Ovos e ovoprodutos: uma perspectiva frente às mudanças climáticas

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Ao fazer as compras do mês, certamente já nos deparamos com a alta dos preços nas gôndolas e a proporção inversa da quantidade de sacolas que vão para casa e da quantidade de dinheiro que fica no supermercado.

As mudanças climáticas têm impactado diretamente a alta dos preços dos alimentos (já vimos o caso do azeite, do arroz e do cacau), e consequentemente o bolso do consumidor e, ainda pior, a segurança dos produtos.

Mas, e os ovos? Por que se preocupar com eles?

Quem não pega uma pequena cartela de ovos em sua cesta do supermercado, seja o ovo tradicional em casca ou, para quem prefere praticidade, uma caixinha de ovo pasteurizado ou um pacotinho de ovo em pó? Se não leva o ovo diretamente, certamente o leva no seu bolinho, macarrão, panetone, molhos e diversos outros alimentos que o utilizam como ingrediente.

Hoje o Brasil é o 5° maior produtor mundial de ovos com um consumo de 242 unidades de ovo per capita/ano, um aumento de 195% desde 1997, segundo dados de 2024 da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

De acordo com projeções da ABPA, espera-se um aumento tanto da produção como do consumo de ovos para este ano de 2024, porém, também espera-se um aumento nos preços, devido ao alto custo com milho, energia elétrica, combustível e embalagem.

Essa projeção de alta no custos da produção já tinha sido apontada em outros estudos nos quais foram abordados os efeitos das mudanças climáticas na produção de ovos. O aumento constante da temperatura ambiente já vinha acontecendo a cada ano, afetando diretamente as perdas tanto de produtividade como da qualidade dos ovos e, também, indiretamente, as produções dos insumos utilizados na sua produção, como os grãos para ração (milho e soja) e também a energia elétrica.

A perda de produtividade dos ovos está relacionada à alta taxa de mortalidade das poedeiras. As ondas de calor intoleráveis às galinhas causam insolação e, por consequência, mortalidade. Além disso, a alta temperatura ambiente gera uma redução significativa na produção diária de ovos devido ao estresse e também pelo aumento no consumo de água, o que faz reduzir o consumo de ração.

Um dos fatores apontados por um pesquisador da área, Lamarca, é a falta de preparo dos produtores, que muitas vezes, pela inviabilidade econômica, não têm galpões climatizados. Em sua pesquisa, ele mostra que no interior de São Paulo, na cidade de Bastos, onde há grande produção de ovos, os produtores não possuem essa estrutura preparada para ondas de calor, isto é, não possuem climatização. Isto ocasionará alta taxa de mortalidade quando ocorrer esse evento e o autor ainda ressalta que esta cidade, bem como sua região, apresenta grande risco da ocorrência de ondas de calor.

Frente a esse cenário, os produtos de ovos deparam-se com diversos desafios, como a busca por novas formas de alojamento, suplementação para a ração, inovação e remodelagem dos sistemas de ventilação, entre outros.

Então, o impacto é só no bolso?

Não. Como já esperado, estudos relatam que as mudanças climáticas são um dos fatores que contribuem para o surgimento de novos vírus, bactérias e parasitas nos últimos anos, sendo que há uma alteração na distribuição de doenças em nível global, resultando em um estímulo aos surtos de doenças que afetam a produção agrícola, tanto na produção de ovos como da carne.

Diversos patógenos têm seu comportamento afetado pelas mudanças climáticas. A Salmonella foi apontada como um risco para contaminação de alimentos tanto no setor agrícola como nas indústrias de alimentos. Existe ainda um estudo que mostra um aumento de sua incidência em poedeiras quando há um aumento da temperatura ambiente.

