Por Ellen Lopes, Ph.D.
Antes de entrar no tema, sou obrigada a recuperar um pouco da história da evolução da qualidade e da segurança de alimentos aqui no Brasil.
Na década de 80 ainda havia muita limitação de bons fornecedores quanto à segurança de alimentos. Vale observar que nesta época não se fazia “auditoria”, e sim “visita técnica”. O relatório demorava cerca de duas semanas para ficar pronto – era datilografado pelas secretárias… Além de avaliar o que deveria ser corrigido (na época não se usava termo “não conformidade” nem o termo “ação corretiva”), os profissionais de grandes empresas de alimentos designados para este trabalho tinham de apontar soluções, e por vezes trabalhar junto com os fornecedores até conseguirem a qualidade e nível de segurança de alimentos exigidos por sua empresa. Na terminologia atual, faziam verdadeiras “consultorias” grátis (para o fornecedor, mas claro às custas da empresa interessada, já cliente ou não).
De 1992 a 1993, trabalhando no Inmetro, tomei contato com as normas ISO 9000, durante o auge do PBQP – Programa Brasileiro de Produtividade Qualidade, que havia sido lançado em 1990 pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.
Enquanto muitos profissionais da área ainda não acreditavam que as normas da série ISO 9000 eram aplicáveis a alimentos, eu, fundamentada no aprendizado adquirido no Inmetro, o Organismo de Acreditação por excelência do Brasil, tinha não só a convicção como a certeza disso, e entendia que eu tinha a missão de ajudar a divulgar esta ideia. Comecei a procurar interlocutores, como foi o caso do então Diretor Técnico da ABIA, que ainda então descrente, me convidou para um Seminário onde o tema foi discutido.
Como parte desta missão me credenciei como auditor líder de ISO 9000 com a QMI – Quality Management International, da Inglaterra, em parceria com a Fundação Vanzolini. Fui a primeira auditora líder a trabalhar na Vanzolini com auditorias no segmento alimentos, e lá sempre exigíamos que a ISO 9000 fosse integrada com a segurança de alimentos, filosofia que nem sempre era seguida por várias outras certificadoras…
Já na Food Design, em 1999 fomos aprovados pela Nestlé para realizar auditorias do seu sistema de Certificação de Fornecedores, tendo trabalhado com praticamente toda a gama de matérias primas e co-manufacturings da empresa. Tempo média das auditorias: 2 a 3 dias in loco, mais média de 2 dias para relatório.
Em 2005 fui aos Estados Unidos para conquistar a certificação de auditor líder do sistema FPA/ SAFE, (mais trade chamado de GMA SAFE) o sistema de auditoria de alimentos mais profundo, melhor formatado para gestão da qualidade e segurança de alimentos que conheci.
Com meus mestres aprendi que auditoria exige a realização de muitos “checks”, challenges e avaliações críticas. No sistema GMA-SAFE estes “checks”, challenges e avaliações críticas não podiam ser “bypassados” pelo auditor, porque havia um rigoroso sistema de revisão e de pontuação do auditor, vinculado inclusive a sua remuneração. E apenas como referência, o padrão de tempo de auditoria era de no mínimo de 4 dias para a auditoria considerada padrão.
Depois vieram as normas IFS, BRC e FSSC 22000. E veio o GFSI – Global Food Safety Initiative.
Todo este cenário e evolução teve certamente um lado benéfico, induzindo muitas empresas a aprofundarem o nível de exigência em segurança de alimentos, para sua própria produção e ou para seus fornecedores.
Mas, paralelamente a tudo isso, assiste-se ao surgimento de um lado maléfico: há uma verdadeira “guerra” de preços, de um lado imposta pelos clientes, e por outro lado, pela concorrência cada vez mais acirrada entre as empresas, certificadoras ou não.
Há uma diminuição da senioridade das equipes de auditores e dos gestores de muitas empresas.
Consequência ou não, percebe-se aumento do número de auditorias para qualificação de fornecedores com tempo e ou qualidade insuficiente para uma “real” auditoria.
Posso afirmar, com base em troca de experiência com outros consultores e ou através dos olhos e relatos de nossos clientes, que há um aumento de não conformidades descabidas, com interpretações “ao pé da letra”, que por vezes não têm fundamentação nem em normas nem em legislação, que não resultam em agregação de valor quanto à segurança de alimentos.
E pior, estas não conformidades descabidas podem levar a uma desagregação de valor, já que muitas vezes não são questionadas e muito tempo e dinheiro pode ser perdido em fazer/ refazer árvores decisórias, classificar/ reclassificar PCCs e PPROs etc etc etc.
Finalizando este artigo, gostaria de alertar os profissionais que hoje coordenam sistemas de gestão da segurança de alimentos para que reflitam que estas más práticas de auditoria podem colocar em risco, não só o bem maior que é a saúde dos consumidores, como o nome de sua empresa, seu próprio nome e sua credibilidade como profissional . Isso sem falar do risco de processo crime como co-responsável em caso de real agressão à saúde do consumidor.
Para o bem maior da segurança de alimentos, proponho como há empresas no mercado para as quais este tipo de trabalho vem sendo considerado útil, que mudemos o nome de “auditoria” para algum outro nome mais representativo do que de fato é oferecido, tipo “Preenchimento de questionário in loco”, para que não se venda e não se compre gato por lebre.
Fonte da imagem IMG Residency
Angela Busnello
Perfeita colocação , estas auditorias realmente não devem ser utilizadas como parâmetro para medir a eficiência de um sistema de Gestão da qualidade . Excelente abordagem.