Desafios em segurança de alimentos para café destinado à exportação

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Estima-se que cerca de 1,4 bilhões de xícaras de café sejam consumidas diariamente no mundo, consolidando esta tradicional bebida como um dos principais commodities de exportação para muitos países. Por isso, logicamente, o mercado global de café é um dos mais importantes e dinâmicos.

Boa parte do café produzido no Brasil fica para o mercado interno, afinal temos  consumo per capita em torno de 6,4 kg/ habitante/ ano. Porém, o restante que segue para exportação é significativo, a ponto de nos colocar como líder mundial, responsável por cerca de 30% da produção global.

Para se ter uma ideia, na visão do mercado financeiro mundial, em especial nas operações de mercado de futuro, o café é uma commodity que ocupa a segunda posição entre as mercadorias com maior valor de mercado, perdendo somente, em ganhos de valor, para a tradicional e mais negociada commodity, o petróleo, ou seja, é um produto extremamente importante.

No entanto, à medida que o mercado de café se expande e evolui, além do rigor na clássica classificação pelo número de defeitos, surgem novos desafios, com os cuidados com a segurança de alimentos sendo uma exigência fundamental nos processos de exportação. Eles precisam ser gerenciados de forma eficaz em toda cadeia produtiva para destacar o produto brasileiro dos demais no mercado global.

O Brasil no mercado de café

O Brasil tem uma longa tradição no cultivo de café, sendo o maior exportador mundial e o segundo maior consumidor global da bebida. Além da importância em termos de volume, o Brasil destaca-se também na qualidade do seu café.

A produção brasileira é predominantemente composta por cerca de 64% arábica e 36% conilon (robusta), sendo que  de uma forma geral o arábica é mais complexo, encorpado, suave e, por isso, é considerado um café mais fino. Já o conilon ou robusta é considerado mais neutro, com um leve amargor, porém possui mais substâncias solúveis (açúcares e cafeína) com grande aceitação no mercado americano e europeu, sendo muito valorizado para composição de blends e pela indústria de café instantâneo.

Os cafés selecionados com baixos defeitos têm alto valor agregado, sendo muito valorizados para exportação. No Brasil também são vendidos, normalmente com nome de Gourmet ou Especial, cuja classificação é feita por entidades diferentes, e os critérios de avaliação variam:

CAFÉ GOURMET CAFÉ ESPECIAL
Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) classifica os cafés gourmet, com notas de 75 a 80 pontos, possuindo qualidade superior aos tradicionais, mas inferiores aos especiais;

Brazil Specialty Coffee Association (BSCA) classifica os cafés especiais, com notas acima de 80 pontos no padrão SCA, considerando que são avaliados por especialistas e devem ter 100% de pureza dos grãos. Algumas características dos cafés especiais são:

  • Torra equilibrada que realça os sabores e aromas naturais;
  • Torra em lotes menores para preservar o sabor original;
  • Sabor e aroma distintos, com notas de frutas, flores, caramelo, chocolate, baunilha, entre outros.

 Nos últimos anos, as regiões produtoras de café especial como sul de Minas, Cerrado Mineiro e a Chapada Diamantina vêm ganhando reconhecimento internacional, sendo estes terroirs valorizados e reconhecidos pela alta qualidade e notas sensoriais do café que produz.

Em 2024 a saca do café pilado (60 kg) alcançou preço de R$ 1,1 mil em plena colheita, o melhor valor dos últimos 13 anos, mostrando o quanto o setor é atrativo.

Os café com mais defeitos também têm mercado, muitas vezes recebem uma torrefação mais enérgica justamente para disfarçar tais defeitos e são vendidos como “extra fortes”, sensorialmente apresentando um after testing de amargor. Os aromas mais nobres são perdidos no processo, como é tratado no artigo “Você está bebendo café ou sujidades torradas?“, mas é fato que existe um mercado cativo para este tipo de produto que normalmente é mais barato.

