As águas-vivas são invertebrados marinhos abundantes em águas oceânicas frias e quentes, ao longo das costas e em águas mais profundas.
As agregações de águas-vivas são uma característica natural de um ecossistema marinho saudável com flutuações periódicas em sua ocorrência.
Embora faltem dados para mostrar se a população global destas espécies está aumentando, há um consenso geral de que, nas últimas décadas, certas regiões têm um aumento significativo no número e duração das florações de água-viva e fora de seus habitats naturais.
As condições trazidas pelas mudanças climáticas – aquecimento dos mares, acidificação dos oceanos – bem como outras, como o aumento do número de plânctons e o esgotamento de oxigênio por eventos de eutrofização, podem ser propícios a esses aumentos populacionais e expansões geográficas. A sobrepesca remove os principais predadores (atum vermelho, espadarte, tartarugas marinhas) e competidores, permitindo que certas populações de águas-vivas se desenvolvam.
Em todo o mundo, as florações de águas-vivas têm sido um problema, bloqueando redes de pesca e destruindo fazendas de aquicultura. Elas forçaram o fechamento temporário de usinas de energia na Suécia e Israel e de uma usina de dessalinização em Omã, bloqueando tubulações que trazem água do mar. A proliferação de águas-vivas também afetou as economias costeiras e a saúde pública ao infestar destinos turísticos populares.
O que está impulsionando o recente interesse no consumo de água-viva?
O crescimento populacional de águas-vivas cria um ciclo vicioso: elas atacam ovos e larvas de peixes, bem como competem pela mesma fonte de alimento que o estoque de peixes que já são afetados pela pesca excessiva. Tentativas de capturar e remover as águas-vivas, juntamente com a diversificação da pesca sustentável para alimentar uma população global crescente, podem exigir a criação de mercados comerciais para águas-vivas em várias regiões globais.
Ou seja, uma solução para administrar o excesso desta praga nos oceanos, seria consumi-la.
Embora comer água-viva possa parecer pouco convencional a muitos, as águas-vivas, de fato, são consumidas em alguns lugares da Ásia como parte da culinária tradicional há gerações e são valorizadas por seus benefícios à saúde. As espécies comestíveis tendem a ter baixo teor de carboidratos e lipídios, alto teor de proteínas (representadas principalmente pelo colágeno) e vários minerais.
Enquanto algumas espécies de águas-vivas podem ser tóxicas para os seres humanos, existem outras que são seguras para consumo.
A pesca de água-viva pode ser encontrada em vários países asiáticos, como Japão, Malásia, República da Coreia e Tailândia, com indústrias de exportação também encontradas na Austrália, Argentina, Namíbia, Bahrein, Nicarágua, México e Estados Unidos da América, entre outros. Embora a captura marinha total de Rhopilema spp. e Stomolophus meleagris foi estimada em aproximadamente 300.000 toneladas em 2018, não há dados confiáveis sobre estatísticas abrangentes de captura de água-viva.
Quais são as implicações de segurança de alimentos das águas-vivas?
Perigos microbiológicos
As medusas frescas tendem a estragar-se facilmente à temperatura ambiente e, portanto, tendem a ser processadas de forma relativamente rápida após a captura. Isso reduz os riscos associados à contaminação microbiológica. De acordo com estudos, nenhum patógeno de origem alimentar foi associado às águas-vivas.
No entanto, pesquisas sobre a diversidade da comunidade bacteriana associada às águas-vivas mostram a presença de gêneros bacterianos potencialmente patogênicos – Vibrio, Mycoplasma, Burkholderia e Acinetobacter, Staphylococcus, entre outros. Isso demonstra que as águas-vivas podem servir como vetores de bactérias patogênicas implicadas em afetar a saúde humana.
Comentário da autora do post: as boas práticas de manipulação (ou melhor, a falta delas) podem causar contaminação por diversos patógenos. Assista este vídeo para avaliar os riscos.
Perigos químicos
Metais pesados: A bioacumulação de poluentes do ambiente marinho é uma questão de preocupação de segurança em águas-vivas.
Em um estudo com Cassiopea maremetens, descobriu-se que o acúmulo de metais em águas-vivas começou dentro de 24 horas após a exposição à água tratada. Altas concentrações de cobre foram observadas, atingindo mais de 18% acima das concentrações ambientais. Uma pesquisa na Espanha envolvendo alumínio, titânio, cromo, manganês, ferro, níquel, cobre, zinco, arsênico, cádmio e chumbo por Rhizostoma pulmo mostrou que a bioconcentração desses elementos na água-viva, em relação à concentração de metais na água do mar, foi alta, especialmente de arsênio. Este risco reforça a importância de realizar um monitoramento constante da água onde as águas-vivas são capturadas ou criadas.
