O desenvolvimento de biofilmes microbianos ocorre com frequência nas indústrias de alimentos, uma vez que há uma grande quantidade de nutrientes disponível em equipamentos, utensílios e superfícies de contato. Os biofilmes apresentam uma maior resistência aos sanitizantes e podem levar os equipamentos à corrosão, provocando um impacto negativo na qualidade do produto final.
Sua presença nos alimentos e no processamento pode trazer graves prejuízos à saúde pública devido a problemas associados a doenças transmitidas por alimentos e deterioração dos alimentos.
Os biofilmes são responsáveis pela persistência de bactérias em ambientes de processamento de alimentos e recontaminação de alimentos processados. Quando a contaminação de produtos alimentares ocorre, são necessárias ações como recalls, por exemplo. Essas ações apresentam grande ônus econômico para a indústria e também podem causar sérios danos à marca.
Algumas teses de doutorado e dissertações de mestrado têm explorado as características e os tipos de materiais mais susceptíveis à formação dos biofilmes e deixam claro que materiais com rugosidade e ranhuras são mais susceptíveis à adesão e consequentemente à formação dos biofilmes, portanto atenção especial deve ser dada a utensílios como facas e chairas de uso prolongado, assim como tábuas de corte e superfícies com muitas ranhuras ou com falhas no acabamento sanitário.
O que são biofilmes?
Os biofilmes são constituídos por bactérias que aderem às superfícies graças a substâncias poliméricas extracelulares (EPS). Estas substâncias podem conter polissacarídeos, proteínas, fosfolipídios, ácidos nucleicos e teicóicos e outras substâncias. As EPS formam uma espécie de crosta que promove a proteção dos biofilmes. Essa “colônia” pode ser formada por cultivos puros ou associação de vários microrganismos e por isso torna-se difícil removê-la com a ação de sanitizantes.
O desenvolvimento de biofilmes, após sua adesão prévia, pode ser afetado por fatores como: força específica da bactéria, propriedades materiais da superfície, pH, quantidade de nutrientes e temperatura. Superfícies mal higienizadas podem facilitar o contato inicial necessário para a adesão microbiana devido à presença de um substrato.
Como são formados?
Os biofilmes são naturalmente heterogêneos e por essa razão a quantificação da morfologia é o principal problema. Embora a função e a aparência de biofilmes em vários ambientes sejam diferentes, todos originam-se da mesma sequência de eventos. De uma maneira geral a formação ocorre na seguinte sequência (figura 1):
- Adesão inicial: Quando há acúmulo de nutrientes na superfície, esta sofre alterações físico-químicas que favorecem a colonização e o acúmulo de microrganismos começa a ocorrer no local;
- Adesão irreversível: Conforme o tempo passa, essa adesão inicial torna-se irreversível devido a interações/ligações mais fortes com as substâncias previamente acumuladas na superfície – matriz EPS;
- Desenvolvimento da arquitetura do biofilme: As bactérias formam colônias, pois continuam se multiplicando e formando matrizes de exopolissacarideos (EPS) que protegem a colônia de ações externas. A formação de EPS contribui para o fortalecimento da ligação entre a bactéria e o substrato, proporcionando o desenvolvimento da arquitetura do biofilme.
- Maturação: Nesta fase há formação de estruturas planas ou cônicas que vão se acumulando dependendo da fonte de nutrientes disponíveis.
- Dispersão: Com o passar do tempo, esses biofilmes liberam partículas de biomassa que podem contaminar os alimentos de forma não homogênea ou dar início à formação de um novo biofilme na linha de produção.
Microrganismos envolvidos na formação de biofilmes
De maneira geral, quase todos os tipos de microrganismos podem aderir às superfícies e formar biofilmes sob condições favoráveis, porém nas indústrias de alimentos são as bactérias que mais frequentemente produzem biofilmes, ainda que umas apresentem maior aptidão que outras. O tipo de bactérias varia conforme os fatores intrínsecos e extrínsecos do ambiente em que se encontram.
Dentre as bactérias deteriorantes, destacam-se: Pseudomonas fragi, Pseudomonas fluorescens, Micrococcus sp. e Enterococcus faecium. Como exemplos de bactérias patogênicas, encontram-se: P. aeruginosa, L. monocytogenes, Yersinia enterocolitica, Salmonella Typhimurium, Campylobacter jejuni, Escherichia coli O157:H7, S. aureus e B. cereus.
Outro fator determinante no tipo de microrganismo que poderá formar biofilme é a flora do ambiente. Por exemplo, em indústria de carnes, pesquisadores encontraram bactérias pertencentes a diversos gêneros, como Bacillus, Staphylococcus, Corynebacterium, Brevibacterium, Aeromonas e Pseudomonas. Em uma cervejaria encontraram bactérias pertencentes aos gêneros Methylobacterium, Paracoccus, Acinetobacter, Enhydrobacter, Luteimonas, Stenotrophomonas, Pseudoxanthomonas, Xanthomonas e Citrobacter, entre outros. Pesquisas identificaram, também, a presença de B. cereus em correias transportadoras, tubos de aço inoxidável e tanques de armazenamento.
