocorrida em meados dos anos 1300, os europeus acreditavam que a água auxiliava na disseminação da doença, através da abertura dos poros da pele, o que poderia permitir a penetração do agente e portanto a lavagem das mãos e o banho não eram práticas recomendadas.
Durante as viagens para o Brasil, a água realmente era uma preciosidade e somente utilizada para matar a sede. Imagine essas pessoas viajando meses a fio sem banho, sem limpeza, defecando no mar, sem troca de roupas…enfim, nessa época a coisa realmente não cheirava bem.
Os negros, embora tivessem bastante acesso à água em seu país de origem (tinham costumes semelhantes aos indígenas), ao chegarem ao Brasil não possuíam liberdade para escolher quando e onde se lavar.
Quando a corte portuguesa chegou ao Rio de Janeiro, chegaram também muitos acompanhantes da corte, o que provocou um aumento inesperado da população. Com isso, todo lixo e sujeira gerado era recolhido pelos urubus e ratos que existiam em grande quantidade na época. A urina e as fezes produzidas nas residências eram recolhidas em tambores e transportadas nas costas dos negros pela manhã e claro que durante o percurso, parte dos dejetos eram perdidos pelo caminho escorrendo pelo corpo dos negros que recebiam o apelido de tigres (a amônia da urina que caia sobre o corpo manchava a pele), esses resíduos perdidos contribuíam ainda mais para o caos da cidade.
Além das roupas dos europeus, que não eram lavadas com frequência e eram compostas por muitas camadas, nada tendo a ver com o clima tropical do nosso país, as refeições eram realizadas muito mais com as mãos do que com o uso de talheres.
Quem nunca ouviu falar, por exemplo, que dom João VI tinha costume de carregar pernas de frango nos bolsos para fazer o lanche fora de hora? – consigo ver o pessoal de Food Safety com cara de nojo. Pois bem, ele não possui relato histórico de banho durante sua vida inteira. Para se ter uma ideia, o máximo que ele fazia era molhar suas canelas que possuíam afecções de pele nas águas salgadas do mar (por recomendação médica). Para isso, ele era levado pelos escravos em sua cadeira até a água onde molhava apenas a canela!! E nada mais. Pense que a mesma mão que era usada para comer e coçar, e ele coçava muito o corpo todo, era dada ao beija-mãos (visualize essa atitude nos dias atuais).
A higiene pessoal de maneira geral teve significativa evolução após a criação da indústria de higiene pessoal na virada do século 19 para o 20, inicialmente instalada nos EUA. O país resolveu estabelecer os métodos de higiene baseados no puritanismo (acreditavam que a limpeza do corpo deixava mais perto do divino) e também dos indígenas que tinham hábitos semelhantes aos do Brasil. No entanto, a higiene nessa época não tinha apelo de saúde e sim religioso num primeiro momento e de sedução numa segunda fase. Uma das técnicas de vendas adotadas, por exemplo, eram propagandas associadas ao poder de sedução de homens com a barba feita, cabelo cortado e asseio corporal.
No Brasil, a situação só mudou de fato no século 20, próximo à “Era Vargas” e após a II Guerra Mundial, quando o Brasil passa a seguir as tendências americanas, mudando inclusive, o leiaute das casas, que passam a ter banheiros na parte interna. Para se ter uma ideia, há 25 anos a Argentina consumia mais produtos de higiene do que o Brasil inteiro. A situação do país só mudou depois que o governo diminuiu os impostos sobre os produtos de higiene, fazendo o Brasil passar a 4° maior consumidor de produtos de higiene/beleza do mundo (isso já no século 21).
Agora vamos à atualidade. Os gastos com produtos de higiene têm aumentado consideravelmente, no entanto ainda há relatos de que o brasileiro médio gasta um sabonete por mês! Durante a pandemia descobrimos que muitos nem fazem uso dessa iguaria. Quanto ao hábito de lavar as mãos, lembram da minha citação no início do texto? Esse hábito até hoje é escasso, talvez mude após esta pandemia.
A gripe espanhola trouxe mudanças que melhoraram as condições da época, como as instalações de saneamento básico, mas até hoje sabemos que nem todos têm acesso ao saneamento básico, que dirá o resto, muitos se banham em águas poluídas e outros nem água têm. Todos os anos vemos diversas reportagens sobre a balneabilidade das praias e sempre há restrições aqui e ali (durante o verão parece que as pessoas esquecem de onde vem as impurezas que tornam a água do mar e rios impróprias ao banho). Em 2019, empresas como hotéis e restaurantes de Santa Catarina, por exemplo, foram identificados descartando seus resíduos sem tratamento no mar, lagos ou rios.
Hábitos como lavar as mãos, usar máscaras, deixar sapatos fora de casa, trocar de roupa ao chegar da rua, higienizar o celular (quem fazia de fato isso antes da pandemia?), tão recomendados nas últimas semanas, hábitos mais comuns aos povos orientais, ainda são vistos como frescura por muitas pessoas. Convido o leitor a questionar seus colegas de trabalho ou condomínio sobre o tema para ver o que dizem. O tempo dirá se isso vai se tornar rotina ou se será mais um hábito passageiro.
A metodologia de higiene das mãos teve início entre 1975 e 1985, quando foram publicados os primeiros guias acerca de práticas de lavagem das mãos em hospitais pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, 2002), porém a prática correta para a população em geral só passou a ser conhecida de fato agora, por meio das mídias e propagandas governamentais. Até então, era coisa restrita a manipuladores de alimentos de fábricas e restaurantes.
Juliane Dias
Que rico texto, Juliana!
Juliana Barbosa
Obrigada pelo feed back
Emilson
Parabéns pela escolha do assunto, muito atual e interessante esperamos que a partir de agora vire um hábito!!!
Juliana Barbosa
Obrigada!
LUIZA DUTRA RODRIGUES
Apaixonada pelo texto! Parabéns! Adorei saber sobre esses detalhes históricos!
Juliana Barbosa
Obrigada!
Sueli da Silva Gonçalves.
Olá Dr.Juliana Barbosa, é de Excelência, termos o reconhecimento de bons hábitos higiênicos e podermos padronizarmos ao cotidiano. Espero também que a Educação Social também inicie junto com bons hábitos para os estudantes crescerem e poderem freqüentarmos as Faculdades hojê tão caras e cada vez mais raras por todo o Brasil. Que tenhamos mais acesso a Graduações Gratuitas para Formações e Formadores.
Grande abraço !