Toxinas de algas: Um único caso de suspeita de envenenamento por ciguatera após a ingestão de água-viva importada foi relatado na literatura publicada. Mais pesquisas serão necessárias para explorar este risco potencial. Não foram encontrados na literatura outros relatos de intoxicação, por toxinas marinhas, com o consumo de água-viva comestível.
Potencial alergênico: Pesquisas mostram que pessoas com histórico de reações alérgicas a crustáceos, cefalópodes e/ou peixes podem comer água-viva com segurança e sem reações adversas. A maioria das reações alérgicas ao consumo de água-viva foi registrada em pessoas que foram previamente picadas pelo invertebrado. No entanto, existem alguns casos de anafilaxia pós-ingestão de água-viva registrados em indivíduos sem histórico de serem picados por água-viva. Os alergênicos nas águas-vivas que causam essas reações alérgicas no consumo ainda não foram identificados.
Outros perigos químicos da fase pós-colheita:
Uma maneira tradicional de processar água-viva emprega uma solução de salmoura contendo alúmen. Assista este vídeo para entender o processo.
Este processo desidrata a água-viva e diminui o pH, podendo estender a vida de prateleira se a água-viva for mantida em uma temperatura adequada após o processamento. Existem preocupações quanto à quantidade de alumínio retido em produtos de água-viva como resultado do uso de alúmen. Um estudo analisando a exposição alimentar ao alumínio, na China, observou altos níveis de alumínio nas águas-vivas prontas para consumo e produtos à base delas. Embora os níveis máximos não tenham sido estabelecidos pelo Codex Alimentarius, alguns países asiáticos estabeleceram limite para o alumínio (100 mg/kg em peso seco), especificamente para águas-vivas. Além disso, o JECFA determinou uma ingestão semanal tolerável provisória (PTWI) de 2 mg/kg de peso corporal para alumínio, com estimativas de exposição dietética ao alumínio (não incluindo água-viva).
Altos níveis de alumínio na dieta têm sido sugeridos para desempenhar um papel em problemas de desenvolvimento em bebês e crianças pequenas, bem como danos no fígado, toxicidade reprodutiva, doença inflamatória intestinal e risco potencial de desenvolver doença de Alzheimer em adultos.
Perigos físicos
As águas-vivas, como outros organismos marinhos, ingerem plásticos (macro, micro e nano) de seu ambiente, facilitando sua transferência para o nível trófico e potencialmente representando riscos físicos. Embora as implicações dos microplásticos na saúde humana ainda não sejam bem compreendidas, qualquer risco potencial de exposição humana a microplásticos por meio do consumo de água-viva precisará ser explorado por meio de mais estudos.
Qual é o caminho a seguir?
O consumo de água-viva comestível não é prevalente nos países ocidentais devido à falta de demanda do mercado por estes alimentos, bem como pela ausência de métodos de processamento adequados e pela falta de padrões nacionais de segurança e qualidade.
A pesquisa sobre técnicas alternativas de processamento para eliminar o alúmen, por exemplo, usando alta temperatura, pode abrir mercados potenciais. Além disso, a avaliação completa dos perigos de segurança associados à colheita, processamento e consumo de água-viva ajudará a estabelecer práticas adequadas de higiene e fabricação, bem como desenvolver estruturas regulatórias relevantes para o setor.
Embora possa ser tentador explorar esse recurso marinho como alimento, é importante notar que as populações de águas-vivas podem ser extremamente variáveis em sua abundância de ano para ano, o que pode tornar os investimentos em infraestrutura para criar novos centros de processamento bastante desafiadores. Poucas espécies de água-viva são comestíveis e, portanto, nem todas podem ser manejadas pela pesca. Além disso, apenas um pequeno subconjunto de espécies de água-viva forma florações. Concentrar-se em algumas espécies pode não ser ambientalmente sustentável, pois aumenta as chances de sobrepesca, a menos que sejam implementadas estratégias de manejo adequadas. Por exemplo, Rhopilema esculentum, comercialmente importante, é sujeita a aumento de estoque na China, onde medusas jovens são criadas e liberadas na Baía de Liaodong do Mar de Bohai. Isso ocorre em resposta às flutuações naturais em sua população, bem como à sobrepesca. Além disso, é essencial promover a pesquisa de águas-vivas por meio de uma abordagem baseada em ecossistemas para avançar no conhecimento e na modelagem preditiva de florações de águas-vivas, bem como implementar planos estratégicos de monitoramento e gerenciamento para desenvolver esse recurso como fonte de alimento sustentável .
Este é um resumo do capítulo New food sources and food production systems – Jellyfish, do relatório Thinking About the Future of Food Safety – a foresight report, da FAO, que pode ser lido na íntegra aqui.
Leia também o resumo de outras partes deste relatório aqui no blog:
Algas marinhas – implicações de segurança dos alimentos segundo a FAO
Preferências dos consumidores, padrões de consumo e a segurança dos alimentos
Mudanças climáticas e o futuro da segurança dos alimentos – perspectiva da FAO
Fonte da imagem: Euronews