No post “A contribuição da inspeção ante-mortem de frangos para a segurança de alimentos” prometi que explicaria a questão do abate sanitário de lotes de frangos em caso de jejum não respeitado. Contudo, aproveito o espaço para dizer como é o abate sanitário e em quais outros casos posso tê-lo numa planta abatedora de frangos.
Vamos considerar os seguintes lotes para abate sanitário:
- Período de jejum mínimo não respeitado
- Aves com papo cheio
- Suabe de arrasto com laudo positivo para Salmonella spp.
- Período de carência de medicamentos não respeitado
As experiências compartilhadas estão pautadas na minha vivência e podem mudar de empresa para empresa, pois dependem dos planos de autocontrole aprovados pela autoridade sanitária competente.
Primeiramente, como é o abate sanitário?
Ele pode estar contemplado no Plano APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle), PSO (Procedimento Sanitário Operacional) ou PPHO (Procedimento Padrão de Higiene Operacional) da empresa e seu objetivo principal é evitar a contaminação cruzada no processo. Resumidamente, ele pode ocorrer da seguinte maneira (podendo variar de acordo com cada plano aprovado nas empresas):
- O lote suspeito é abatido no final do turno de abate do dia;
- Após o final do abate do último turno, aguarda-se um determinado tempo para que as carcaças do lote anterior saiam totalmente do pré-chiller;
- As aves podem entrar no abate em velocidade de linha reduzida, em caso de papo cheio ou jejum mínimo não respeitado, para minimizar a contaminação cruzada e melhorar a qualidade do serviço da inspeção post-mortem e do PCC 1B (contaminação fecal e biliar);
- Quando este lote entrar no pré-chiller e chiller, não deve haver nenhuma outra carcaça do lote anterior;
- Após saída do chiller e destinação para cortes, os produtos podem ser sequestrados para análise laboratorial para casos de período de carência de medicamento não respeitado ou desabilitação do lote para certos mercados, como o europeu, em casos de suabe de arrasto positivo para Salmonella spp;
- Após o término do abate sanitário a planta é submetida ao rigoroso processo de PPHO (higiene operacional) conforme descrito no plano da empresa.
- Período de jejum mínimo não respeitado
O colaborador do serviço de inspeção oficial, ao executar a inspeção ante-mortem, se atenta para essa informação mediante os documentos: FAL (Ficha de Acompanhamento do Lote) e Boletim Sanitário. Se no momento do abate o jejum for inferior ao mínimo exigido, o lote será considerado como risco de contaminação microbiológica por Salmonella sp.. Este risco se dá pelo fato de as vísceras das aves estarem repletas de conteúdo fecal e aumentar as chances de disseminação da bactéria nos produtos e na planta. Portanto, o lote é submetido ao abate sanitário.
Figura: Boletim Sanitário contendo informação da data e hora da retirada da alimentação. Fonte: arquivo pessoal
Claro que a empresa pode optar por abater este lote mais adiante, colocando outros (com período de jejum conforme) à frente. O problema é quando não há mais nenhum lote para ser abatido e consequentemente só resta este para abater. Por outro lado, se o tempo de espera for muito longo (mais que 12 horas) para atender o período mínimo de jejum, haverá falha de Bem Estar Animal.
- Aves com papo cheio
O colaborador do serviço de inspeção oficial pode detectar, durante o exame visual e palpatório das aves, a presença de muitas aves com PAPO CHEIO.
Figura: Palpação do papo durante a inspeção Post-mortem. Fonte: arquivo pessoal
Por que se preocupar com o papo cheio?
O tempo de jejum dos frangos não deve ser maior que dez horas, tempo este que inclui o transporte e a espera na plataforma do abatedouro. Um período maior que este faz com que a ave fique estressada e elimine uma quantidade maior de Salmonella spp, aumentando a contaminação cruzada entre aves. O consumo de cama, que permite o papo cheio, também pode ser intensificado pela ave enquanto no aviário pela procura de alimento, o que aumenta a ingestão da bactéria. O jejum muito prolongado torna a parede intestinal mais frágil, o que leva a um maior número de rompimentos durante o processo de abate.
Fonte: arquivo pessoal
Portanto, nesses casos de detecção de lote com papo cheio, o mesmo deverá ser submetido ao abate sanitário, devendo ser encarado como um risco sanitário semelhante à contaminação fecal.
- Suabe de arrasto com laudo positivo para Salmonella spp
De acordo com a IN 20/2016 do MAPA, todos os lotes que chegarem ao abatedouro devem ter sidos submetidos previamente à pesquisa de Salmonella spp por suabe de arrasto das granjas. O verso do Boletim Sanitário traz as informações dessa análise e uma vez positivos, são submetidos ao abate sanitário e a produção é desviada para mercados que não restringem a presença do patógeno. Vale lembrar que, pela IN 20/2016, estes lotes positivos são obrigatoriamente tipificados para S. Typhimurium, S. Enteritidis, S. Gallinarum, S. Pullorum, ou seja, todas aquelas contempladas no PNSA (Programa Nacional de Sanidade Avícola).
- Período de carência de medicamentos não respeitado
Constando na Ficha de Acompanhamento do Lote (FAL) ou Boletim Sanitário o uso de algum medicamento para o qual não tenha sido respeitado o período de carência, o lote é submetido ao abate sanitário. Toda produção é sequestrada e amostras são enviadas para análise da droga. Com a chegada do resultado laboratorial é possível dar o devido destino ao produto. Se estiver abaixo do LMR (Limite Máximo de Resíduo) permitido para aquela droga (baseado no Codex Alimentarius) a venda está autorizada. Evidente que há mercados que podem restringir a venda como o Japão que proíbe o uso de Nicarbazina, então o destino deve passar pelo crivo do Controle de Qualidade. Caso esteja acima do LMR, não é permitido enviar para graxaria, sendo o destino correto o aterro sanitário.
E você, já presenciou algum caso de abate sanitário em aves? Conte-nos sua experiência ou se tiver dúvidas, envie-nos sua questão.
Everton Santos
Muito interessante, faz todo sentido !
Gostaria de saber sobre o abate sanitário, entendi quando devo usá-lo, mas não entendi o que é ele. É uma técnica diferente ?
Obrigado e parabéns !
Humberto Cunha
Prezado Everton, desculpe pelo delay para responder, não tinha visto seu comentário. Todavia não vou deixá-lo sem resposta. Eu entendi que sua dúvida é como ele é executado, pois bem, o abate sanitário é um abate como o convencional mas ele é realizado ao final do dia (em separado dos demais lotes), pois como a probabilidade de contaminação microbiológica é alta ou risco de contaminação cruzada do lote por problemas de resíduo na carne (PCC 1Q), é necessário cuidados especiais durante o abate como por exemplo redução da velocidade da linha de abate, aumento de colaboradores em um determinado ponto como o PCC 1B (contaminação fecal), sequestro do lote para análise laboratorial, e/ou uma boa higienização ao final do abate, entre outras, sendo essas ações dependentes de cada caso. Portanto, a técnica de abate é a mesma, o que muda são os cuidados durante e após, sobre o ponto de vista sanitário.
Everton Santos
Entendi! Obrigado pela resposta!
Danielle Ache Carvalho Benfica
Ótimo conteúdo, bastante didático e esclarecedor, obrigada, infelizmente saímos da graduação com conceitos “soltos” …
Daniel Ferreira de Amorim
Fantástico !!
Esse site sempre nos traz excelente informações. Uma ferramenta essencial para o aprimoramento das nossas idéias e nos ajudando a estudar cada vez mais.
Parabéns aos profissionais, ao site e comentários postados dos colegas.