Outra questão a se considerar é que, com o aumento do risco de zoonoses emergentes, com as mudanças na sobrevivência de patógenos e mudanças na distribuição de vetores e parasitas devido às mudanças climáticas, pode-se exigir um aumento no uso de medicamentos veterinários e aditivos, possivelmente resultando em níveis aumentados de resíduos em alimentos de origem animal. Isso representaria não apenas riscos agudos e crônicos para a saúde humana, mas poderia levar ao surgimento de resistência antimicrobiana (RAM) em patógenos humanos e animais. Devido à frequência crescente de bactérias resistentes a antibióticos, os humanos estão se tornando mais suscetíveis, com as mudanças climáticas contribuindo para essa suscetibilidade.

Diante disso, é importante destacar alguns pontos para a indústria de ovoprodutos:

  • É necessário cada vez mais estreitar o relacionamento da indústria com os fornecedores/produtores de ovos in natura e acompanhar as alterações que as mudanças climáticas têm causado para que, em parceria, possam traçar planos para mitigar as consequências futuras;
  • A Salmonella spp em ovos in natura deve ser avaliada com maior critério;
  • É importante uma atenção especial em relação às mudanças que podem ocorrer, principalmente, nas vacinas e agrotóxicos utilizados na cadeia de produção avícola para manter um monitoramento de análises de contaminantes atualizado;
  • O cuidado e a manutenção da cadeia do frio deve ser ainda maior devido aos impactos do aumento da temperatura mundial, além de monitorar e correlacionar às não conformidades por quebra da cadeia do frio;
  • As alterações climáticas correlacionam-se com o desperdício de alimentos ao longo de toda a cadeia de produção, sendo assim, um ponto relevante nas avaliações de perdas e desperdícios.

E para o consumidor final é importante manter os cuidados já conhecidos quando se trata de ovos: armazenar na geladeira, mas não na porta e fazer uma boa cocção no seu preparo.

Apesar de perspectivas de futuro desafiadoras na cadeia de produção de ovos e ovoprodutos, se houver união entre os elos da cadeia, trabalho em conjunto com o governo e órgãos de vigilância e ainda, ações proativas em relação às previsões climáticas, o futuro poderá ser mais seguro e surpreendente!

Jéssica M. O. Pacanaro é engenheira de alimentos pela Universidade Estadual de Maringá e especialista em Segurança de Alimentos. Atua há 8 anos em indústria de ovos, com gestão da Qualidade e Segurança de Alimentos e também com norma de certificação de bem-estar animal.  

Referências

AHAOTU, E. O.; OSUJI, F. C.; IBE, L. C.; SINGH, R. R. Climate change in poultry production: a review. International Journal of African Sustainable Development, v. 10(2), p. 362-370, 2019.

GOMEZ-ZAVAGLIA, A.; MEJUTO, J. C.; SIMAL-GANDARA, J. Mitigation of emerging implications of climate change on food production systems. Food Research International, v.134, 2020.

IRIVBOJE, O. A.; OLUFAYO, O. O.; IRIVBOJE, Y. I. Impact of climate change on poultry production: A review. Nigerian Journal of Animal Production, v.48(4), p. 59-69, 2021.

LAMARCA, D. S. F.; PEREIRA, D. F.; MAGALHÃES, M. M.; SALGADO, D. D. Climate Change in Layer Poultry Farming: Impact of Heat Waves in Region of Bastos, Brazil. Brazilian Journal of Poultry Science, v. 20, p. 657-664, 2018.

MAGGIORE, A.; AFONSO, A.; BARRUCCI, F.; DE SANCTIS, G. Climate change as a driver of emerging risks for food and feed safety, plant, animal health and nutritional quality. Publication 2020:EN-1881. European Food Safety Authority, Parma, Italy, 2020.

RAVICHANDRAN, P.; MOHAMED, A. K. A Study of the Perceived Effects of Climate Changes on Commercial Layer Egg Industry with Respect to Total Production, Egg Price Behavior, and Diseases among Layer Poultry Farmers at Namakkal District, Tamilnadu, India. The Pacific Journal of Science and Technology, v.16, p. 345-351, 2015.

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