Fatores envolvidos na formação dos biofilmes
A presença de biofilmes em áreas de processamento de alimentos é caracterizada, inicialmente, pelo acúmulo de materiais orgânicos e inorgânicos em superfícies, sobre as quais comunidades bacterianas podem se desenvolver.
Entre os fatores que podem ainda contribuir para a formação dos biofilmes podemos citar:
Sobrevivência a sanitização: nem todos os microrganismo são eliminados durante a etapa de sanitização e se houver resíduo de matéria orgânica, essa etapa fica ainda mais comprometida, pois o sanitizante reage também com resíduos de proteínas, gorduras, carboidratos e minerais;
Uso inadequado de sanitizante: uso de sanitizante com espectro de ação limitado ao seu tipo de processo, uso de dosagens sub-letais (por falhas no processo de preparo do produto), produtos preparados muita antecipação ao uso que podem se dispersar no ambiente, etc;
Locais de acúmulo de bactérias: falhas no acabamento sanitário, pontos de solda proeminentes, ranhuras em equipamentos, frestas, presença de poros em superfícies de polietileno (cabos de facas, tábuas de corte), tubulações de difícil acesso para limpeza (chutes de miúdos por exemplo) são locais que podem permitir o acúmulo de bactérias devido a falhas na higienização e consequentemente a formação de biofilmes.
Como identificar os biofilmes
Para identificar a presença de biofilmes é necessário determinar as espécies existentes e quantificar o número de microrganismos presentes na superfície, a fim de determinar se há a formação de biofilme maduro ou somente adesão bacteriana. Estes valores variam entre os pesquisadores, que consideram um número mínimo que vai desde 103 UFC/cm2 até 107 UFC/cm2.
Entretanto, é necessário salientar que, mesmo que o número de células microbianas aderidas à superfície esteja abaixo do necessário para se considerar a formação de um biofilme maduro, já existe o risco de contaminação microbiológica do alimento a partir de microrganismos sésseis presentes na superfície.
Métodos para detecção e monitoramento da carga microbiana das superfícies de processamento de alimentos podem indicar falhas no processo e assim servir como guia a um possível desvio mais grave ou persistente, como a técnica do swab, por exemplo.
Como prevenir a formação dos biofilmes
A restrição de água e nutrientes, o tipo de equipamento e a temperatura são importantes para o controle do biofilme, entretanto geralmente não é possível reduzir a quantidade de água ou aprimorar o “design” do equipamento ou reduzir a temperatura de operação, por isso o controle do biofilme está focado nos processos de limpeza e desinfecção.
Geralmente, uma limpeza e um programa de sanitização efetivos inibirão a formação de biofilmes. Uso de sanitizantes intercalados para aumentar o espectro de ação pode ser uma boa técnica para prevenir a formação de biofilmes.
As análises laboratoriais servem também como referência para obter dados de desempenho do processo.
É importante prevenir e controlar a formação de biofilmes nas indústrias de alimentos, uma vez que os prejuízos econômicos e problemas de saúde pública podem ser complexos. Desta forma, compreender o que são os biofilmes e seus aspectos de estrutura e composição, bem como de seu processo de formação, são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de controle efetivas e entendimento do risco que estes representam.
No que diz respeito às estratégias de controle, a utilização de um processo de higienização eficiente, que abranja corretamente as etapas de limpeza e sanitização, é fundamental. Para isso, a adoção de ferramentas de controle de qualidade é imprescindível.
Abaixo anexei um vídeo que pode auxiliar a compreender melhor o processo de formação de biofilme:
Fontes consultadas:
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/266798/1/Lucchesi_ElianeGama_D.pdf
http://periodicos.ses.sp.bvs.br/pdf/rial/v69n3/v69n3a01.pdf
http://www.uricer.edu.br/cursos/arq_trabalhos_usuario/2165.pdf
Claudí Kolling
Parabéns Juliana! Excelente professora e expecialista.
Acho muito interresante sua área de atuação.
Juliana Barbosa
Obrigada! vocês com certeza são minha grande inspiração para escrever!
Dr.Vet.Daniel Bouzas
Parabens. Artículo muy completo y bien explicado, de un tema tan interesante como son los Bilofilmes, para la industria alimentaria.
Juliana Barbosa
Gracias por tu comentario.
Andreía Bazzi
Neuza, veja que sério isso!
Mayra
Parabéns Dra Juliana pelo artigo. Este é de fato um dos maiores “pesadelo” para a indústria de alimentos. Mas eu gostaria de saber se podemos considerar como uma das estratégias para analisar a presença de biofilme na tubulação (como por exemplo, de uma fermenteira até a máquina de envase) a análise da água de enxágue do CIP? Poderia passar algumas sugestões?. Obrigada!
Juliana Barbosa
Agradeço seu comentário, em breve trarei mais post sobre o assunto que poderão lhe auxiliar nesta questão, aguarde.
Daniely Marreiro
Muito bom texto…sou apaixonada por biofilmes..adorei a leitura…
Abraco
Juliana Barbosa
Obrigada, espero sempre contribuir com leituras agradáveis e uteis ao seu dia a dia.
Giulia carvalho silva
Nossa artigo incrível, muito bem explicado mesmo pra mim que não ainda não conhecia nada sobre biofilmes. Obrigada por compartilhar com a gente todo esse conhecimento.