A diversificação em qualidade permite que o Brasil atenda a diferentes nichos de mercado conforme requer cada público-alvo, desde cafés gourmet  e especiais, passando por commodities em larga escala e produtos de menor valor agregado.

No entanto, para manter sua posição de liderança no mercado global, o setor cafeeiro brasileiro enfrenta desafios constantes, tanto internos quanto externos, tais como a volatilidade dos preços internacionais, a concorrência de outros países produtores como o Vietnã e as mudanças climáticas que afetam a produtividade e o valor agregado do café brasileiro.

A essas questões, somam-se os desafios logísticos e os altos padrões de qualidade e segurança exigidos pelos mercados internacionais, especialmente quando se trata da exportação do produto para os Estados Unidos e a Europa.

Desafios para a exportação de café

Desde o chamado “ciclo do café” que perdurou por mais de 100 anos, entre 1800 e 1930, no qual a cafeicultura se manteve como a principal atividade econômica do Brasil, este commodity não perdeu importância para trazer divisas ao Brasil, que atualmente produz cerca de 59 milhões de sacas/ ano (cada saca tem 60 kg), dos quais 40% ficam para o mercado interno e o restante segue para exportação. O Brasil é o maior exportador de café há cerca de 150 anos, sendo seguido pelo Vietnã.

Quanto às rotas de exportação, o Brasil e a Colômbia têm como principais destinos os EUA e a Europa, especialmente Alemanha e Itália, que distribuem o produto. O Vietnã também entra nos mesmos mercados, mas mantém foco em mercados asiáticos e ocidentais; já a Etiópia, que produz cafés exóticos, envia seu produto para a Europa e boa parte para o Oriente Médio.

O processo de exportação exige não só qualidade no produto, mas também o cumprimento de uma série de regulamentações e requisitos de normas internacionais, como por exemplo, o Rainforest Alliance para agricultura sustentável e a FSSC 22000 para food safety.

Os principais desafios para a exportação de café incluem:

  1. Rastreabilidade e certificações: países importadores, especialmente na Europa e na América do Norte, exigem que os produtos agrícolas tenham sistemas rigorosos de rastreabilidade. Isso significa que os produtores e exportadores devem ser capazes de fornecer informações detalhadas sobre a origem do café, os processos de cultivo e colheita, além das práticas de segurança adotadas ao longo da cadeia produtiva;
  2. Padrões de qualidade: para competir nos mercados internacionais, os produtores de café precisam atender a critérios de qualidade cada vez mais exigentes, o que inclui desde o sabor e aroma até a ausência de defeitos, e claro, controle sobre contaminantes químicos, físicos ou microbiológicos, sendo um dos grandes desafios atender consistentemente aos limites para micotoxinas e pesticidas;
  3. Logística e transporte: O transporte do café até os mercados consumidores é outra área crítica, considerando que a maior parte do café brasileiro é exportada por via marítima, o que exige cuidados com o armazenamento e o tempo de transporte, garantindo que o produto mantenha sua qualidade e não sofra contaminações ou deteriorações durante o trajeto;
  4. Mudanças regulatórias e/ ou normativas: As regulamentações internacionais de segurança dos alimentos estão em constante evolução. Normas como as impostas pela Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA) e pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos exigem que o Brasil esteja em constante adaptação para cumprir os requisitos mais recentes de segurança e qualidade.

Principais riscos em segurança dos alimentos para o café

Quando se trata de segurança dos alimentos no contexto da produção e exportação de café, os principais riscos estão relacionados à contaminação biológica, química e física. Entre os riscos mais comuns, podemos destacar:

  1. Contaminação por micotoxinas: as micotoxinas, especialmente a ocratoxina A (OTA), são substâncias tóxicas produzidas por fungos que podem contaminar o café durante a fase de armazenamento. Elas são uma preocupação significativa no comércio internacional, uma vez que níveis elevados de micotoxinas podem ser prejudiciais à saúde humana e, portanto, são estritamente controladas pelas regulamentações dos países importadores;
  2. Resíduos de defensivos agrícolas: o uso inadequado de defensivos agrícolas pode resultar na presença de resíduos químicos no café. Para exportar o produto, os níveis de defensivos agrícolas devem estar abaixo dos limites máximos estabelecidos pelos países importadores, e claro, somente moléculas autorizadas para uso em café por estes países;
  3. Contaminação física: outro risco importante é a presença de contaminantes físicos como pedras, galhos ou insetos, que podem entrar no produto durante a colheita ou processamento, cuja presença é uma ameaça à segurança do consumidor e à qualidade do café exportado;
  4. Contaminação cruzada: durante o processo de produção, colheita, armazenamento ou transporte, pode haver risco de contaminação cruzada, sendo que substâncias alergênicas ou outros contaminantes podem comprometer a segurança do café. Como exemplo, se durante a safra de soja, um mesmo caminhão sem a devida limpeza for utilizado para transportar café, pode ocorrer mistura de alguns grãos que ficaram perdidos na carroceria do caminhão.

Medidas de prevenção e controles de qualidade

Nos últimos anos, o Brasil tem intensificado os esforços para mitigar esses riscos e garantir a segurança dos alimentos no setor cafeeiro. Algumas das principais iniciativas incluem:

  1. Adoção de Boas Práticas Agrícolas (BPA): a implementação de técnicas que envolvem o uso controlado de defensivos agrícolas, manejo adequado do solo e das fontes de água, colheita e pós-colheita realizadas com devidos cuidados de higiene são essenciais para minimizar os riscos de contaminação;
  2. Certificações de qualidade e segurança dos alimentos: o Brasil trabalha para a obtenção de certificações internacionais, como Rainforest Alliance, UTZ e Fair Trade, que garantem que o café produzido segue rigorosos padrões ambientais, sociais e de segurança dos alimentos, e claro, FSSC 22000 ou outras normas reconhecidas pelo GFSI (Global Food Safety Initiative) nas etapas de beneficiamento;
  3. Monitoramento e análise de micotoxinas: laboratórios certificados realizam monitoramento contínuo dos níveis de micotoxinas no café, garantindo que as exportações estejam dentro dos limites permitidos pelas regulamentações internacionais, e mais que isso, para garantir estes limites, há que se ter rigoroso controle durante armazenamento e processamento dos grãos para minimizar riscos de fungos;
  4. Sistemas de rastreabilidade: o desenvolvimento de sistemas robustos de rastreabilidade em toda a cadeia produtiva é fundamental para garantir que cada lote de café possa ser rastreado até sua origem, o que é uma exigência cada vez mais comum nos mercados internacionais, inclusive pela valorização de determinados terroirs de café.

Como visto, o Brasil ocupa uma posição de destaque no mercado mundial de café, mas enfrenta desafios crescentes para se manter competitivo, especialmente no que diz respeito à segurança dos alimentos e às exigências regulatórias internacionais.

O mercado é promissor e continua se expandindo, como representa a recente chegada de grandes players produtores de café instantâneo, como a Olam Internacional, uma empresa de Singapura e a multinacional francesa Louis Dreyfus Company, ambas instaladas no Espírito Santo, por ser uma posição logística central entre os grandes produtores do próprio Estado, mas também da Bahia e de Minas Gerais, com foco na produção de café solúvel exclusivamente para exportação via portos de Aracruz e Vitória.

A partir do dia 23 de setembro de 2024 as cotações futuras do café conilon robusta passaram a ser negociadas na Bolsa de Valores do Brasil (B3).

Investir em inovação, qualidade, boas práticas agrícolas e de produção, e claro, em sistemas de gestão de segurança dos alimentos, é essencial para garantir que o café brasileiro continue a ser apreciado globalmente, mantendo sua relevância no cenário internacional e atendendo às expectativas dos consumidores em termos de segurança e sustentabilidade.

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